Terminada a terceira edição do Pixels Camp, é chegada a hora do balanço pela voz do mentor do evento que poderá ser considerado a capital dos geeks de Portugal. Na edição de 2019, foram contabilizadas mais de 1600 visitantes, entre programadores e afins (a maioria), investidores e apenas curiosos.
Dos cinquenta projetos criados na maratona de programação, há três que merecem especial destaque: a app Salazar (nome de um utensílio de cozinha que rapa os restos do fundo do tacho) garantiu o primeiro lugar e prémios no valor de 8000 euros, depois de dar a conhecer uma ferramenta que permite identificar ingredientes e estimar as calorias de receitas “escutadas” a partir da Internet ou da TV.
Em segundo lugar ficou o projeto IoT2Care, que propõe o desenvolver tecnologias vestíveis que detetam quedas, lançam alertas para medicação e ainda permitem lançar alertas. Em terceiro lugar, uma app conhecida por PACoME que ajuda a escolher as comidas mais saudáveis tendo em conta as preferências de cada utilizador.
Por fim, destaque para a o projeto Kind, que tem por base o desenvolvimento de um chatbot para combater o ciberbullying. O projeto recebeu 2000 euros e horas de mentoria, depois de ganhar a hackathon Hack for Good, da Fundação Calouste Gulbenkian, que se estreou como competição integrada no Pixels Camp.
Numa breve entrevista dada à Exame Informática, Celso Martinho, o líder da Bright Pixel e do Pixels Camp, dá uma ideia do que podemos vir a esperar para as próximas edições daquele que será um dos maiores ajuntamentos de geeks em Portugal.
O Pixels Camp pode vir a receber mais hackathons? O que esperam que saia destas hackathons?
O Pixels Camp sempre foi um evento que facilmente se adapta a qualquer tipo de criatividade, independentemente de vir das pessoas que nos visitam, dos parceiros que se querem associar, ou dos conteúdos dos próprios eventos. Apesar de mantermos uma fórmula que achamos que funciona muito bem, tentamos melhorar algumas coisas. De qualquer modo, o conceito continua mais ou menos o mesmo. O Pixels Camp é um híbrido entre uma hackthon de grande dimensão, com uma série de desafios, e uma parte significativa de conteúdos. Este ano tivemos cinco palcos com palestras e workshops do início até ao fim do evento…
Há a expectativa de que estas hackathons criem novos produtos ou serviços?
Essa expectativa existe sempre, mas o importante da hackthon não são os projetos que daí saem. Os projetos que saem das hackathons são experiências… ou quando muito provas de conceito. A grande mais-valia resulta das empresas que se associam a esta iniciativa poderem conhecer as pessoas, ou saberem quem é que faz o quê… ou quem é que tem a capacidade para resolver problemas de forma criativa, usando a tecnologia, para depois poder levar essa relação para fora do evento e dar continuidade a coisas que aqui são criadas, mas como é natural não podem assumir a forma final logo ao cabo de três dias. Diria que o Pixels Camp é muito mais valioso pela relação de proximidade que fomenta…
Não há a expectativa de que estas hackathons abram caminho à criação de startups?
Este não é um evento de empreendedorismo… pelo menos de forma direta. Mas estamos sempre à procura de técnicos e criativos que tenham uma costela empreendedora e que possam ser desafiados a dar o próximo passo. Curiosamente, isso aconteceu no ano passado… um dos projetos (que participaram nas hackathons) é hoje uma empresa. Chama-se Taikai, é uma plataforma de inovação aberta, que foi lançada no Pixels Camp na sexta-feira e nasceu de um projeto que surgiu no evento do ano passado. A Bright Pixel investiu no projeto e arranjou uma equipa de investidores que acreditavam no projeto e o levaram para a frente. É uma empresa real… este é um processo que nos interessa muito. Estamos a tentar construir algumas pontes entre o nosso mundo e o mundo do empreendedorismo. Ao mesmo tempo que aconteceu o Pixels Camp tivemos a decorrer no piso de cima o Insert Coin, que é dedicado a empreendedores. Estamos a tentar fazer pontes entre estes dois mundos. Também não queremos descaracterizar a proposta de valor do Pixels Camp…
… que é hoje o que mais parecido existe em Portugal com uma geekolândia!
Sim, uma geekolândia (no Pixels Camp) e no outro lado (no Insert Coin) temos uma geekolândia mais crescidinha para pessoas que querem montar um negócio e que têm a ambição de criar uma empresa.
Nas hackathons, esse objetivo de empreendedor nem sempre existe?
Sim, nem sempre existe, mas isso também não é um problema. Por vários motivos: em primeiro lugar, porque não temos de ser todos os empreendedores; em segundo lugar, porque sejamos empreendedores ou empresas, a matéria-prima é sempre a mesma: é o talento, são as pessoas que sabem fazer coisas. A criatividade é uma coisa que me interessa muito. Acho que estamos a caminhar para um mundo em que a especialização continua a ser importante, mas mais importante ainda é esta noção de que as pessoas têm de ter valências não só nas tecnologias, mas também noutras áreas… as pessoas têm de ser muito versáteis e criativas, porque a parte criativa é aquela que vai demorar mais tempo até ser dominada pelas máquinas. Estamos a automatizar o mundo – e também muitas tarefas que antes eram executadas por humanos. A criatividade é que ainda é muito difícil de automatizar. E é isso que queremos trazer para os Pixels Camps.
O número de visitantes e participantes correspondeu às expectativas? Quer números gostaria de atingir na próxima edição do Pixels Camp?
É sempre bom ter uma casa completamente cheia. E foi esse caso este ano, com mais de 1200 participantes inscritos e aprovados. Temos também 18 patrocinadores. O evento resultou bem no que toca a encher o Pavilhão Carlos Lopes. Também não temos a ambição de ser um Web Summit. Para este evento funcionar bem, terá de ter a dimensão certa. Achamos que esta é a dimensão certa. Se for muito maior que isto passa a exigir um novo formato ou novas dinâmicas que não estas que conhecemos bem. Para nós, o tema da dimensão não pode ser analisado apenas pelos números do ponto de vista absoluto. Queremos um evento desta dimensão, que sabemos que funciona bem.
Que radiografia se pode fazer aos 3,5 anos de vida que leva a incubadora Bright Pixel?
A Bright Pixel nasceu como um projeto ambicioso, e diferente de muitos instrumentos que existem em Portugal e que estão relacionados com o empreendedorismo. Construímos um modelo que, essencialmente, é um funil que resulta de três atividades: uma dessas atividades está relacionada com a relação com as empresas; há uma segunda que tem a ver com a incubação e criação de startups; e por fim, há o investimento. Tudo o que fazemos tem como objetivo chegar à fase do investimento. Os primeiros anos foram desafiantes e tivemos de fazer uma série de ajustes. Não é fácil trabalhar a transformação digital e a inovação com as empresas; é um processo que ainda requer ajustes e aprendizagem. Agora, estamos numa fase em que os resultados começam a aparecer…
Que resultados são esses?
Já fizemos 14 investimentos… todos eles em startups em fases embrionárias. Se bem que já temos empresas no portfolio que estão a chegar à fase das rondas de investimento mais avançadas. Estamos muito contentes por termos um portfolio de empresas em que já investimentos. É algo que já está a criar uma série de sinergias e que já permitiu levar a Bright Pixel para um novo patamar. Continuamos muito motivados e empenhados no projeto Bright Pixel e estamos a chegar a uma fase particularmente divertida e interessante. O modelo já funciona, está afinado… agora temos de dar maior dimensão do que aquela que tem.
Ainda há espaço no mercado para tantas incubadoras e aceleradoras?
Neste momento, ninguém se pode queixar de falta de instrumentos para acelerar, incubar ou investir… esse trabalho está feito. Pelo menos nas fases mais iniciais esse trabalho está feito. Agora estamos todos ansiosos, para que o ecossistema dê o próximo passo, que tem a ver com a maturidade. Ainda têm de surgir os primeiros empreendedores em série; ainda têm de sair as primeiras vendas feitas por esses investidores (de startups). Temos de dar o salto no que diz respeito à captação de empreendedores de outros países criarem cá as suas empresas, e não apenas captar investidores que vêm cá abrir escritórios. Temos de chegar à fase em que Berlim, Londres e Barcelona já se encontram. Lisboa, e Portugal como um todo, ainda têm de dar esse passo. As coisas estão a acontecer e inevitavelmente vamos chegar lá. Portugal ainda tem um défice de projetos que possam receber investimento… até porque o facto de haver dinheiro não significa que esse dinheiro possa ser aplicado. Estes investimentos não podem olhar só para Portugal; há que olhar para empreendedores que vêm de outros sítios. No nosso portfolio, já temos um investimento em Espanha e França.