
Todas as cidades são constituídas pelo trabalho físico e mental do Homem, desta forma, a construção social de uma cidade portuária é peculiar e transforma de forma significativa a paisagem. Douala é tipicamente uma cidade portuária ao nível de Hamburgo ou mesmo de Roterdão, respeitando de antemão as suas especificidades.
Douala vive do Atlântico, o país vive de Douala. É a cidade económica do país e a mais populosa. Os lagartos vagueiam à nossa frente como os pombos no Rossio e competem com as ratazanas nos esgotos a céu aberto, entre os detritos, à procura de comida, onde homens e mulheres urinam constantemente sem qualquer pudor apesar dos avisos de proibição, afixados por todo o lado. O cheiro nas ruas é nauseabundo; corre uma brisa azeda que nos asfixia.
Por força das circunstâncias somos obrigados a conhecer os meandros do porto marítimo de Douala. Policias, militares, despachantes, transitários, agentes, chefes, subchefes, diretores, funcionários, pseudo funcionários e mais dois milhões de pessoas que gravitam à volta do porto com um único objetivo: sobreviver.
Foi um erro meter a Isuzu no barco em Cotonou, mas não tínhamos outra alternativa. A passagem com ou sem visto pela Nigéria seria um erro fatal. A questão não era ser assaltado ou raptado, a questão era saber por quem: policias, falsos policias, exército, milícias, grupos extremistas ou bandidos. Nigéria, o país mais rico do continente africano, está a saque, instável e, pior do que isso, parece incontrolável.
Não queremos deixar de agradecer publicamente os conselhos que António Pedro da Silva (Chefe da Missão Diplomática Portuguesa), em Abujã, capital da Nigéria, nos deu. Foi graças às suas palavras que decidimos voltar para trás, depois de estarmos clandestinamente em território nigeriano, deixando o nosso passador, neste caso uma passadora, que ficou enfurecida com a nossa decisão, tornando-se bastante inconveniente. Aqueles 140 quilómetros de regresso foram um inferno.
Jorge Serpa, rogou-nos que não viajássemos pela Nigéria. Vendo o nosso entusiasmo em continuar via terrestre por aquele país, acabou por nos relatar o drama vivido por si e pelo seu filho, vitimas de um assalto por uma milícia rebelde que envolveu rajadas de metralhadora e um estado de alma compreensível, “não gosto de falar nisto”, confessa o português que nos ajudou, em Cotonou.
Ou metíamos a Isuzu no barco para Douala, Camarões, ou voltávamos para trás com todas as vicissitudes que tal decisão implicaria. Não queríamos passar pelo mesmo, queríamos progredir. O agente marítimo em Cotonou garantiu-nos que sob a chancela “VISA TRANSIT” era um processo fácil, sem problemas, e que em Douala os tramites eram relativamente fáceis, “vão ter que pagar qualquer coisa sem importância”, e seguir a nossa viagem. Nós acreditamos e fomos de avião para Douala.
Em Douala, rapidamente percebemos que não era bem assim e que estava longe de ser um processo simples e barato: o que nós tínhamos feito era uma exportação de um automóvel novo, avaliado em mais de 30.000 Euros, para os Camarões. Começava a nossa improvável aventura pelos meandros obscuros da burocracia aduaneira.
Douala, é uma cidade que não nos deixa saudades nenhumas. Como nos disse um empertigado diretor da alfandega, “nós não precisamos particularmente de turistas”. Curiosamente, naquele dia o jornal que estava em cima da sua secretária tinha a seguinte manchete: “Karl Rawaert, Diretor do Departamento de Desenvolvimento Rural e Ambiental da Comissão Europeia anunciou, em Yaoundé, um novo fundo de 14 milhões de euros para infraestruturas agrícolas no nosso país, inserido no projeto PAPA, que teve inicio em 2014.”
Os dias por aqui tem sido um misto de indignação e, ao mesmo tempo, de uma paciência que faria inveja ao velho Jó. Por um lado, já gastamos grande parte do nosso orçamento no transporte marítimo e nos tramites para desalfandegar a Isuzu. Aparece sempre uma nova exigência e uma nova fatura para pagar. Por outro lado, queremos continuar esta improvável aventura.
Enquanto esperamos que a Isuzu seja desalfandegada, tentamos descobrir alguns pontos de interesse em Douala para passar o tempo, até fomos ao centro cultural francês. Realmente, o empertigado e irrascível diretor da alfandega tinha razão: Douala não precisa de turistas.