A primeira vista surge em pleno e espanto. A ideia emerge de um desconhecimento reconhecido diante de uma nova paisagem afirmada, sem que nunca tivesse sido. Encantada visão, é verso e nunca contradição. Apenas de imposto e sustentado pelas ideias pressupostas, sobrepostas.
As ausências encontradas remontam aos tempos da ingratidão, existentes por ignorância e verosimilhança, num mundo só de espelhos, sem infinito nem horizonte. A Ruy Duarte de Carvalho (RDC) deve-se a leitura da origem.
Nascido em Santarém, RDC (1941-2010), é angolano desde 1983. Filho de portugueses imigrantes em Angola, passa a infância e a adolescência no sul do país africano, tendo acompanhado o pai, nas suas itinerâncias pelo deserto do Namibe.
Regente agrícola, é também criador de ovelhas caracul. Mais tarde, estuda cinema em Londres e Ciências Sociais em Paris, onde obtém o diploma na École dês Hautes Études en Sciences Sociales na Sourbonne, com o filme Nelisita, obra maior do cinema do universo de língua portuguesa.
A obra literária e cinematográfica de RDC acompanha a sua carreira académica. Para o autor, escrever com imagens seria, à época, método essencial para o registo da(s) identidade(s) angolana(s). O seu percurso académico estabelece as premissas teóricas e estéticas do seu cinema. Morre em Swakopmund, Namíbia em 2010.
Angola é o seu espaço ancestral, geográfico, social, político e cultural onde se desenvolve o trabalho de RDC. É num contexto fortemente politizado pela afirmação da independência de Angola, que o autor inicia o seu percurso cinematográfico. Numa constante discussão as obras de RDC afirmam o seu compromisso identitário por um país.
A utopia ética e estética na obra de Ruy Duarte Carvalho recria o pensamento original africano, nessa constante e silenciosa ‘presença/resistência’
Que ética e estética, própria e particular, se apresenta na sua obra? Que identidade(s) africanas e/ou angolana(s) se (re)inventa(m) e representam no seu cinema? Que cinema se filma, na urgência do registo/memória e na ação/a(r)tivista necessária para a criação de um imagem-nário de futuro?
A utopia ética e estética na obra de RDC recria o pensamento original africano, nessa constante e silenciosa “presença/resistência”. Devolve ao mundo um pensamento ontológico, que é mais do que uma criação de um autor angolano, de mera performance artística, enclausurada numa geografia específica.
Em intervenção ativa e ativista, na (re)invenção de uma matriz de representação intemporal, em resistência e sobrevivência das sociedades colonizadas no Passado e discriminadas no Presente, com a urgência de pronunciarem Futuro.
A obra de RDC é um dos grandes contributos para o processo histórico, ontológico e filosófico em África, que mais produz conceito e originalidade do que é ser africano em pós-colonialidade, a partir de uma construção identitária em permanente mutação.
Se, como dizia RDC, as determinações do destino quiseram que a sua língua materna fosse a portuguesa, fez dela, o seu principal instrumento de trabalho, apesar de ser em paisagens distantes e diferentes das que criam essa mesma língua, transportadora de usos e costumes diferentes dos seus que são africanos e, ao mesmo tempo, desveladora dos seus lugares africanos.
Tal paralelismo pode ser feito em relação à sua obra, pois o que faz é “usar” esse “olho” ocidental, essa mecânica reprodutora de um novo imagem-nário, para revelar as suas paisagens de fronteira, da forma de dizer, para o que é dito.
Em entrevista à RTP (2008) perguntado por que razão estava zangado com o cinema, Ruy Duarte de Carvalho respondeu: “Eu sempre faço cinema, só não uso máquina de filmar.”
Em 2024, prometi a RDC escrever um trabalho académico sobre a sua obra. Chorei, por ter morrido. Ainda vou a tempo?