Elon Musk dispensa, por esta altura, apresentações: é tipicamente o homem mais rico do mundo (posição que vai dividindo com Bernard Arnault e Jeff Bezos ocasionalmente), é diretor executivo de duas das principais empresas norte-americanas da atualidade (Tesla e SpaceX), é fundador de projetos de tecnologias complexas (Neuralink e Boring Company), é dono da rede social Twitter (perdão, X) e é também uma figura polémica em opiniões políticas e atitudes de gestão empresarial.
Mas em breve deverão ser conhecidos muitos mais pormenores da vida, pessoal e profissional, do multimilionário sul-africano, com a chegada da biografia intitulada Elon Musk e escrita pelo antigo jornalista e agora escritor Walter Isaacson (que também foi autor da biografia principal de Steve Jobs, icónico cofundador da Apple, entre outras publicações).
Mas as primeiras revelações já começaram a ser feitas. Numa pré-publicação adaptada para a revista Time, é o próprio Walter Isaacson quem descreve um episódio passado há já vários anos, mas que na prática acabou por influenciar o panorama atual da Inteligência Artificial e da corrida para criar sistemas de IA cada vez mais avançados.
É preciso recuar até ao ano de 2012, quando Elon Musk conheceu pela primeira vez Demis Hassabis, então fundador de uma startup desconhecida chamada Deepmind. Os dois deram-se bem e Musk convidou Hassabis para visitá-lo numa das fábricas da SpaceX. No dia da visita, Musk explicou a Hassabis que a ideia de construir foguetões para ir a Marte tinha o objetivo de criar uma rota de fuga para preservar a consciência humana em caso de uma catástrofe mundial, como um colapso civilizacional ou a colisão de um asteroide. Em resposta, Hassabis disse que Musk precisava de acrescentar outra potencial ameaça à lista: a Inteligência Artificial. Na opinião do perito britânico, existia o risco de a IA tornar-se superinteligente e superar os humanos… e inclusive até se livrar deles.
Musk ficou em silêncio durante um minuto. E concluiu que Hassabis estava certo. Acabaria por investir cinco milhões de dólares na Deepmind para seguir de perto o percurso da jovem empresa.
Uma reviravolta inesperada
Algumas semanas mais tarde, Elon Musk comentou esta ideia, de uma IA poder acabar com a humanidade, com o seu então amigo Larry Page (cofundador da Google e então também diretor executivo). E fê-lo mais vezes, ao longo de vários encontros entre os dois. Segundo a descrição da biografia, o cofundador da Google só mostrou “desdém” pela ideia.
O relato avança depois até meados de 2013, quando Elon Musk celebrava com uma festa o seu aniversário. Musk e Page entraram numa discussão “apaixonada” sobre Inteligência Artificial. O CEO da Tesla insistia na ideia de que a evolução da IA pode tornar a espécie humana irrelevante e levar à sua extinção. Page não via um problema nisso, via esse episódio como uma possível nova etapa da evolução da vida na Terra. Mais: Page argumentou mesmo que se um dia uma máquina for capaz de ter consciência, por que razão essa consciência não deverá será ser considerada tão importante quanto a de um humano? A resposta terminou com Page a acusar Musk de ser um “especista”, uma pessoa que tem uma posição enviesada em relação à sua própria espécie. “Bem, sim, sou pró-humano”, respondeu Musk. “Eu gosto mesmo muito da humanidade”.
Por isso foi com espanto que Elon Musk descobriu, no final de 2013, que Larry Page e a Google estavam a tentar comprar a Deepmind. O CEO da Tesla e da SpaceX juntou-se ao amigo Luke Nosek e ambos tentaram angariar dinheiro para avançar com a aquisição da Deepmind, por forma a que não acabasse nas mãos da Google. Walter Isaacson descreve mesmo que Elon Musk estava numa festa em Los Angeles quando enfiou-se num armário durante uma hora, numa chamada de Skype, para falar com Demis Hassabis. “O futuro da IA não pode ser controlado pelo Larry”, disse nessa chamada.
Mas o negócio acabou mesmo por avançar. Em janeiro de 2014, a Google anunciou a aquisição da Deepmind e a startup acabaria por tornar-se num dos nomes mais proeminentes da Inteligência Artificial moderna, tendo alcançado feitos liminares na área com os algoritmos AlphaGo (domínio do jogo Go), AlphaZero (domínio de várias jogos em menos de 24 horas) e AlphaFold (para a projeção da estrutura de proteínas).
Para apaziguar a ‘ira’ de Elon Musk, Larry Page prometeu-lhe criar um conselho de segurança para tecnologias de IA, no qual Musk teria um lugar. Mas o sul-africano convenceu-se de que a iniciativa não era a sério. Musk começou então a procurar outras formas de resposta (chegou inclusive a falar com Barack Obama, na época presidente dos EUA), mas a principal solução acabou por ser o recurso a um outro empreendedor, Sam Altman. Nasceria, algum tempo depois, a OpenAI – e o resto é história.
Muitos anos volvidos, Musk está novamente ao ataque na área da Inteligência Artificial, tendo inclusive criado uma nova empresa para este segmento, a xAI. Curiosamente, é neste mesmo excerto publicado pela Time que Elon Musk admite que a compra do Twitter acabou por ter uma benefício colateral: a grande base de dados de interações da rede social. São mais um bilião de tweets já publicados e 500 milhões de novas publicações todos os dias que podem servir de base para treinos de algoritmos de IA. “Só percebi isso depois da aquisição”, admite Elon Musk.