Já lhe mostraram artigos que ajudam a explicar, cientificamente, a sua atração pela Escandinávia, suas paisagens e culturas. Mas ainda sem saber se tudo se deve à genética (um gene que só há em cidades portuguesas, suecas e japonesas), Cristina Carvalho continua a seguir a sua paixão. Autora de uma vasta obra, em diversos domínios, tem recentemente publicado romances biográficos sobre grandes figuras da cultura europeia e, sem surpresa, escandinava, como Selma Lagerlof, Ingmar Bergman e August Strindberg. Alarga agora a geografia, sem sair das mesmas longitudes, com um novo volume dedicado W. B. Yeats. Como nos anteriores, nestas páginas percorre-se a vida do poeta irlandês, numa primeira pessoa que deriva tanto de uma aturada pesquisa, quanto de uma interpretação pessoal. Em W. B. Yeats seduziu-a o “amante de seres inacreditáveis”, o gosto pelo folclore e a sua “capacidade para perceber a morte”. Nele também encontrou ecos de si própria. Nascida em 1949, Cristina Carvalho estreou-se, em 1989, com Até Já Não É Adeus, a que se seguiram diversos livros infantojuvenis, alguns no Plano Nacional de Leitura, romances e volumes de contos. Entre outros, refira-se Estranhos Casos de Amor, Noturno, O Gato de Uppsala, Lusco-Fusco, Marginal ou Almanaque do Céu e da Terra. Já à venda, numa edição da Relógio d’Água, W. B. Yeats — Onde Vão Morrer os Poetas é lançado amanhã, 26, à 18, na livraria Linha de Sombra, na Cinema Portuguesa, em Lisboa, com apresentação de Frederico Pedreira e leituras de André Gago.
Jornal de Letras: Tem publicado vários romances biográficos. Como escolhe as personalidades que revisita através da ficção?
Cristina Carvalho: A primeira que fiz, com Chopin, foi por mero acaso. Vi uma fotografia sua e não sei explicar o que aconteceu: tive de escrever aquele livro. Mas nestas mais recentes — Selma, Bergman, Strindberg e agora Yeats —, são afinidades sanguíneas, mais do que gostos literários e artísticos. É a relação que estas personalidades, e identidades, estabelecem comigo. São figuras nas quais me posso estender. Ao falar delas, estou também a falar de mim.
O que a interessou particularmente em Yeats?
Primeiramente, a geografia, os sítios, os lugares, toda aquela costa oeste e norte da Irlanda. Apesar de ter nascido em Dublin, a sua família materna era originária dessa região e aí passou grande parte da infância e juventude. É uma paisagem incrível. E quando lá estive, já no âmbito da escrita deste livro, tive a inexplicável sensação de já lá ter estado. Tenho sempre de ter uma ligação forte para poder escrever sobre determinada figura.
Na sequência de biografias romanceadas que tem vindo a publicar, o encontro com Yeats era inevitável?
Sim, estava na lista [risos]. Descobriu-o aos 14 anos, num livro que recebi no meu aniversário. Nunca mais o esqueci. Li-o ao correr dos anos, sempre com o mesmo fascínio.
A ligação de Yeats ao folclore e à cultura celta também a fascinou?
Muito. É, por um lado, surpreendente e, por outro, diferenciador. Na sua poesia, o Yeats fala de espíritos, fantasmas, gnomos, fadas ou bruxas. E mesmo sabendo que nada disso existe, ao caminhar pelas florestas da sua infância percebe-se como ele se deixou seduzir por esse mundo fantasioso, que também me atrai muito. Ao ler a sua obra, as suas paisagens, o que sobre ele se escreveu, procurei oferecer ao leitor um texto que lhe permita compreender melhor quem Yeats foi e por que razão escreveu o que escreveu.
Recorre à primeira pessoa: o romance biográfico é um espaço de liberdade?
Não procuro um relato objetivo, que vários autores fazem muito bem, mas como o vejo, sinto e interpreto. Como digo no livro, “nunca a escolher as palavras, mas sim a aproveitá-las, a todas as palavras e a todas as ideias, tal e qual como me surgem. J