
As famílias vivem em casas palafitas e vivem da pesca e do comércio local. Os homens são pescadores. As mulheres tratam da casa, tratam dos filhos, dos animais; vão buscar água potável, fazem comida para fora, vendem fruta, legumes, pão, sabão, vestuário… Tudo isto de piroga. Existe mesmo um mercado flutuante. Cada família tem 2 ou 3 pirogas a remos ou a motor.
Cabeleireiros, costureiros, hospital, maternidade, mercearias, bares, igrejas, mesquitas, postos abastecimento de água potável e combustível, albergues e restaurantes, e até as incontornáveis lojas coloridas dos operadores de telemóveis, entre outras casas, são suportadas por estacas habilmente alicerçadas no lodo no fundo do lago.
Estamos em Ganvié, uma aldeia muito especial construída sobre estacas no lago Nokoué, a cerca de uma hora de bote a norte da cidade de Cotonou, onde todas as atividades ocorrem inteiramente na água, único no continente africano. Chamam-lhe a Veneza africana.
Joseph, tem 58 anos, oito filhos, é evangélico e orgulha-se de ter uma só mulher. “No Benim há homens que têm cinco, seis, sete, oito, nove e até dez mulheres. Na minha religião só podemos ter uma”.
Este homem de sorriso fácil, cabelo grisalho, que ostenta nas faces escarificações tribais, recusou fazer o mesmo aos filhos e, como consequência, valeu-lhe a expulsão da sua aldeia. Este homem que disfarça, atabalhoadamente, uma vida de sofrimento é o nosso timoneiro na visita à aldeia do povo Tofinu, o povo da água.
É aceite na generalidade que o povo Tofinu estabeleceu-se na região entre o século XVI e XVII. Construíram a sua aldeia no lago para escapar aos slavers que procediam da tribo Fon, que por razões religiosas e até profanas não entravam na água. Não é por isso estranho que Ganvié signifique, “a comunidade que finalmente encontrou a paz”.
Estima-se que Ganvié tenha entre 20.000 e 30.000 habitantes. Vivem da pesca cujo produto da sua faina vendem no mercado de Dantopka, nas imediações de Cotonou, um dos maiores do continente africano, e trocam por bens de primeira necessidade. São hábeis mergulhadores e criaram um sistema de viveiros naturais, a chamada piscicultura praticada pelos povos ancestrais.
Os operadores turísticos querem-nos fazer crer que a sua população também vive do turismo. Compreende-se. Um sitio tão peculiar com Ganvié, candidato a Património Mundial da Humanidade, é um filão para os tubarões do turismo. Mas, não é assim.
A população, embora seja simpática, não lida bem com turistas indiscretos. As senhoras usam chapéus de palha de aba larga e ao verem-se na mira de uma objetiva fotográfica baixam a cabeça, até com uma certa elegância, e escondem a face.
O dia-dia da aldeia ocorre inteiramente sobre as águas do lago Nokoué. A grande massa de água que se estende até à Nigéria através de imensos braços de ria navegáveis. Por outro lado, abraça o Atlântico, em Cotonou, na chamada Lagoa de Cotonou.
A força de braço, o povo da água, criou uma faixa de terra firme, para construir uma escola e um cemitério com mais dignidade”. Ainda não há muito tempo os corpos dos falecidos eram despejados nos pântanos nas imediações da aldeia. Segundo, as suas crenças a alma, essa, pertence sempre à água, mas os corpos agora têm um cemitério onde descansam em paz”.
O povo da água desenvolveu uma cultura complexa, mas bem-sucedida no seio do lago. É óbvio que existe pobreza, como em qualquer outro sitio, mas ficamos com a sensação que as pessoas de Ganvié vivem em relativa tranquilidade e prosperidade.
As pequenas ilhas ocasionais cobertas de nenúfares são utilizadas para alimentar os pequenos animais domésticos, sobretudo, galinhas e porquitos.
Joseph, pergunta-me se como carne de porco. Digo-lhe que sim. E gostas? Replica. Gosto.
– E as vossas mulheres também comem carne de porco? Pergunta de novo muito admirado.
Joseph não come porco nem bebe bebidas alcoólicas. Encontrou no cristianismo um refúgio espiritual, mas a génese da sua crença é outra.
Provavelmente Ganvié irá desenvolver-se ao longo das próximas décadas, deixando de ser um alvo só para os viajantes mais aventureiros. Não há muito a fazer em Ganvié, exceto mergulhar na peculiar forma de vida dos seus habitantes. Para nós, foi suficiente.
No final, Joseph, pergunta se gostamos de visitar a Veneza africana. Pergunto-lhe se alguma vez já esteve em Veneza. “Não, mas já vi na televisão e é igual”.