A transmissão percorreu “apenas” 180 metros, entre os pisos nove das torres norte e sul do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, mas foi o suficiente para fazer história. Pela primeira vez em Portugal foi feita uma demonstração de distribuição quântica de chave criptográfica (QKD) por comunicações quânticas sem fio.
«Nós enviamos partículas de luz individuais, chamados fotões, que codificam os bits quânticos. Quando enviamos a informação em bits quânticos, isso permite-nos distribuir uma chave para depois fazer comunicações cifradas», começa por explicar Yasser Omar, coordenador do grupo de física da informação e tecnologias quânticas do Instituto de Telecomunicações e professor do IST, em entrevista à Exame Informática.
«A parte da comunicação cifrada é clássica, o que as tecnologias quânticas permitem é distribuir a chave simétrica, portanto, o emissor e o recetor da mensagem cifrada usam a mesma chave para cifrar e decifrar. O que as tecnologias quânticas permitem é distribuir essa chave de forma privada, de forma segura», acrescentou.
A experiência foi realizada duas vezes nesta semana: a primeira na segunda-feira, entre as torres do IST; e depois novamente na quarta-feira, durante o Encontro Ciência 2019, que se realizou no Centro de Congressos em Lisboa.
«Os fotões, as partículas individuais de luz que podem codificar os bits quânticos, exploram as propriedades da física quântica para distribuir essa chave criptográfica – que, no fundo, é uma sequência aleatória de zeros e uns – de forma segura, garantindo que o emissor e o recetor têm exatamente a mesma sequência aleatória de zeros e uns. Se alguém tentar interceptar essa distribuição de chave, é detetado», sublinhou Yasser Omar, sobre a maior capacidade de segurança que esta tecnologia vai trazer.
Segundo o investigador, com esta tecnologia é possível perceber se há alguém “à escuta” da comunicação que está a ser feita e pará-la de imediato, o que resolve «um problema que era impossível de resolver só com bits clássicos.»
Durante a demonstração no Centro de Congressos, uma imagem do quadro de Fernando Pessoa pintado por Almada Negreiros serviu como “cobaia” na codificação e descodificação de informação por meio de uma ligação quântica sem fio.
Enquanto atualmente ainda é necessário usar equipamento dedicado para realizar estas comunicações, Yasser Omar imagina um futuro muito mais prático para os utilizadores, empresas e organizações do Estado, seja no envio de emails, na realização de chamadas telefónicas ou videoconferências.
«Estou no meu computador, escrevo o meu email, peço para cifrar e depois o email sai do meu computador e entra num aparelho que cifra quanticamente. Depois o recetor também tem um aparelho que decifra quanticamente e recebe a mensagem no ecrã do seu computador sem dar por nada, o utilizador não tem que se preocupar com estas coisas», explica.
O investigador diz que a realização desta primeira comunicação quântica sem fio é como «passar o cabo da Boa Esperança», pois agora o «caminho» é conhecido, o que permitirá à equipa liderada por Manfred Niehus, também investigador de tecnologias quânticas do Instituto de Telecomunicações e professor do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), explorar novos objetivos.
Segundo Yasser Omar, a ideia passa agora por desenvolver a tecnologia por forma a que possa ser usada em comunicação de satélites, para expandir a distância a que estas comunicações quânticas podem ser feitas. Em Portugal, por exemplo, isto será importante para ligar o continente aos arquipélagos da Madeira e Açores através desta rede segura de comunicações.
«Precisamos desta tecnologia sem fios não só para nos ligarmos às ilhas, como para nos ligarmos a outros países da Europa mais distantes e ao resto do mundo. A União Europeia (UE) está neste momento a lançar uma iniciativa para constituir uma rede de comunicações quânticas em toda a Europa. Portugal assinou na quarta-feira a adesão a essa iniciativa e é um dos primeiros países a fazê-lo, mas a ideia é que todos os países da UE adiram. Portanto, para comunicações mais longínquas a vertente satélite será sempre uma componente muito importante.»
A mesma tecnologia pode ainda ser usada para fazer um reforço de segurança em processos de autenticação de identidade, assinaturas eletrónicas e também no comércio online.
«É um grande desafio que temos, mas isto é uma área estratégica para o país, é até uma questão de soberania, são claramente tecnologias de soberania. Penso que as implicações são claras, é uma área em que não podemos perder o comboio e temos que apostar», finalizou o investigador.