A par da música, também o mundo das artes plásticas em Portugal tem sentido um incremento da presença brasileira. Certo, a cena artística institucional do nosso país tem ainda um longo caminho a trilhar, mas o cenário tem-se vindo a transformar aos poucos, atraindo, cada vez mais, a atenção de artistas, galeristas e programadores culturais vindos do Brasil.
De exposições em grandes instituições até artistas brasileiros em residências artísticas promovidas por diversas galerias portuguesas, passando por escritórios de galerias brasileiras a abrir em Portugal, as iniciativas desdobram-se.
Será porventura culpa de uma relação que “é óbvia e dura há séculos”, catalisadora de uma “troca natural, que até poderia ser mais intensa, pela natureza da língua e da conexão dos dois países”, na opinião da portuguesa Maria Ana Pimenta (MAP), diretora internacional da Fortes D’Aloia & Gabriel, uma das maiores galerias de arte do Brasil, que abriu um escritório em Lisboa há cinco anos.
Não sendo uma galeria com programação ao longo do ano, MAP assegura que o espaço, recentemente relocalizado na Rua do Machadinho, pode acolher projetos pontuais que aconteçam de forma orgânica.
“Se algum dos nossos artistas estiver a expor em Portugal, em residência artística aqui, se houver um motivo para fazer um cabinet ou uma mostra de duas ou três peças específicas, uma conversa ou alguma ação, o escritório presta-se a isso e é algo que queremos fazer”, diz.
“Há cada vez mais brasileiros a viver em Portugal, que são engajados no nosso programa, que nos conhecem e que apoiam o programa da galeria”, revela ainda a diretora internacional da Fortes D’Aloia & Gabriel, sublinhando que não há dúvida que “seja pela conexão existente entre os dois países, seja pelo momento que Portugal está a passar, existe uma tração e um interesse muito maior do que havia”.
No caso da Fortes D’Aloia & Gabriel, o interesse chegou mesmo às grandes instituições, com o MAAT a expor na sua galeria principal o Nosso Barco Tambor Terra do carioca Ernesto Neto, instalação que pode ser visitada até ao dia 7 de outubro.
Além disso, pelo quarto ano consecutivo, nos meses de julho e agosto, a galeria abre um polo na Casa da Cultura da Comporta, trazendo este ano para a terra dos arrozais Stirring The Pot, exposição coletiva organizada em parceria com a galeria brasileira Nara Roesler, com a curadoria de Nancy Dantas, que apresenta obras de Alberto Pitta, Efrain Almeida, Igshaan Adams, Leonardo Drew e Marina Rheingantz.
A poucos metros, inaugurou-se também, pela primeira vez este ano, uma extensão da KubikGallery, galeria portuense fundada em 2010, que, desde 2015, ano em que abriu um escritório em São Paulo, conta com um vasto número de artistas brasileiros entre os nomes que representa.
O fundador, João Azinheiro (JA), rumou ao outro lado do Atlântico em busca de experiência e novos artistas. À semelhança daquilo que a Fortes D’Aloia & Gabriel faz, atualmente, na Comporta, em 2018 a KubikGallery associou-se a Luísa Strina, galerista histórica do Brasil, para apresentar, em São Paulo, duas exposições que contaram com trabalho de artistas portugueses e brasileiros.
“Comecei a fazer a ponte, porque achei que tínhamos uma potencialidade enorme do ponto de vista linguístico e cultural, à semelhança do que acontece com Espanha, que sempre apostou em trabalhar muito com artistas da América Latina”, conta JA.
Apesar de, segundo o galerista, Portugal ter ainda poucos colecionadores “que depois seguem a carreira do artista brasileiro”, sendo brasileira a maior parte dos compradores de arte brasileira, tanto JA como MAP consideram que, hoje em dia, o interesse no nosso país por parte dos próprios artistas também aumentou. “Portugal é um país que os artistas têm curiosidade em conhecer, nele expor e estar, que é sentido e desperta interesse”, comenta MAP.
“Há cada vez mais galerias a querer chegar à Europa, que veem em Lisboa uma porta de entrada, devido ao recente mercado mais aberto, internacional, com galerias, com mais espaço para ter uma crítica e público com poder económico”, acrescenta Azinheiro, que a 3 de outubro abrirá outro polo da KubikGallery, em Lisboa, o qual contará com a curadoria dos brasileiros Luisa Duarte e Bernardo José de Souza.
De facto, só entre 2023 e 2024, Lisboa recebeu Marcela Cantuária e Panmela Castro, duas importantes artistas brasileiras, convidadas, respetivamente, pela Insofar e pela Galeria Francisco Fino para realizarem residências artísticas na capital, das quais resultaram as exposições Bestiário e Do Jardim, Um Oceano.
Em 2017, a KubikGallery convidara também a paulista Leda Catunda para uma residência de mais de um mês, no Porto, que resultou na exposição Sexo e Romance.
A porta de entrada para a Europa (e o resto do mundo), que Azinheiro refere, foi precisamente o que Bebel Moraes (BM) e Daniel Mattar (DM) procuraram quando, em 2018, trocaram o Rio de Janeiro por Lisboa para abrir a Brisa Galeria, que explora a multidisciplinaridade entre fotografia, pintura, escultura e performance através de exposições com artistas contemporâneos e curadores convidados.
“Lisboa já estava efervescente, mas após a pandemia o interesse pela cidade aumentou e a arte, de uma forma geral, ganha com isso. É uma grande possibilidade de comunicar e apresentar a galeria para um público maior e de diversas nacionalidades”, afirma BM.
Apesar de a Brisa Galeria representar apenas artistas brasileiros, a galerista sublinha não ter sido “um posicionamento” propositado. “Aconteceu de forma natural, por sermos uma referência para artistas brasileiros”. Desde 2018, a galeria contou com 20 exposições, quatro por ano, estando marcada para setembro a primeira coletiva, com curadoria do português João Silvério.
Por fim, também os museus e instituições culturais de maior envergadura têm contemplado, na sua programação, nomes basilares da arte brasileira.
Se em 2023, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães apresentava Interminável, de Artur Barrio, figura que ocupa um lugar central na história da arte brasileira, em 2025, a Fundação Calouste Gulbenkian inaugura uma mostra que põe em diálogo o trabalho de Adriana Varejão e Paula Rego.
Exposições mencionadas no artigo:
Nosso Barco Tambor Terra – Ernesto Neto > maat > qua-seg 10h-19h > até 7 out
Stirring The Pot – exposição coletiva > Fortes D’Aloia & Gabriel na Casa da Cultura da Comporta > ter-dom 11h-14h e17h-20h > até 31 ago
Kubik Comporta Coletiva – exposição coletiva > KubikGallery no Espaço Museológico Museu do Arroz > ter-dom 10h-13h e 17h-21h > até 31 ago