“O paradoxo da meritocracia indica como as práticas, que enfatizam muito mais o mérito e o desempenho, podem acabar por desencadear preconceitos”

“O paradoxo da meritocracia indica como as práticas, que enfatizam muito mais o mérito e o desempenho, podem acabar por desencadear preconceitos”

​Se estivermos inseridos numa organização centrada em medir o mérito, não há forma de existir preconceitos a distorcer os processos de recrutamento e de promoções, certo? A resposta não é assim tão linear, já que o enfoque no desempenho pode acabar por libertar os vieses de quem toma as decisões. Emilio Castilla chama a este fenómeno o “paradoxo da meritocracia” e explica à VISÃO o que deve ser feito para se evitar essas distorções de julgamento nas organizações. O diretor académico do programa de imersão no MIT Sloan School of Management do Lisbon MBA reflete também sobre o papel das escolas de negócios na formação de líderes e defende que as teorias assentes em modelos de minimização de custos estão obsoletas.

A meritocracia no local de trabalho está implementada de forma generalizada ou ainda é um mito?
Um dos assuntos que tenho abordado [na minha investigação] é a meritocracia no local de trabalho. Acho que, de forma mais alargada, isso tem muito que ver com sistemas de gestão de talento, com o querer contratar os melhores, promover os mais qualificados e reter o talento de topo. Muita desta nova linguagem, que usamos nas empresas que querem manter-se competitivas, é um sinal de meritocracia, apesar de poder estar um pouco disfarçado. Talvez muitos empregadores não digam que é uma meritocracia, mas há muitos objetivos meritocráticos nas organizações que querem ser bem-sucedidas, porque pretendem atrair, reter e promover os melhores. Foi por isso que fiquei bastante obcecado em investigar o conceito e a implementação da meritocracia no local de trabalho.

Imagino que seja bastante difícil medir a meritocracia. Como uma organização faz essa medição?
Não é simples dizer se as organizações são ou não meritocráticas. Isso requer olhar para dois aspetos. O primeiro é verificar se se está a dar uma oportunidade a toda a gente, independentemente das suas características demográficas, da classe social ou de traços bastante pessoais, mas que não estão relacionados, como o local de trabalho ou a nacionalidade, por exemplo. O segundo é se as pessoas, após terem uma oportunidade igual, serão promovidas e premiadas com base apenas no mérito e no talento. Estas duas condições podem ser um exemplo dos diferentes aspetos que temos de medir para verificar se existe uma verdadeira meritocracia.

Em algumas funções, pode ser mais fácil medir o desempenho de forma objetiva, através, por exemplo, do número de produtos concluídos ou das vendas. Mas há atividades com características mais subjetivas. Nestas também é possível medir o mérito com critérios objetivos?
O conceito de mérito pode ser muito subjetivo e pode haver trabalhos muito concretos na forma de medir o mérito, enquanto outros podem ser muito subjetivos. Uma das propostas que faço, quando converso com as empresas, passa por explicar que é muito importante chegar a uma definição de quais os critérios relevantes para o desempenho em determinada função. O problema na implementação da meritocracia é que as pessoas aplicam diferentes standards e, por vezes, descobrimos que até aquelas que imaginaríamos que definiriam o mérito da mesma maneira – porque estamos a avaliar a mesma função, com o mesmo enquadramento profissional e a trabalhar para a mesma empresa – fazem-no de forma muito diferente. Assim, não se deve partir do pressuposto de que todos irão aplicar iguais standards, ainda que se esteja a avaliar uma pessoa no mesmo trabalho e na mesma empresa. Uma das implicações práticas, para se promover de forma séria a meritocracia no local de trabalho, passa por necessariamente conversar sobre o que é de facto importante e relevante e se todos concordam com os critérios e a sua utilização.

Mas acaba por ser difícil superar os vieses…
Sim, é difícil. Sem se ter uma definição concreta, obviamente que vai haver vieses do que se estará a considerar. Mesmo se dissermos a alguém que determinadas variáveis são muito importantes, há sempre o risco de se introduzir vieses. É por isso que gosto de dizer que o design da implementação da meritocracia e das práticas baseadas no mérito é muito difícil e desafiante; requer esforço e processos para se assegurar que não há espaço para vieses.

As empresas estão a fazer um bom trabalho nesse ponto?
Há mais trabalho a fazer, particularmente em algumas partes do mundo. Nos EUA, há, atualmente, muita pressão para se tentar remover os vieses e o racismo estrutural de muitas das práticas de recrutamento. Penso que há algumas empresas que estão a fazer esforços sérios na remoção de alguns destes aspetos. É o caso de muitas start-ups e de empresas de software, que estão a introduzir modelos de análise para tentarem remover os vieses do processo de decisão relacionado com o recrutamento. Tenho um projeto de investigação com uma empresa de software, que consiste em relembrar as pessoas que tomam as decisões de recrutamento de que devem usar uma linguagem mais neutral para não mostrarem nenhum tipo de preferência por algum candidato ou por alguma característica demográfica. Os meus projetos têm estado relacionados com a questão de até que ponto a meritocracia pode, paradoxalmente, introduzir vieses no local de trabalho, se não for implementada de forma apropriada. Um dos meus artigos científicos, chamado O Paradoxo da Meritocracia, indica como, por vezes, estas práticas que enfatizam muito mais o mérito e o desempenho podem desencadear preconceitos, em particular em alguns grupos. Fizemos uma experiência com gestores selecionados aleatoriamente, em que estes tinham de distribuir bónus baseados no desempenho do empregado. Havia dois funcionários equivalentes – a Patrícia e o Michael – e um terceiro perfil, para que a decisão não fosse demasiado óbvia. Aqueles dois candidatos tinham a mesma avaliação de desempenho e, quando se enfatiza que este é um bónus justo e baseado no mérito, as mulheres que tinham um desempenho ao mesmo nível do que os homens tiveram bónus mais baixos. Foi por esta razão que acabámos por chamar a isso o “paradoxo da meritocracia” – simplesmente porque sentimos o seguinte: “Se trabalhamos numa organização baseada no mérito, como é possível que existam vieses?” E isso liberta os preconceitos que temos, devido a essa ênfase no mérito.

Atualmente, estamos todos ligados através do LinkedIn. Mas qual é o valor disso se nunca nos encontrámos e se a ligação resultou de um pedido aleatório?

Ao nível nacional, e penso também ao nível global, as mulheres têm mais dificuldades do que os homens em serem promovidas para administrações e comissões executivas das empresas. Em Portugal, foi adotada uma lei de quotas para tentar resolver o problema. Estas políticas são positivas?
Políticas como a que referiu são importantes, porque ajudam a mudar e a resolver os problemas de algumas empresas e de alguns grupos em específico, como as mulheres ou, noutros casos, as minorias étnicas que não conseguem chegar ao topo. Mas, como acontece com qualquer prática, também esta pode ter consequências indesejadas que precisam de ser mitigadas. Um dos possíveis problemas é que pode criar-se a perceção, em algumas pessoas que tendem a ter preconceitos, de que as mulheres promovidas a esses cargos não serão qualificadas para os desempenhar. E este é um dos exemplos de como essas medidas podem ter o efeito oposto. Algumas destas políticas são positivas, mas precisam de reforçar o seu propósito, para que não tenham consequências indesejadas.

Outro dos pontos que tem investigado é a importância do capital social e das referências dadas pelos próprios empregados em processos de recrutamento. Isso não pode ser também uma forma de validar vieses nesses processos?
Comecei a investigar como o capital social pode ajudar as organizações a encontrar melhor talento. Todos fazemos o nosso currículo e concorremos a empregos, mas, algumas vezes, o problema com que algumas organizações deparam é que o que está incluído no currículo pode não ser reflexo do desempenho, especialmente em organizações que gastam muito dinheiro para encontrar os talentos mais adequados. Nessa perspetiva, o programa de referências incentiva os empregados dentro das empresas a recomendarem alguém, usando o seu capital social. Mas, em muitas empresas, isso não implica que se elimine o processo de seleção, porque assim acabar-se-ia por contratar alguém que não é qualificado. O capital social, como mais um elemento da organização de processos de recrutamento, pode funcionar muito bem, mas já vi empresas em que se dá o nome de alguém e essa pessoa fica com o trabalho, e isso é mais nepotismo. O problema está quando a referência vem do CEO, por exemplo, e ninguém quer dizer-lhe que não se vai contratar esse candidato. Outro dos meus últimos artigos científicos era sobre a questão do legado, em como o filho ou a filha de alguém, que se formou numa universidade em específico, tem preferência na admissão. Esta não é uma definição de recomendação que possa ser informativa e está mais próxima de nepotismo. É o lado negro do capital social.

Portanto, ter uma boa rede social é algo muito importante para se ser bem-sucedido…
Sempre foi. Uma das razões pelas quais decidi fazer o doutoramento em Stanford foi porque eu queria trabalhar com o Mark Granovetter. Ele formulou a teoria dos laços fracos, que são os conhecidos que não são amigos nem familiares. Estes dão acesso a mais oportunidades de emprego do que os laços fortes, que se conhecem muito bem, mas têm informação redundante. Agora, todos sabem que o networking é fantástico, mas há formas diferentes de o fazer e que trazem benefícios. Atualmente, estamos todos ligados através do LinkedIn. Mas qual é o valor disso se nunca nos encontrámos e se a ligação resultou de um pedido aleatório? O capital social é muito importante, como sempre foi, mas as dinâmicas têm-se alterado e há formas diferentes de ativar esse capital.

É diretor do programa de imersão no MIT Sloan do Lisbon MBA. Por vezes há a sensação, em parte da opinião pública, de que as escolas de negócios ensinam a criar valor, acima de tudo para os acionistas. Ainda é esse o caso? O que se ensina nesses cursos?
O MIT Sloan tem uma missão muito diferente, e um dos nossos objetivos é conseguir treinar líderes disciplinados e inovadores. Para o fazer, temos de assegurar que inculcamos valores que têm que ver com o tratamento justo dos trabalhadores e com a gestão das pessoas de forma apropriada. Queremos acreditar – e eu acredito fortemente que é esse o caso – que o MIT Sloan é muito diferente de outras escolas de negócios no mundo.

Quais são os conteúdos do programa de imersão no MIT para lidar com estes temas?
Um dos cursos é sobre estratégias de people analytics, uma forma de pensar as pessoas como algo em que se investe, garantindo-se também que se disponibiliza tempo e recursos a tratá-las bem, desde o recrutamento até à contratação e às promoções. Lecionamos ainda cursos sobre people and profits (pessoas e lucros), e só o nome diz tudo. Temos também o US Lab, em que tentamos que os estudantes iniciem projetos relacionados com alguns dos assuntos de que falámos. Há sempre uma componente de treino que incide nestes temas, que se preocupa com os funcionários, o local de trabalho, e em como as teorias antigas, assentes em modelos de minimização de custos, estão obsoletas. Um dos motivos de entusiasmo reside no facto de as gerações mais jovens serem muito mais pró-sociais e, como tal, aderirem aos nossos programas.

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