Estava eu muito determinado a, de novo, escrever esta semana sobre futebol, quando me vejo, também de novo, a pensar nos nossos irmãos primatas hominóides. Vou explicar.
No Expresso de 2 Agosto, leio um artigo sobre a nossa vitória no campeonato do mundo de futebol robótico. E pensei chamar à crónica AFINAL GANHÁMOS O CAMPEONATO DO MUNDO DE FUTEBOL, para chamar a atenção. Iria descrever o nosso feito, protagonizado por quatro estudantes portugueses de 14 anos (da escola “pública de S. Gonçalo, em Torres Vedras”) que conquistaram, no Brasil, tão impressionante troféu, perante 3000 candidatos de 45 países. Iria dar parabéns muito sentidos a um ilustríssimo professor chamado Jaime Rei, que não tenho o orgulho de conhecer, e iria começar a disparatar, como é habitual quando a emoção me toma de assalto, perguntando: onde estão as bandeiras nas janelas dos edifícios, ou dos táxis? Onde estão os comentadores a preencher durante horas infindas a SIC Notícias, a TVI 24 ou a RTP Informação – normalmente em simultâneo, para não nos dar capacidade de fugir – dissertando sobre a estratégia do controlo da “redondinha” e outras coisas hediondas? Onde estão os anúncios dos bancos ou das marcas de champôs tendo como actores os extraordinários jovens Bernardo Rocha, Márcio Romero, Tiago Severino ou Miguel Miau? Onde estão as revistas cor-de-rosa com as namoradas destes em poses lânguidas (sem roçar a pedofilia)? Onde estão os elogios (mais tarde as medalhas e as comendas) das nossas instituições de maior relevo?
Como explicação para o facto de nada disto acontecer, iria repetir – já o disse aqui – que os portugueses prestam menos atenção ao que exige esforço, estudo, ou conhecimento, do que ao que se relaciona com uma hipotética predestinação de nascença, sorte, dom, destino ou coisas semelhantes que não exigem anos e anos de livros debaixo do braço. E iria certamente concluir a respeito dessa injustiça brutal, que tanto nos tem prejudicado como povo, de não dar importância ao que efectivamente a merece.
Eis, então, que vejo, na VISÃO online, uma selfie tirada por um macaco. Roubou a máquina a um fotógrafo inglês e tirou uma fotografia a si próprio, sorrindo feliz para a máquina e exibindo os seus enormes dentes.
Precipito-me para ver o desenvolvimento da notícia, que, afinal, em vez de discutir questões essenciais sobre a distância que nos separa destes irmãos primatas (não seria normal perguntarmo-nos o que é que o macaco saberia a respeito das características de uma fotografia para decidir sorrir antes de a tirar?), se limitava a questionar a propriedade da fotografia (e os direitos de autor, claro), o fotógrafo achando que os direitos são seus (pois a máquina é sua) e a Wikipédia achando que os direitos são do macaco (pois foi ele que tirou a foto).
Perguntam-me por que misturei os dois assuntos? Muito simples: estamos a falar da mesma coisa.
Primeiro, porque uma das grandes questões do humanismo é a fronteira que separa o homem do não-homem. Estejamos a falar do animal (fronteira de discussão antiga), ou do robô (fronteira recente).
Depois, porque andamos sempre a discutir o que menos interessa. No primeiro caso, o futebol que dominamos com os pés, em vez do que dominamos com a cabeça. No segundo, a preocupação com o mesquinho dos tostões, em vez de uma reflexão profunda sobre o nosso posicionamento no selvagem mundo em que vivemos.
Só um comentário final: o artigo do Expresso acaba assim: “estas actividades (actividades extra-curriculares de educação tecnológica) são integralmente custeadas pelos pais dos alunos, não havendo qualquer apoio estatal ou ministerial”.
Olho para selfie do macaco e rio-me com ele.