Francisco Duarte Mangas, 50 anos, é jornalista, poeta e autor de uma obra de ficção em que se destacam títulos como Diário de Link (Prémio Carlos de Oliveira), Geografia do Medo (Prémio Eixo Atlântico de Narrativa Galega e Portuguesa e Grande Prémio de Literatura ITF), A Fenda no Cavalo e A Morte do Dali.
JL: Neste livro, regressa a uma realidade que lhe é cara: o meio rural. Para falar de quê?
Francisco Duarte Mangas: De coragem, resistência, luta. É a história de uma avó, que nasce no final do século XIX e vive grande parte do século XX numa aldeia remota, do interior mais profundo, e que é afastada da comunidade por ter tido um filho. Logo no início, há uma cilada em que morrem alguns homens e a história das mulheres que os tentam vingar. Toda a narrativa é contada pela avó e pelo seu neto, que, por um lado, ouve as suas histórias e, por outro, conta a sua ‘versão’ do que ouviu. No entanto, esta é uma história de mistério. O passado da avó é como um baú de onde retira apenas aquilo que quer contar, permanecendo escondidas coisas que o neto tentará descobrir, como quem é o seu avô ou a história da rapariga dos lábios azuis.
O tema da memória parece-me, aqui, pertinente…
Sem dúvida. Quis pôr-me no papel de alguém que é segregado, no princípio do século XX, e consegue resistir, ser mais forte do que aqueles que o quiseram marginalizar. Esta ‘avó coragem’ consegue-o pela força das palavras, essa “dócil matilha em meu redor”, como diz, e é através delas que vai transmitir a sua história de luta ao neto. Creio que, atualmente, vivemos sem memória ou com memória muito curta, e é preciso pensar no passado, na matéria anterior, antiga, que marcou outro tempo e outras pessoas, de forma a podermos resistir a um mundo que está a ficar todo igual.
Nasceu e cresceu em Rossas, Vieira do Minho, um meio rural. Há um lado biográfico neste romance?
Sim. Inspirei-me na minha infância e na figura da minha avó, embora apenas como ponto de partida para reinventar esta história. De resto, vivo em Vila do Conde, numa casa com um enorme quintal em que trabalho a terra e faço enxertos de árvores, e que é uma das minhas fontes de alegria. No livro, há a personagem do bisavô, que é jardineiro e cria, por enxertia, uma camélia toda branca com uma mácula de ‘sangue’, através da qual o neto descobre a história enigmática da avó. E esta avó também fala muito das árvores, diz ao neto que são como os homens, embora não andem. Creio que a proximidade do homem com a terra, presente nos meus livros, é fundamental para a felicidade do ser humano.
Qual a relação entre a sua escrita literária e o jornalismo?
É importante o trabalho de jornalista, de sair, estar constantemente em contacto com pessoas, histórias e memórias; mas não há uma relação direta. Ajuda-me a dar um ritmo mais rápido à escrita, e há histórias que colhi do jornalismo e depois passei para os livros.