Já aqui contei da coincidência de, na sexta-feira à noite, termos estacionado num parque de campismo ao lado do sr. AutoCaravana, uma das pessoas que, no início deste projeto, se insurgiu contra o facto de usarmos a palavra “caravana”, e não “autocaravana”. A sua mulher, Encarnação, é presidente do Touring Club de Autocaravanismo e dos co-pilotos.
Para discutirmos a questão, convidaram-nos para tomar o pequeno-almoço na sua autocaravana. A inscrição “hotel de cinco estrelas”, ao lado da porta da sua autocaravana, é mesmo verdadeira (e a palavra ‘completo’ também). Ofereceram-nos uma refeição VIP: dois tipos de pão cozidos na autocaravana durante a noite, café e chá acabados de fazer, compota, sumo de laranja. Senti-me como Jacinto de “A Cidade e as Serras”. Requinte, bom-gosto, espaço, conforto.
O parque de campismo onde estávamos estacionados não era um bom cenário para as fotografias exteriores, pensámos nós. E pedimos-lhes para zarparem Serra do Montejunto acima connosco, em direcção à paisagem e ao fresco. Encontrámos a paisagem, mas nem por isso o fresco. E demos de caras com centenas de piqueniqueiros que domingo não foram à praia.
E o dia que começou com um pequeno-almoço de luxo terminou com a Lucília a escolher grelos em Castanheira do Ribatejo. Com tanto por explorar na Serra de Montejunto, acabámos por chegar quase ao final de um dos mercados de origem abastecedores de Lisboa, em Castanheira do Ribatejo.
Entre as 9 da noite e a meia-noite, no parque de estacionamento da União de Cooperativas Agrícolas do Ribatejo e Oeste, produtores estacionam camionetas carregadas daquilo que produzem e vendem a quem quiser.
Valder Madeira arrumava o que lhe restara da venda da noite, enquanto a mulher recebia de uma senhora loira e de um senhor bem parecido de cabelo grisalho. Eles compram ali para venderem porta a porta na zona de Arranhó, Arruda dos Vinhos. Ainda há coisas destas às portas de Lisboa.
“Olhe, quem é bom para falar consigo é este senhor”, diz Valder Madeira. E aponta para um homem mais velho, pele tisnada do Sol e marcada pela idade, cabelo grisalho encaracolado. “Sabe, por cada pequeno comerciante que fecha em Lisboa é mais um lugar que fica aqui vago. Este mercado já teve o dobro do tamanho”, conta. Ele é da zona de Alcobaça e está na agricultura há 30 anos. Começou com um canteiro de alfaces que a mulher ia vender à praça, hoje tem cinco pessoas a trabalhar consigo. “Só lhe digo uma coisa: o problema é que as pessoas não sabem comer nem cozinhar, compram tudo feito.”