A maioria das crianças portuguesas passa mais tempo em frente a um ecrã – TV, tablet, smartphone, computador ou consola de videojogos – do que aquilo que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Associação de Pediatria dos EUA. A conclusão é de uma investigação da Universidade de Coimbra intitulada “Desigualdades sociais entre as crianças portuguesas em ecrãs de dispositivos tradicionais e emergentes: um estudo transversal” e publicado na revista científica BMC Public Health.
Segundo as conclusões do estudo, 73,1% das crianças entre os três e os cinco anos (idade pré-escolar) passam mais de 60 minutos por dia em frente a um ecrã durante a semana, valor que dispara para 93,7% ao fim de semana – a média diária neste grupo etário é de 154 minutos. Já no grupo de crianças entre os seis e os dez anos (idade escolar), 33% passam mais de duas horas por dia, durante a semana, que coincide com o período de aulas, em frente a um ecrã, e 88% ultrapassam este valor durante o fim de semana – a média diária deste grupo é de 200 minutos.
“As crianças ainda passam acima de tudo o tempo de ecrã em frente à televisão, mas o uso de dispositivos móveis, particularmente os tablets, já era bastante alto em crianças de três anos e aumentou com a idade. (…) O tempo de ecrã em crianças dos três aos dez anos é maior do que o recomendado, particularmente nos rapazes e em crianças em ambientes socioeconómicos mais desfavorecidos”, lê-se no estudo do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).
A relação entre o ambiente socioeconómico (SEP no acrónimo em inglês) e o tempo passado em frente aos ecrãs é outras das principais conclusões do estudo, que tem como primeira autora Daniela Rodrigues. “No geral, as crianças em desvantagem socioeconómica passam significativamente mais tempo por dia a utilizar dispositivos com ecrãs do que as crianças de SEP médio e alto, e o tempo de ecrã de uma criança de SEP médio foi mais parecido com o correspondente do SEP baixo do que com SEP alto”, sublinha ainda o estudo.
A investigação aponta ainda para o crescimento da popularidade do tablet nas casas portuguesas e é mesmo colocada a hipótese de nos próximos anos “ultrapassar a TV como a principal fonte de consumo de conteúdos nas crianças”. Daniela Rodrigues, em comunicado, diz que “é necessário um maior controlo por parte dos pais no acesso que as crianças têm aos equipamentos eletrónicos”, sobretudo nesta fase, ainda de período de pandemia devido à Covid-19, no qual “as crianças estão obrigadas a passar mais tempo em casa, e precisam de recorrer a alguns destes equipamentos para aceder à telescola”.
Os investigadores lembram que o maior tempo passado em frente aos ecrãs tem sido associado a maiores riscos de obesidade, falta de exercício físico e má alimentação por parte dos mais jovens, e também a atrasos no desenvolvimento da linguagem da criança, havendo até indícios de que excesso de tempo em frente a ecrãs pode refletir-se em comportamentos mais agressivos e violentos.
O estudo teve por base os dados de 8430 crianças dos três aos 10 anos de idade, das quais 50,8% eram rapazes e 49,2% raparigas, do norte, centro e sul de Portugal. Os dados foram recolhidos através de questionário aos pais, nos anos de 2016 e 2017.