Em tempos de contenção, que medidas poderiam ser colocadas em prática para equilibrar o muito desajustado mercado da habitação? Para Patrícia Santos, CEO da imobiliária Zome, a solução tem de ir muito além da desburocratização nos processos de licenciamento e passa também por uma aposta séria em construção modular em fábrica a partir de materiais tradicionais como o betão de forma a que os edifícios possam ser construídos mais rapidamente e a preços mais baixos. A responsável defende também o regresso do crédito jovem e contesta o argumento fácil de quem defende a extinção dos vistos Gold. “Não me parece que a solução seja fechar as portas, bem pelo contrário, devemos é continuar a incentivar essas pessoas a investir em Portugal. O que falta mesmo é arranjar soluções viáveis para os portugueses”, referiu em entrevista à VISÃO Imobiliário. A Zome, recorde-se, conquistou em 2022, e pelo quarto ano consecutivo, o prémio de Melhor Empresa Para Trabalhar no setor imobiliário pela revista Exame. Fundada em 2019, a rede com capital 100% nacional, conta atualmente com 1.500 consultores distribuídos por 34 hubs em Portugal e Espanha.

O aumento das taxas Euribor está a assustar as pessoas que querem comprar casa? Já nota mais contenção?
Todas as notícias que têm saído nos media preocupam, de facto, as pessoas e por isso o processo de decisão é atualmente mais longo. As pessoas precisam de sentir mais confiança e ter mais informação mas é apenas isso, não sentimos qualquer queda. Obviamente que a subida das taxas de juro é uma situação preocupante e temos de olhar para ela mas quando analisamos os factos percebemos que a realidade do crédito à habitação hoje,com as medidas macro-prudenciais que foram impostas, as taxas de esforço exigidas a quem pede crédito, nada disso tem a ver com a situação de outros tempos.
Basta lembrar a crise de 2011 e percebemos que estamos num cenário totalmente distinto, não estamos numa crise financeira…
Portanto não é previsível uma quebra nos preços das casas?
Uma queda de preços elevada só poderia acontecer se existisse muito produto a entrar e uma quebra muito grande na procura. Já na pandemia se previu que pudesse ocorrer uma descida de preços e isso não aconteceu. Também não se prevê uma entrada grande de imóveis por incumprimento tal como aconteceu em 2011. Aliás, o incumprimento dos créditos habitação em Portugal está nos níveis mais baixos dos últimos 24 anos! A verdade é que se ouvem as notícias do aumento da taxa de juro e dos riscos de incumprimento mas quando se analisam os dados efetivos, percebe-se que as taxas de incumprimento até têm vindo a baixar… O rácio de empréstimos vencidos tem vindo a diminuir, tendo em setembro e outubro de 2022 atingido os valores mais baixos dos últimos anos, segundo os dados do Banco de Portugal.
Além disso, é preciso não esquecer que estamos num cenário em que a taxa de desemprego em Portugal é muito baixa. Há por isso um mix de fatores que permite dizer que não se prevê uma quebra muito grande no lado da procura… Mas isto em termos gerais o que não quer dizer que em certas zonas do país não possa vir a acontecer. Mas nos centros das grandes cidades acredito que a habitação vai continuar a valorizar ainda que de uma forma mais ténue.
Mas a atual situação acaba por penalizar muito as famílias jovens que moram nas duas principais cidades do país onde os preços da habitação estão mais aquecidos. Sentem este segmento particularmente prejudicado com o atual cenário?
Os jovens só conseguem comprar casa com a ajuda dos pais para assegurar a entrada inicial a pronto ou optam por imóveis com valor mais baixo nas periferias das cidades.
Fala-se muito da falta de produto mas o que acontece realmente é que existe uma inadequação do produto existente para aquilo que é a capacidade financeira das pessoas em Portugal. E o grande desafio é o produto para os jovens. Se olharmos para o índice de preços na habitação percebemos que só em 2022 aumentou 16% em comparação com o ano anterior e se essa comparação for feita em relação a 2019 o aumento foi de 37% nos preços… Portanto, para os jovens que estão agora a começar a sua vida, quer por questões de salários, quer porque não estão efetivos, torna-se muito complicado…
Se recuarmos duas décadas vemos que nessa altura existiam soluções para os jovens, como por exemplo o crédito bonificado, que realmente ajudaram muito quem estava a começar a sua vida. E é isso que falta – soluções financeiras próprias para os jovens porque a realidade é que não se vai conseguir fazer aparecer mais produto imobiliário assim, de repente…
Mas uma das coisas que eu espero que fique resolvida em 2023 é o Simplex da habitação porque esse tem sido o grande drama… Quem quer construir não consegue de forma ágil porque todo o processo burocrático é enfadonho… E também é preciso que exista aqui um grande incentivo por parte do governo para a parte da construção sustentável.
A que nível?
Quando se fala em construção sustentável não se trata só da construção amiga do ambiente. É preciso repensar os métodos construtivos para que a construção seja mais acessível também. Porque é isso que vai permitir construir produto que seja adequado à procura. É preciso mudar totalmente a metodologia de construção, industrializando esse processo construtivo o que permite não só reduzir os custos como resolver o problema da mão-de-obra pois facilita toda a forma de recrutamento.
As pessoas deixam de trabalhar em obra muitas vezes porque é um ambiente hostil, porque têm de trabalhar a largos quilómetros de casa, etc. Mas se a construção for feita de forma industrializada (a construção off-site), feita em ambiente fabril, é totalmente diferente. Quem já trabalha desta forma no setor diz-me que não tem dificuldade nenhuma em recrutar porque é um ambiente totalmente diferente para trabalhar. A construção feita em fábrica até tem mulheres a trabalhar e pessoas com idade mais avançada que em ambiente de obra não conseguiriam pois não teriam condições físicas para o fazer. A industrialização na construção permite custos muito mais controlados a todos os níveis, incluindo também a compra de material que pode ser feita com muita antecedência. Há um prédio a ser construído em Guimarães, da Casais, feito desta forma e o tempo de construção está a ser muito mais rápido, com preços muito mais interessantes. Falar de sustentabilidade não é só falar de edifícios amigos de ambiente.
Ou seja, mais incentivos para esta área…
Sim, é por isso que eu digo que é preciso existir incentivo por parte do Governo para as empresas que estão a desenvolver produto neste tipo de metodologia. Há ainda poucos exemplos como é o caso da construtora Casais. São precisos muitos mais. As empresas não podem estar sozinhas nisto. Basta olhar para os países nórdicos ou para Espanha. Nós ainda estamos na cauda da Europa apesar de existir aqui um potencial incrível.
Mas é preciso que nesta área exista um esforço conjunto com o Estado, até para dar credibilidade. Existe ainda uma desconfiança muito grande deste tipo de construção modular e não faz sentido. Bem pelo contrário. A qualidade deste tipo de construção acaba por ser muito superior porque tudo é testado em fábrica. O módulo da casa-de-banho que é construído em fabrica, por exemplo, tem todos os seus materiais testados, dos sanitários à tubagem. Já para não falar do que se poupa em desperdícios de material de obra, é abissal…
Como vê a possibilidade de extinção, já colocada pelo Governo, dos vistos Gold?
Segundo dados do INE apenas 11,7% das transações imobiliárias realizadas no país foram efetuadas por não residentes, portanto, pergunto – será solução fechar as portas aos estrangeiros? Portugal precisa de desenvolver a sua economia, será então esta uma boa medida? Portugal tem feito um excelente trabalho na área do turismo e no posicionamento e é por isso que estamos atrair tantas pessoas que aqui investem e ajudam a desenvolver o país. Não me parece que a solução seja fechar as portas, bem pelo contrário, devemos é continuar a incentivar essas pessoas a investir em Portugal. O que falta mesmo é arranjar soluções viáveis para os portugueses.