Comecei a trabalhar na Bial em outubro de 1972, com a idade de 21 anos, logo após a passagem de meu Pai, António Emílio Portela, que era o sócio maioritário da empresa e seu presidente. Fui colocado como assessor do novo presidente e desempenhava as minhas funções a meio-tempo, continuando, em paralelo, o curso de Medicina na Universidade do Porto.
Foi, para mim, um período de algum sacrifício e de grande aprendizado. O curso de Medicina era exigente e obrigava-me a frequentar todas as aulas práticas e algumas teóricas, mas também implicava muitas horas de estudo, por vezes durante a noite e sempre ao fim de semana. Aprendi, antes de mais, a gerir o meu tempo, mas também fui aprendendo a gestão de uma empresa farmacêutica e conhecendo as pessoas da Bial, o que veio a ser muito importante quando, em 1979, assumi a presidência.
O presidente era então o farmacêutico Luís Duarte Rodrigues, que tinha sido o braço-direito de meu Pai e que aceitou o lugar dizendo que o fazia apenas até que um Portela estivesse apto a suceder-lhe, o que se estendeu até 1978. Mas, com essa postura, procurou ajudar-me o mais possível. E era um trabalhador incansável, com elevado nível de responsabilidade, grande competência técnica e uma enorme dedicação à empresa. Aprendi muito com ele. E também aprendi com outras pessoas.
Aprendi muitas coisas boas e bonitas, que me disponibilizei a seguir ao longo da minha vida profissional. Mas também identifiquei algumas coisas com que não concordava, que procurei assinalar com alguma discrição, pois considerava-me bastante jovem para apresentar sugestões e para as tentar fazer seguir. Porém, foi muito importante aprender como não gostaria de fazer algumas coisas e, mais tarde, investir em soluções alternativas.
Todo este aprendizado foi da maior importância para, em 1978, já a exercer medicina e a dar aulas na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, decidir abandonar a carreira médica e docente, adquirindo a maioria do capital da empresa e assumindo, no início de 1979, a presidência da Bial. Nunca antes tinha sentido vocação para a vida empresarial, mas, quando me pareceu que a empresa fundada por meu Avô e continuada por meu Pai corria alguns riscos de soçobrar, percebi a enorme admiração que tinha pela obra deles e o desejo interior de lhe dar continuidade. Senti, naquela altura, que o aprendizado de que tinha usufruído era uma boa base para poder fazer uma carreira de gestão.
Só assim foi possível deixar a carreira clínica e de investigação com que tinha sonhado, quando se me abriam as portas da Universidade de Cambridge para ali fazer o meu doutoramento, o que nunca faria por qualquer outra empresa. Foi o carinho pela empresa da família que me fez empenhar-me até à ponta dos cabelos na aquisição da maioria do capital e arriscar assumir a liderança da Bial aos 27 anos. Durante os 42 anos em que presidi à empresa, sempre senti alguma nostalgia por não ter feito vida clínica, por não ter dado aulas e por não ter feito investigação científica. Todavia, apesar disso, senti-me feliz e realizado na condução da empresa da família.
Trabalho publicado originalmente na edição de maio de 2024 da Exame