Há pouco tempo, numa conversa entre amigos apreciadores de vinhos, repetíamos a conversa que, de quando em vez, sempre temos: o facto de, em Portugal, se terem vendido vinhos muito baratos durante muito tempo acabou por deturpar a ideia de qual o valor justo a ser cobrado por cada garrafa que se compra. E nada tema, caro leitor, porque não vou falar-lhe de vinhos que acredito serem absurdamente caros (sim, estou a falar desses que se vendem a quatro dígitos), mas daquilo que considero ser um desvio do preço médio a que geralmente são vendidos os vinhos nacionais.
Comecemos por um exercício simples: qual o preço que acha justo dar por uma garrafa de vinho? Agora faça essa pergunta aos seus amigos e anote as respostas.
Genericamente, em Portugal, acredita-se que €5 é um preço justo para um vinho de qualidade, e que €10 já é um vinho caro. É aquele que, eventualmente, é posto na mesa num dia de festa ou quando vamos jantar a casa de amigos com quem fazemos alguma cerimónia.
A verdade é que há vinhos muito bons a preços baixos – lembro-me, de repente, do monovarietal Touriga-Franca da Adega Mãe, que custa €10 ou do espumante Terras do Demo cujo preço está fixado pouco acima dos €8. Nos leves, o Mundus da Adega da Vermelha é aquele vinho que pode levar para uma tarde na piscina e que toda a gente vai querer beber e é vendido a €2,65!!
Mas para que um vinho lhe chegue a este preço às mãos, quem ficou a perder no processo?
Em 2022, o preço do quilo da uva no Alentejo, por exemplo, e segundo dados da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), variou entre os €0,42 e os €0,55. Só quem nunca vindimou ou não quer saber nada do processo de produção de uvas pode achar justos estes preços. Portanto, aqui já há pessoas claramente a perder dinheiro. Depois ainda é preciso produzir o vinho, efetivamente, engarrafá-lo, colocar-lhe uma rolha, rotulá-lo e enviá-lo para o mercado. Está a fazer as contas por alto? É que estamos a simplificar algo complexo, mas para exercício teórico, serve.
De cada vez que compra um vinho a €2,50, a €4, mesmo que seja a €6 – e sobretudo se o compra num supermercado, que ganha uma margem considerável – imagine quanto desse dinheiro chega a quem o produz.
É justo? Não. E era importante que todos nós tomássemos consciência de que são preços claramente reduzidos para aquilo que estamos a consumir.
Mas tomar consciência disso não significa colocar todos os vinhos a preços astronómicos – e aqui entramos naquele perigoso caminho que geralmente leva as pessoas a defender um “valor intrínseco” ou um “valor de mercado” e ficar cada um do seu lado da barricada.
Eu não sei qual é o valor justo por cada vinho que bebo – portanto, também não sou eu quem vai dizer qual o valor justo que deve pagar por um. Eventualmente é aquele que eu considero justo dar por ele. E se há garrafas pelas quais acho justo dar €100, há outras pelas quais não acho que faça sentido dar €40. E outras pelas quais dou, feliz, €15 ou €25 ou €50.
Para isto contribuem – na minha lista de critérios subjetivos – variáveis como regiões, produtores e castas. E sim, mais facilmente dou mais dinheiro por um vinho de um produtor que tenha, ao longo dos anos, demonstrado a sua capacidade de oferecer produtos de qualidade do que por outros. E sim, também mais facilmente o dou pelo do produtor que me garantir menos risco de falhar quando eu comprar uma garrafa e a abrir daqui a 10 anos.
“Mas cada vinho tem também uma história que acrescenta valor à sua existência”. É verdade. Por alguma razão é possível vender um Romanee Conti a €35 mil – a oferta e a procura também explicam, mas a mística que o envolve e os vinhos sempre infalíveis permitem-no. Mas aqui já estamos num outro patamar – e não, não acho que haja vinho algum no mundo que valha €35 mil. Mas há quem tenha no vinho investimentos e garrafas de cinco dígitos davam para todo um outro texto.
E precisamente porque a história conta, mais facilmente também dou mais dinheiro por vinhos que prometam surpresas – um método de produção mais arriscado, uma junção de castas mais inusitada – porque lhes reconheço esse risco. No fundo, considero uma ‘yield’ mais elevada e depois vivo com ela.
O que me tem parecido estranho, nos últimos tempos, é que o mesmo País que acha natural que grande parte dos vinhos chegue ao mercado a €5 ou €10 – o que nos penaliza no mercado internacional onde a maior parte das compras são feitas pelo preço uma vez que as pessoas, genericamente, não conhecem os vinhos portugueses –, sejam as mesmas que acham normal que se vendam vinhos a €250, €600 e €1000, mas fiquem escandalizadas quando falamos de garrafas de €15, €25 ou €40. Que, aqui para nós, me parecem os valores médios mais razoáveis para os vinhos nacionais, para que toda a cadeia de valor ganhe o que é justo com esta atividade.
Um vinho justo, a título de exemplo
E é por isso que fiquei particularmente satisfeita quando fui confirmar o preço deste Vinha do Sobreiro tinto 2016, lançado apenas em 2022 e com origem na Quinta de Pias, no vale do Pinhão, no Douro. Feito a partir de uvas de vinhas com entre 30 a 40 anos e plantadas a 400 metros de altitude, é um vinho de uma intensidade de sabor muito significativa e com um equilíbrio muito interessante. Aromas a compota de frutos vermelhos e alguns outros mais fumados, transforma-se num saboroso vinho com travo a ameixas, mirtilos e alguma pimenta na boca. Bem estruturado e com um final bastante elegante, mostra ainda um potencial de guarda em garrafa muito significativo. Que é como quem diz: quero muito prová-lo daqui a uns 3 ou 4 anos, novamente.
Feito com Touriga Franca, Tinto Cão e Tinta Roriz, é um vinho que acompanha perfeitamente um prato de peixe gordo ou qualquer prato de carne. E é daqueles que pode levar para casa dos amigos, que dificilmente alguém vai dizer que não gosta.
Na nossa escala de notação enológica, este vinho produzido pela Lavradores da Feitoria recebeu um A+. Está disponível em garrafeiras nacionais por €25. Que, neste caso, acho um preço justo.
Escala de Notação Enológica*
AAA | Fabuloso |
AA | Muito bom |
A | Bom |
BBB | Satisfatório |
BB | Mau |
C | Não Beba! |
*Inspirámo-nos nas escalas das agências de rating e criámos a nossa “tabela de notação enológica”