Ainda não é um conceito massificado, e possivelmente não será no curto prazo. Mas a verdade é que as novas gerações têm outra forma de olhar para o consumo, não apenas por questões ambientais, mas também por questões de racionalidade económica. E há uma nova tendência a marcar o mercado imobiliário norte-americano – ou, pelo menos, parte dele: a partilha de bens utilitários, cujo custo de utilização pode estar incluído na renda da casa ou pode ser cobrado diretamente a cada inquilino.
Confuso? Imagine o seguinte cenário: arrenda um apartamento no centro de uma cidade, há alguns utilitários que ainda não tem – um bom aspirador, uma liquidificadora, uma batedeira elétrica – e outros que só vai usar uma vez por mês – aquelas duas cadeiras para sentar todos os amigos à mesa, um serviço de jantar de 24 peças… Se lhe dissessem que, ao invés de os comprar, poderia partilhá-los com os seus vizinhos através de um sistema de aluguer à hora ou ao dia, o que acharia?
Ou então, pense na hipótese de ter uma sala cheia de equipamento desportivo – desde pranchas de surf a bicicletas, pesos ou trotinetas – cuja utilização (limitada) já estivesse incluído no preço da sua renda?
Estes são apenas dois exemplos de algumas coisas que estão já a acontecer em determinados condomínios, sobretudo nos EUA, e que parecem ter bons resultados, especialmente junto dos inquilinos mais jovens. Uma reportagem do The New York Times publicada recentemente dava conta de vários casos concretos, possíveis graças a duas empresas: a Brevvie e a Tulu. Mas mais estarão prontas a surgir e outras poderão operar já em mercados mais pequenos.
O formato é relativamente simples e replica os das máquinas de venda automática: os objetos estão armazenados em cacifos e, através de uma aplicação, podem ser reservados e o pagamento do aluguer dá acesso ao código que desbloqueia o cadeado. No final da utilização, devolve-se o equipamento ao lugar, a aplicação regista, e um serviço 24/7 vai garantindo que tudo está em condições e que não há danos causados pelo utilizador – os contratos de utilização são semelhantes aos do aluguer de um carro, portanto, se causar danos, terá de os pagar.
Segundo os senhorios que já começaram a experimentar este modelo – e que pagam uma taxa às empresas pela prestação do serviço e uma percentagem por cada aluguer – há algumas vantagens óbvias: muitos inquilinos não têm espaço para guardar nem querem gastar dinheiro em pequenos eletrodomésticos. No entanto, querem usar equipamentos de qualidade. Apesar de não estarem dispostos a pagar €500 ou €1000 euros por um aspirador Dyson, ficam muito felizes por poder alugar um por €4 à hora, e devolvê-lo depois aos seus armários. Até porque só o usam uma vez por semana. O mesmo se aplica a impressoras ou varinhas mágicas.
Claro que este negócio é particularmente rentável quando falamos de dados. A Tulu, que atualmente está presente em 23 países, trabalha diretamente com os fabricantes de muitos dos objetos que disponibiliza. O que significa que lhes vende os dados de utilização – desde a quantidade de horas ao horário preferido de cada utilizador –, permitindo que entre oferta e localização haja uma relação quase perfeita. E claro, aproveitando a própria Tulu para prestar um melhor serviço ao cliente. Imagine que a cada terça-feira às 19h a sua aplicação o relembra de que é dia de aspirar a casa?…
Em alguns fóruns da internet onde as pessoas já discutem este assunto – sobretudo porque há quem procure este tipo de serviços quando está prestes a mudar de casa – uma das perguntas que vai surgindo é como é garantida a boa utilização dos equipamentos. Um utilizador questionava mesmo se os outros estavam preparados para usar um aspirador que podia ter estado a aspirar pulgas ou piolhos na casa anterior. Kristina Everly, co-fundadora da Brevvie, por exemplo, admite citada pelo The New York Times, que os pais dos inquilinos costumam ser os mais reticentes ao conceito, porque o acham “nojento” – uma questão geracional, acredita. E a esses diz que geralmente responde com a mesma afirmação: “Bom, acabou de comer num restaurante, e usou um garfo que alguém já pôs na boca…”
Em Portugal ainda não se encontra este tipo de ofertas – os espaços comuns em alguns condomínios começam, agora, a tornar-se mais comuns (passo o pleonasmo) e muito graças à chegada de imigrantes brasileiros que importaram o conceito. Há também projetos como os da Ando Living que, para além de espaços de uso comum para os inquilinos, querem abri-los às comunidades.
A partilha volta a ser palavra-chave nos projetos e nas gerações mais novas, alinhada com as necessidades do mundo. A economia circular passa por – e isso já sabemos todos – partilhar mais para que se possa produzir menos de tudo: menos energia, menos lixo, menos produtos de utilização única, menos objetos cujo uso não compensam a sua pegada ecológica e o seu custo económico. Na verdade, este é apenas um regresso àquele passado onde os vizinhos emprestavam as máquinas de ceifar, as debulhadoras ou as parelhas de cavalos a quem não as tinha. As trocas ajudavam a compensar os investimentos, e os pagamentos em trabalho ou géneros compensavam largamente os empréstimos.
O futuro a fazer-se com recurso ao passado.