
Três ou quatro dias sem internet é quase o fim-do-mundo para muitos ocidentais. Em Léconi, última aldeia gabonesa antes da Republica do Congo (Brazzaville) não há eletricidade. Algumas casas têm gerador, mas nem sempre há combustível.
A aldeia é tipicamente africana, com as ruas principais em mau estado e as perpendiculares em terra.
O nosso hotel, se é que se pode chamar assim, fica numa dessas ruas, em frente a um contentor transformado em mercearia, onde cabras e lagartos discutem as migalhas. Tem gerador, mas com horário de funcionamento. Há que aproveitar os poucos minutos de energia.
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegarem ao Gabão, em 1740. Deram o nome “gabão”, segundo consta, porque o estuário na foz do rio Komo parecia-se com a forma dessa peça de vestuário.
O país surpreendeu-nos pela positiva, apesar de termos vivido momentos de grande angústia quando chegamos à fronteira de Meyo-Kye, completamente convencidos que estávamos – eternamente – livres dos Camarões. Chegamos ao posto de fronteira, sob chuva torrencial e grossa, num domingo ao meio-dia, e o nosso visto expirava no dia seguinte à meia-noite. Já não nos deixaram entrar. Ordenaram que regressássemos a Yaoundé, capital dos Camarões, para renovar o visto. Era impensável regressar aos Camarões. Era… para nós, mas para os guardas fronteiriços era a única opção.
Após um longo período de quase quatro horas que contemplou todos os meios de persuasão ao nosso alcance, desde choro, argumentação, explicações, períodos longos de silêncio, olhos-nos-olhos com o guarda fronteiriço, súplicas e até reivindicações, como por exemplo, quando um outro guarda que estava a comer peixe numa espécie de tomatada e mandioca, nos disse irritado e com a boca cheia: “Aqui não têm nada a fazer, têm que regressar aos Camarões”. Insurgi-me de imediato contra o homem cuja boca parecia o óculo de uma máquina de lavar roupa: “Não temos visto para entrar nos Camarões e estamos legais no Gabão. Podemos chegar a Libreville amanhã de manhã e renovar o visto. Portanto, estamos legais e não saímos daqui.”
A situação ganhou proporções tais que envolveu chefes, chefes de chefes e um major. O guarda fronteiriço, completamente desorientado, arrumou a secretária várias vezes queixava-se que tinha fortes dores de cabeça, acabando por confessar que estava incomodado com a nossa situação. A Glória ofereceu-lhe três comprimidos.
Quatro horas depois e depois de muitos telefonemas, o guarda fronteiriço virou-se para nós e disse: “só há uma solução. Fazem o visto em Bitam, no departamento da imigração (que ficava a cerca de 20 Km), mas têm que pagar.” A partir daí o Gabão revelou-se um “Wonderful world”.
As pessoas são simpáticas e prestáveis. Os policias muito profissionais; limitam-se a verificar a documentação e desejar boa viagem. E apesar da pobreza evidente, as aldeias são limpas, ordenadas, e há um perfume fresco no ar a papaias, bananas e ananás. A Glória quis comprar meia dúzia de bananas e a senhora ofereceu-as, com um sorriso quase envergonhado. A Glória mimou-a com algumas ofertas. Estávamos no meio do mundo, na linha imaginária do Equador.