Ao longo da íngreme escadaria, a população acena aos marinheiros que trazem víveres frescos. O ambiente é de festa. As senhoras trazem os seus melhores vestidos. Todos celebram a ocasião, mesmo os mais pobres e esfarrapados parecem felizes. As crianças sorriem.
Subitamente, ouvem-se tiros. Uma mulher é tomada pelo espanto. Todos os outros se apercebem do perigo e entram em pânico. Descem apressadamente a escadaria. Os aleijados, as crianças, a donzela com a sombrinha. Alguns usam os corredores laterais em terra batida. Em cada rosto o medo, a incompreensão. Finalmente olhamos do topo e vamos percebendo o que se passa. Um batalhão de homens armados, vestidos a rigor, de farda e chapéu branco, empunham baionetas e disparam sobre a população. Todos correm o mais depressa que conseguem. As escadas parecem não ter fim. Há um homem que cai em movimento lento, os joelhos custam a sucumbir, mas finalmente padece. Logo a seguir, outro. Uma criança, talvez de 11 ou 12 anos, vestida com uns calções e suspensórios, trava a sua marcha e senta-se entre aqueles corpos, como quem desiste da fuga e se resigna . Todos os outros continuam a correr. Há um homem que se atravessa, quase em contra-mão, talvez esteja à procura de alguém, talvez lhe ocorra enfrentar os agressores.
A correria continua. Os soldados são muitos. As escadas também. Enquanto correm, os homens olham para trás, tentando perceber a proximidade das armas. Um grupo de três mulheres tenta esconder-se. No rosto dela vemos o medo, o choro, a angústia. Um homem velho, de óculos, está caído do chão, eventualmente desosorientado, vê a multidão a passar.
Uma mulher, com uma cesta de fruta, corre lado a lado com o seu filho. A criança é atingida por uma bala e cai. Chora e grita, manchada de sangue. A mãe de início não se apercebe, mas ao ouvir o barulho vira-se para trás e descobre o filho, de sete ou oito anos, estendido no solo. Grita, leva as mãos à cabeça. A multidão, em pânico, passa por cima do corpo da criança. Pisam-lhe os braços, as pernas. Há cada vez mais gente. A mãe finalmente chega ao corpo. Não sabemos se está vivo ou morto. Pega-o em braços. Ergue a cabeça e encara os assassinos. Começa a subir a escadaria. Assistindo à cena, uma mulher mais velha diz: “Vamos, vamos falar come eles!” Todos à sua volta continuam amedrontados, agachados. Mas aos poucos vão-se levantando. A mulher, com o filho nos braços, continua determinada a escalada. Os outros vêm atrás. Os soldados, com as baionetas eretas, prosseguem a sua marcha, impecavelmente alinhados, sempre ao mesmo ritmo, como se de máquinas se tratassem. A mulher, sempre com o filho em braços, aproxima-se cada vez mais. Pede: “Não disparem!” Está sozinha no plano. Insiste: “O meu filho está muito mal.” Os soldados param, apontam as armas e acertam na indefesa, que tomba no chão com o corpo do seu filho por cima.
A mortandade continua. Uma outra mulher, vestida de negro, desce a escadaria com um carrinho de bebé. As balas dos soldados atingem-na no ventre. Ela lentamente cai. Ao tombar, o seu corpo embate no carrinho que desce as escadas num movimento imparável. Na cara de uma outra mulher vemos o pânico. O carrinho desce em velocidade descontrolada. A cara da mulher está manchada de sangue.