O Orçamento de Estado, todos sabem, é a concretização anual das opções políticas de um Governo. O grau de concretização é determinado não só pela conjuntura económica, pelo contexto social mas também por acordos de conveniência política, tentados ou formalizados, tanto mais necessários quanto mais instável for a arquitetura parlamentar.
Esses acordos, sobretudo se pontuais, tendem a ser tão bem sucedidos quanto melhor conseguirem tirar partido das preocupações que a comunicação e as redes sociais fizerem ecoar. A preocupação ambiental e especialmente o consumo energético, associado à alteração de comportamentos atravessa transversalmente a proposta de Orçamento entregue pelo Governo na Assembleia e reflete-se abundantemente em matéria de política fiscal. Desde incentivos à agricultura biológica, à aquisição pelos organismos públicos de veículos de emissões 0, à concessão de vistos para investimento estrangeiro de valor ambiental, passando pela concessão de um benefício fiscal de IRS para aquisição de unidades de produção de energia renovável para autoconsumo mas, em sentido oposto, temos a revogação de isenções, de ISP e de ISV e o novo imposto “drive-in”. Há todo um verdadeiro orçamento ambiental para agradar aos partidos que se situam à esquerda do Partido Socialista, a julgar pelos programas daqueles onde foi buscar algumas dessas ideias.
Porém, a medida emblemática de política fiscal ambiental do Orçamento é, sem margem para dúvidas, a proposta de aplicação da taxa reduzida de IVA ao consumo doméstico de eletricidade. Defendida pelo Bloco de Esquerda já na legislatura anterior e justificada pelo Governo com a agenda ambiental, a sua inclusão na proposta de orçamento, por ora, parece não ter qualquer outro efeito prático (ou intenção?) do que servir a estratégia política do Governo para obter o mais amplo apoio parlamentar para o Orçamento, à esquerda do Partido Socialista.
Com efeito, nos termos em que se encontra formulada essa proposta, por certo o Governo não terá negligenciado, que a autorização da Comissão Europeia é tecnicamente difícil de obter. Primeiro, porque constitui uma exceção ao princípio da neutralidade do imposto, já que não é permitido aos Estados-Membros aplicar taxas diferentes ao mesmo bem ou serviço, no caso a eletricidade. Em segundo, porque apesar de Portugal já ter obtido há menos de um ano uma autorização para aplicar taxas diferenciadas de IVA na eletricidade, a exceção autorizada assentava exclusivamente na potência contratada e não, indiretamente que fosse, no consumo efetivo, a chamada “energia ativa”.
A alteração que agora se propõe parece ir bastante além do que foi aprovado pela UE e não tem precedente. Assim, a ser aprovada, é provável que o seu impacto financeiro fique manifestamente aquém do mediatismo com que foi apresentada a medida, o que o Governo seguramente ponderou. Com manifesto benefício para a receita fiscal, cuja redução ainda assim ficaria muito aquém dos 600 milhões de euros que custaria a aplicação da taxa reduzida a todo o consumo, esta proposta seria tecnicamente mais fácil a Comissão autorizar.
Seja qual for o desfecho deste processo de autorização, parece ser já estatisticamente inevitável que em 2020 Portugal continue a ser o quarto país da Europa dos (ainda) 28 onde o peso dos impostos no preço da eletricidade de consumo doméstico é mais elevado. Atingiu no primeiro semestre de 2019 cerca de 50% da fatura ao consumidor.