A Apple foi condenada a entregar 13 mil milhões de euros de impostos que ficaram por pagar na Irlanda durante os últimos 10 anos. A decisão foi anunciada na manhã de terça feira pela Comissão Europeia, abrindo um novo episódio nas investigações que os peritos de Bruxelas têm levado a cabo desde 2014 em torno de um acordo que a Apple e o governo irlandês assinaram com vista a uma redução da carga fiscal.
O The Guardian revela que a decisão foi tomada por Margrethe Vestager, a Comissária Europeia da Concorrência, e baseia-se na análise às práticas fiscais que a Apple assumiu desde 1991 com a aprovação do governo irlandês. Durante esse período, a Apple terá registado as vendas efetuadas na Europa numa delegação que apenas existia para efeitos formais, e que, devido à inexistência de atividade, não poderia ser responsável por aqueles negócios, refere ainda o jornal britânico. As empresas envolvidas neste caso dão pelos nomes de Apple Sales International e Apple Operations Europe.

Margrethe Vestager acaba de se tornar um dos maiores pesadelos de Tim Cook
Kim Vadskær
O relatório apresentado por Margrethe Vestager em conferência de imprensa realizada em Bruxelas revela alguns números do acordo fiscal que agora foi considerado ilegal: A Apple terá pago um imposto de um por cento sobre os lucros em 2003 – mas chegou a 2015 a pagar apenas 0,005% de imposto sobre os lucros anuais. Apesar de as investigações terem incidido sobre o período entre 1991 e 2015, a devolução de impostos apenas deverá abranger os últimos dez anos de atividade da Apple na Irlanda.
«Os estados-membros não podem dar benefícios fiscais apenas a algumas empresas empresas – isto é ilegal à luz das leis da ajuda aos Estados da UE. A investigação da Comissão Europeia concluiu que a Irlanda disponibilizou benefícios fiscais ilegais à Apple, que permitiram-lhe pagar substancialmente menos impostos que outros negócios ao longo dos anos», sentenciou Margrethe Vestager, citada pelo The Guardian.
A comissária europeia lembrou ainda que todo o processo está disponível para consulta para estados membros e estados “não-membros” da UE, que pretendam verificar se foram prejudicados pela redução de impostos da Apple. No caso de considerarem que há condições para reivindicar o pagamento de impostos em falta, esses estados poderão solicitar uma parcela correspondente do total de 13 mil milhões de euros que deverão ser desembolsados pela Apple.

Além de fixar um valor de penalização – ou devolução – que será um dos mais elevados de sempre na UE, a Comissária da Concorrência assume protagonismo político perante um caso que deverá suscitar imbricadas movimentações diplomáticas entre Washington, Dublin, Bruxelas, e Estrasburgo… e que surge pouco depois do Brexit, que levou o Reino Unido a decidir-se pela saída da UE.
No circuito oficioso, há quem admita que as autoridades norte-americanas vão tentar explorar a divisão latente entre a vontade de Bruxelas em uniformizar e liderar a política fiscal da UE e as capitais dos 28 estados membros que, por mais de uma vez, já sucumbiram à tentação de fixar sedes, escritórios ou fábricas e escritórios nos respetivos territórios nacionais apresentando benefícios fiscais em contrapartida.
É provável que a Apple apresente recurso, mas o The Guardian dá como garantida uma segunda reação contra a decisão de Margrethe Vestager: também o governo irlandês vai apresentar recurso – o que, a confirmar-se, será uma situação caricata, uma vez que a decisão da Comissão Europeia torna o erário público da Irlanda o principal beneficiário da devolução do dinheiro. Michael Noonan, ministro das Finanças irlandês, já fez mesmo saber que vai tentar junto dos restantres membros do governo o apoio que necessita para apresentar recurso da devolução dos 13 mil milhões de euros.

Tim Cook, CEO da Apple, classificou a investigação às atividades da Apple na Irlanda como uma «treta política»
Do outro lado do Atlântico, Robert B. Stack, responsável pelo Tesouro dos EUA, já tinha dado o mote numa altura em que Washington e Bruxelas tentavam encontrar um compromisso no que toca à política fiscal aplicada na UE às grandes companhias dos EUA. E sem pruridos, Stack não hesitou em considerar que uma possível devolução poderá «profundamente prejudicial, uma vez que haveria de constituir efetivamente uma transferência de receitas do governo dos EUA e dos seus contribuintes para a UE».
Antes de se conhecer esta decisão e enquanto decorriam as investigações, Tim Cook, CEO da Apple, chegou a classificar o processo movido pela Comissão Europeia como uma «treta política», mas a verdade é que as contas da companhia dificilmente passarão incólumes caso a devolução de impostos prossiga com os valores já anunciados (em casos anteriores, a Comissão Europeia reduziu marginalmente multas de abuso de concorrência depois de as companhias apresentarem recursos). Em 2015, a empresa lucrou um máximo histórico de 18 mil milhões de dólares (cerca de 16,1 mil milhões de euros) – um valor que corresponde a quase 10% dos 179 mil milhões de euros do PIB português em 2015.