A página de facebook de músicos brasileiros em Portugal tem 5600 elementos. Claro que a quase totalidade deste grupo é feita de músicos sem obra gravada, que acompanham outros cantores, que tocam em bares e afins ou procuram um espaço para o fazer.
Contudo, o número não deixa de ser impressionante e rima com os mais de 400 mil brasileiros residentes em Portugal (segundo dados de setembro de 2023 havia 393 mil “legais”) de longe a maior comunidade de imigrantes em Portugal (cerca de 35%).
A história musical de Portugal com o Brasil é longa. Dizem mesmo alguns historiadores, como José Ramos Tinhorão, que o tão lisboeta fado teve a sua remota origem numa dança do Brasil.
Amália Rodrigues também passou uma temporada no Rio de Janeiro, ainda numa fase inicial da carreira, para não falar de Carmen Miranda, um dos esplendores da música brasileira, que nasceu em Marco de Canavezes. E diga-se que os grandes escritores de canções brasileiros sempre encontraram portas abertas no nosso mercado.
Aliás, a par das telenovelas, a música foi o que sempre obteve maior adesão popular, não se deparando com a dificuldade encontrada noutras áreas, como a literatura e o cinema.
Fale-se da transversalidade de Roberto Leal, português emigrado no Brasil, com sucesso aquém e além mar, da popular figura de Badaró, que encheu as televisões portuguesas nos anos 80, ou das sucessivas incursões de Eugénia Melo e Castro, que chegou a ter um programa de televisão de intercâmbios musicais, chamado “Atlântico”.
Portugal recebeu bem Vinícius de Moraes, que escreveu para Amália “Saudades do Brasil em Portugal”, mas também Chico Buarque, cujo tema Tanto Mar se tornou um dos hits da revolução
Também nomes como Fafá de Belém (que vive de forma intermitente em Portugal) ou, mais recentemente, Yvete Sangalo, mostram que a música brasileira é um fenómeno de grande aceitação popular.
Os grandes músicos da bossa nova, tropicalismo e outros movimentos fizeram de Portugal uma segunda casa, sobretudo depois do 25 de Abril. Portugal recebeu bem Vinícius de Moraes, que escreveu para Amália “Saudades do Brasil em Portugal”, mas também Chico Buarque, cujo tema Tanto Mar se tornou um dos hits da revolução.
Isto além de Caetano, Bethânia, Gilberto Gil, Edu Lobo, Milton Nascimento, Djavan, Ivan Lins (que vive entre Portugal e o Brasil), Adriana Calcanhotto (que viveu em Coimbra e deu aulas na universidade) ou Arnaldo Antunes, que será o poeta homenageado do próximo Escritaria, de Penafiel.
Para não falar em Gilda Oswaldo Cruz, notável pianista clássica brasileira, há muito radicada em Portugal, com um reportório que muitas vezes inclui compositores portugueses.
Zé Renato, nome importante da música brasileira, fez um disco de fusão entre samba e fado, nos anos 90, e atualmente passa metade do ano em Portugal. Há outros que por cá vivem, como Duda, o guitarrista da lendária banda de rock Legião Urbana, ou Marcelo Camelo, de Los Hermanos, que juntamente com a sua mulher, Mallu Magalhães, criou, já em Portugal, a Banda do Mar.
Nelson Mota, escritor e um dos críticos musicais mais considerados no Brasil, também vive atualmente por aqui. Assim como Antônio Villeroy, compositor muito gravado, autor de uma parte considerável da obra de Ana Carolina.
Entre os músicos brasileiros em Portugal, é importante falar do Couple Coffee, de Luanda Cozetti e Norton Daiello, que há muito vivem em Portugal. Luanda é filha de Alípio de Freitas, destacado militante antifascista em Portugal e no Brasil, e na discografia da sua banda encontra-se, por exemplo, um disco de tributo a Fausto Bordallo Dias.
Também vários elementos agregadores importantes, como o festival de música brasileira Koala ou o Mimo, que tem o Brasil como prato forte, para não falar do Rock in Rio, festival sediado no Rio de Janeiro, com edições com enchentes sucessivas em Lisboa. Isto além das rodas de samba e dos blocos de carnaval que animam a capital e outras cidades.
A ideia mais profunda e agregadora de fusão entre Portugal, Brasil e outras culturas lusófonas é a “Rua das Pretas”. Criada por Pierre Aderne, músico brasileiro residente em Lisboa há 15 anos, junta à mesma mesa samba, fado e mornas, numa espécie de tertúlias musicais, à moda de Vinicius Moraes ou de Amália Rodrigues.
Da equipa da “Rua das Pretas” fazem ou fizeram parte um sem número de brasileiros radicados em Portugal, como Nilson Dourado, Walter Areia, Fred Martins, Diogo Duque, Maria Schaunel, Canequinha, Barbara Rodrix… e por ali passaram tantos outros como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Moacyr Luz. Fernanda Abreu, Paulinho Moska ou Luca Argel. É um espaço que afirma Lisboa como capital da música lusófona.
Dentro os músicos brasileiros em Portugal, há dois tipos diferentes de fenómenos. Alguns já eram músicos reconhecidos no Brasil, quando viajaram para cá. Outros, e isso também os torna interessantes, lançaram-se em Portugal e agora procuram um espaço no extenso e concorrido território brasileiro. São casos como Tainá, Nilson Dourado ou Carlos Cavallini. E há outros que em Portugal consolidaram o seu percurso, como Mallu Magalhães, Leo Middea, Isabella Bretz ou Luca Argel.
Dificilmente os músicos não se deixam influenciar pelo sítio onde vivem. E é por isso que, efetivamente, cidades como Lisboa e o Porto se tornam novos polos de criação transversal. Já houve fenómenos importantes como os Buraka Som Sistema, que sintetizaram a vivência cosmopolita e suburbana da cultura da África lusófona na grande Lisboa.
A imigração massiva de brasileiros, com toda a sua criatividade musical, é obviamente um fator de enriquecimento cultural e de transformação, que torna Portugal e, particularmente Lisboa, um dos mais interessantes portos musicais do mundo.
Neste tema falámos com alguns desses músicos, mas haveria muitos outros com quem falar. Um panorama completo da música brasileira no nosso país já não cabe em meia dúzia de página de jornal.