Poucos meses antes do 25 de Abril, a elite liberal portuguesa reuniu-se em Lisboa para discutir a situação política do País. Nesse Encontro dos Liberais, assim chamado por ter sido organizado pelos deputados da Ala Liberal, Magalhães Mota e Tomás Oliveira Dias, e tido como participantes Francisco Balsemão, Marcelo Rebelo de Sousa e Maria de Lourdes Pintasilgo, emitiram um forte sinal do seu desencanto com o marcelismo, dando assim um contributo para a queda da ditadura. No âmbito das comemorações do meio século do 25 de Abril, vai ser lançada, no próximo dia 27, uma coletânea de ensaios coordenada pelo historiador António Araújo, intitulada Encontro dos Liberais, 1973: 50 Anos Depois. Nesta entrevista, António Araújo, o curador da obra, caracteriza o ambiente político e social desse tempo e descreve a Ala Liberal como uma “terceira força” ou uma “oposição semilegal” ao regime. A conversa estendeu-se a outros domínios, com Araújo a mostrar-se muito crítico da historiografia que, à esquerda, tenta “romantizar o PREC como um período de grandes conquistas”, porque, à direita, há também quem queira “erguer o 25 de Novembro como um anti-25 de Abril”.
O que este livro nos ensina sobre a Ala Liberal, um movimento que não era muito organizado nem unânime nas suas posições?
O Encontro dos Liberais tem lugar em 1973, um ano marcado por muitos acontecimentos. Logo no início, a Vigília da Capela do Rato provoca a renúncia ao mandato parlamentar de Francisco Sá Carneiro e de Miller Guerra, duas figuras tratadas neste livro. Depois, é revelado o caso [do massacre] de Wiriamu, continua a intensificar-se a luta armada, realiza-se o III Congresso da Oposição Democrática em Aveiro, são marcadas eleições legislativas para outubro e as forças da oposição, nomeadamente a CEUD, afeta ao PS, e a CDE, mais próxima do PCP e do MDP/CDE, procuram posicionar-se politicamente. O Encontro dos Liberais acontece em finais de julho e, de certa forma, tem como objetivo definir se os liberais, perante o desencanto com a Primavera Marcelista, deviam ou não ir a eleições. Todos estes acontecimentos são indícios do fim do regime, que já nem podia contar com quem tinha contado desde a primeira hora. Falamos dos deputados liberais, mas também dos tecnocratas, como João Salgueiro e outros, que entretanto tinham saído do governo. O que é curioso, no documento saído do Encontro dos Liberais [publicado no livro], é que nele se aborda a questão do Ultramar e faz-se uma crítica forte à Guerra Colonial, mas não tem uma posição favorável às independências ou às autodeterminações. De qualquer forma, não deixa de referir o ponto do Ultramar, que era o nó górdio do regime.