Na primeira pessoa: “Quando a médica me disse que o meu filho não tinha sobrevivido, pedi para o ver. Ninguém imagina como é um bebé que quase nos cabe na palma da mão”

Foto: Lucília Monteiro

Na primeira pessoa: “Quando a médica me disse que o meu filho não tinha sobrevivido, pedi para o ver. Ninguém imagina como é um bebé que quase nos cabe na palma da mão”

Estamos juntos há 26 anos. Sempre quisemos ser pais, mas fomos adiando por acharmos que as condições não eram as ideais. Nos primeiros 20 anos, a vida também se meteu no caminho, comigo a estudar em Coimbra e o Luís no Porto. Entretanto, ele começou a trabalhar em Lisboa, enquanto fiquei na Figueira da Foz. E, em 2012, emigrámos para Londres.

Há sete anos, casámos porque a vida estabilizou [Luís tem 44 anos e é gestor; Ângela tem 49 e é engenheira florestal] e estava mais do que na altura de começarmos a pensar em ter um filho. Fomos sempre tentando de forma natural, e tive quatro abortos espontâneos, todos em Inglaterra ainda, até que, em 2018, decidimos consultar uma clínica de fertilidade. Fizemos dois tratamentos que não resultaram, sem implantação do embrião, antes da gravidez do Luís António.

Nessa altura, senti muita alegria, mas nunca foi uma gravidez tranquila. Tínhamos consciência de que até ao fim nada era seguro. O Luís era muito mais reticente, enquanto eu, mais positiva, ia comprando algumas roupinhas. E fizemos o curso de preparação para o parto.

A psicóloga explicou-me que a dor não passa, e isso é normal. Foi um apoio muito importante, porque nós não lidamos bem com a situação. Só recentemente começámos a falar do assunto, e sei que vou tocar num tema que é tabu e deixa as outras pessoas desconfortáveis. A morte de um bebé prematuro nunca é vista como a morte de uma pessoa

Às 20 semanas de gestação, fui internada de urgência na Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra, porque tive uma hemorragia muito grande, sem causa nenhuma aparente. No primeiro dia, os médicos disseram-me: “Neste momento, só estamos a tomar atenção à mãe, porque, se a criança nascer, não a vamos poder reanimar [só a partir das 24 semanas].”

Estava preparada para ali ficar internada três meses, mas às 23 semanas e seis dias entrei em trabalho de parto. Depois de uma enfermeira me convencer a tomar a anestesia epidural, consegui estar quase 30 horas sem o bebé nascer, e o Luís António nasceu às 24 semanas e um dia, em maio de 2021.

O parto correu bem para mim e para o bebé. Achava que ele ia nascer sem força, mas esperneou e chorou alto durante vários segundos. Pedi para pegá-lo, mas não me deixaram. Pouco ou nada sabia sobre bebés prematuros. Nunca se imagina o tamanho [tinha 24 centímetros], o peso [670 gramas] e o perigo de vida, mas pensei: “Vai para uma incubadora e fica bem.”

O Luís António foi infetado por uma bactéria muito perigosa, começou a ficar com necroses nas extremidades das mãos e dos pés e, no último dia, quando viemos embora, abriu um olhinho e notei-o mais cansado. Acreditei sempre que daria a volta. Em casa, continuei a recolher o leite a cada três horas.

Na manhã seguinte, cheguei à maternidade e a médica levou-me para a sala da enfermeira e disse-me que ele não tinha sobrevivido – vi que a incubadora estava vazia, mas achei que teria sido transferido para outro setor. Estava numa sala envidraçada, com as outras mães de prematuros lá fora, a aperceberem-se de tudo e eu sem querer mostrar o sofrimento e aflição que estava a sentir. São pormenores em que ninguém pensa: não havia um local para dar a notícia da morte de um filho.

Pedi para ver o meu filho, nunca lhe tinha pegado e levaram-nos para outra sala, uma espécie de arrumo com uma janela, prateleiras e caixotes, onde o tive entre as minhas mãos. Foi tudo improvisado e muito à pressa.

Devia haver uma equipa de profissionais especializados para estas situações e um protocolo a respeitar. Culminou com a preparação do funeral e a enfermeira a dizer que a única forma de o vestir seria ir a uma loja de brinquedos e comprar uma roupa de Nenuco. “Vai ficar-lhe grande”, avisou.

Na altura, fiquei em choque, mas, se não me tem dito aquilo, ia a uma loja de roupa de bebé. A mãe do Luís também procurou, mas as roupas que existem são para prematuros de 34 a 36 semanas. Partiu aconchegado numa mantinha feita pela minha sogra. Ninguém imagina como é um bebé que quase nos cabe na palma da mão.

“Não quero fazer disto um negócio”

Pensei logo em tricotar e costurar roupas para estes seres desprotegidos e tão pequeninos, mas faltava-me coragem para pedir ajuda à minha mãe e a outras pessoas. Em setembro do ano passado, soube que a maternidade criou uma equipa de apoio com médica neonatologista, psicóloga, enfermeira e assistente social. Ficámos satisfeitos por, no meio da desgraça, termos despertado consciências para aspetos mais negativos.

Em março, consegui então pedir ajuda à minha mãe, à minha tia e à mãe do Luís e, em maio, doei os primeiros 22 kits de roupa, todos com mantinha, fatinho, gorrinho e sapatinhos feitos com lã antialérgica. Quero que a vida do meu filho tenha tido um propósito.

Entretanto, foi feito um catálogo na Unidade de Neonatologia, e sempre que acontece uma desgraça, dão a oportunidade aos pais de escolher a roupa para o funeral. Também lá deixei gorros e sapatos para os bebés que já podem ter o primeiro contacto “pele com pele” com os pais. Não quero fazer disto um negócio, mas, se outros hospitais tiverem necessidade, estou disponível para doar mais kits.

Tive acompanhamento psicológico. Ouviam o que dizia e ensinaram-me a fazer o luto, ensinaram-me a chorar, a gerir os sentimentos e a viver com a dor. Achava que os outros sofriam mais do que eu, não queria ver ninguém a sofrer e sabia que o Luís sofria em silêncio.

A psicóloga explicou-me que a dor não passa, e isso é normal. Foi um apoio muito importante, porque nós não lidamos bem com a situação. Só recentemente começámos a falar do assunto, e sei que vou tocar num tema que é tabu e deixa os outros desconfortáveis. A morte de um bebé prematuro nunca é vista como a morte de uma pessoa.

Apesar de não conseguir dormir e comer pouco, nunca tomei medicação. Quis sentir, não quis ter uma dor adormecida que, mais tarde, viesse ao de cima. Tive um ano de licença de parto; depois, pedi licença sem vencimento mais um ano e, a seguir, despedi-me, porque tinha de voltar para Portugal, para continuar a fazer mais tratamentos de fertilidade.

Até fazer 50 anos [limite máximo para se fazerem fertilizações em Portugal], daqui a 11 meses, vamos continuar a tentar. Penso novamente que a minha idade continua a ser um risco, mas até que a lei permita vou tentar, com esperança, engravidar. Queremos muito ser pais.
Depoimento recolhido por Sónia Calheiros

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