A subida agressiva das taxas directoras por parte dos principais bancos centrais, e o compromisso de as manter em níveis “suficientemente restritivos” por um período de tempo longo tem gerado receios de que os EUA e a Europa possam entrar, eventualmente, em recessão. A preocupação é legítima. A subida recente das taxas foi extremamente rápida e, como a experiência passada demonstra, níveis restritivos dos juros tendem a reflectir-se negativamente na actividade económica. Uma afirmação conhecida nos mercados é a de que o Fed costuma subir os juros “até que alguma coisa na economia quebre”.
Contudo, a expectativa de uma recessão tem sido contrariada ao longo dos últimos meses. Nos EUA, o PIB cresceu 4.9% (em termos anualizados) no 3º trimestre, em aceleração face aos dois trimestres anteriores, suportado em grande medida pelo consumo privado. E a taxa de desemprego mantém-se baixa, em 3.9% da população activa. De acordo com os indicadores disponíveis, a actividade industrial tem estado em queda, mas os serviços mantêm-se em clara expansão. Na Zona Euro, o comportamento do PIB em 2023 sugere uma economia próxima da estagnação. Mas, em 6.5% da população activa, a taxa de desemprego encontra-se ainda abaixo dos níveis observados no início do ano.
A recente descida da inflação tem alimentado a expectativa de que os principais bancos centrais terão já chegado ao fim do actual ciclo de subida dos juros, e que poderão mesmo reduzi-los algures no próximo ano. Com o desemprego a manter-se baixo e o consumo resiliente, o eventual sucesso no controlo da inflação pareceria favorecer um cenário de soft landing (i.e. um abrandamento benigno das economias, com a inflação a cair sem grandes custos ao nível do emprego). Em parte, este cenário benigno seria explicado por poupanças excendentárias acumuladas na pandemia, que persistiriam ainda em níveis mais elevados do que o anteriormente estimado, permitindo aos consumidores acomodar os efeitos da subida dos juros e da inflação (sobretudo mantendo uma forte despesa em serviços).
Outra leitura menos optimista é a de que os efeitos dos aumentos dos juros ainda não se fizeram sentir plenamente nas economias. De acordo com esta visão, a permanência dos juros em níveis relativamente elevados acabará por traduzir-se numa quebra da actividade económica. Nos EUA, por exemplo, muitas empresas e famílias aproveitaram o período de taxas muito baixas em 2020-21 para refinanciarem dívida e fixarem prestações mais reduzidas. Mas estimam-se, para os próximos dois anos, necessidades de refinanciamento elevadas, em particular no caso das empresas. Se os juros se mantiverem próximos dos níveis actuais, estes refinanciamentos levarão a aumentos significativos dos encargos financeiros, com impactos negativos no investimento e no emprego. Outros sinais visíveis incluem aumentos no incumprimento no crédito (sobretudo no caso de pequenas empresas e no caso do crédito ao consumo), bem como subidas no número de falências, apesar de ainda em níveis contidos.
Ao mesmo tempo, a tendência no desemprego parece ser de subida, quer nos EUA, quer na Europa. No contexto de preços e juros mais altos, este aumento do desemprego – se sustentado – poderá levar a uma retracção mais visível do consumo. E a política orçamental não deverá ter a mesma margem de manobra que teve nos últimos anos para mitigar os efeitos adversos desta evolução. O risco de uma recessão (ainda que uma relativamente contida) não deve, assim, ser já afastado. Será importante acompanhar a evolução das condições no mercado de crédito e no mercado de trabalho, que farão a diferença entre um soft landing e um cenário pior.