Longe, o sétimo disco de Pedro Abrunhosa representa mais um capítulo na sua obra de fundo que é criar canções, dominado cada vez mais a escrita e reinventando-se como músico. Co-produziu o disco e gravou no seu próprio estúdio, acompanhado por novos companheiros de estrada, os Comité Caviar.
Neste disco nota-se uma mudança na sua sonoridade. Foi um processo consciente?
Pedro Abrunhosa: Há sempre um lado indomável em qualquer acto criativo, por mais que tentemos dominar a escrita ou a sonoridade acabamos por ser subjugados. Mas ainda bem. Há uma consentaneidade entre as duas coisas. Houve uma vontade de reinvenção mas também uma continuidade da identidade artística. É mais pesado, com muito rock e guitarras. Não sei se se pode classificar dessa forma, o que eu quis claramente fazer foi compor canções. O facto de ter mais guitarras prende-se com a reformação do grupo (Bandemónio para Comité Caviar), que neste momento tem outro instrumental.
O Longe é feito de quê?
É um Longe que remete para paragens que estão dentro de nós mas que vem sempre à tona. Por outro lado também é o universo da estrada, do género Paris Texas, a capa também reporta para esse universo. É um disco que tem a ver com a noção quase literária de disco. Não existe por si só mas enquanto conjunto de canções na sequência de outros discos, um percurso que é simultaneamente um discurso, crescimento e amadurecimento. É por isso que acho que os meus discos se assemelham mais a um livro, a uma obra de fundo.
E de que fala esse livro?
Das experiências de toda a minha vida, das minhas leituras pelo mundo e das minhas viagens pelas pessoas. Uma leitura sociológica e cultural contaminada pelas minhas constantes idas à América.
Numa das canções ouve-se: “sou um gato acossado/dou corda nos sapatos/vou fugir deste fado/Vou mudar de país/a quem é que eu pergunto/qual foi o mal que eu fiz”…
Obviamente que aqui há uma leitura do país mas também das circunstâncias externas. Não podemos deixar de perguntar por que é que Portugal continua liderado por uma elite que nos remete para a mediocridade e para um atraso que começa a ser um pouco aborreciwww. do, para quem produz e quer fazer coisas. A música é um pouco sobre a mexicanização de Portugal.
Está a meses de completar 50 anos. Olhando para o seu percurso musical, o que é que vê?
Não olho para trás, mas se o fizesse seria só para saber o que falta fazer.
E o que falta fazer?
Eu creio que estamos sempre no início, e pobre do autor que não se sinta assim e sempre motivado para a autoria. O autor que fica para trás a contemplar-se está condenado. Eu estou a tentar esquecer o que fiz.
Para esse processo de auto-recriação, rodeia-se de que tipo de influências?
Fui muito marcado pela Nouvelle Vague e pelos cineclubes. Gosto muito do cinema japonês, italiano, espanhol e também de cinema português como por exemplo o Pedro Costa. Sou muito motivado pela escrita de alguns dos nossos autores, Lobo Antunes é uma referência imediata, e pela nova geração, Gonçalo M. Tavares e valter hugo mãe. Eles vão-me espicaçando e surpreendendo. Há muita coisa a acontecer na cultura portuguesa, por vezes de forma subterrânea, e que têm um grande input na minha forma de fazer música.