Começaram pela Casa das Penhas Douradas – em tempos sanatório, hoje hotel de charme – e, pouco tempo depois, juntaram à família a fábrica de Lanifícios Império, que na segunda década do século XXI arriscava a insolvência. Investiram as poupanças e os estudos que tinham para salvar do desemprego as pessoas que ainda lá trabalhavam e todo o património histórico “que se ia perder”, contam no showroom da marca, em Lisboa. “Não sabíamos nada sobre burel”, mas nem isso os assustou. Tinham as pessoas, tinham nas mãos a última fábrica que fazia todo o processo de tratamento da lã e tinham a certeza de que a História acabaria por ajudá-los no processo de manter viva a memória. “O processo de feltragem é um processo ancestral” e, portanto, começaram a desenvolver um grande trabalho de investigação com a Universidade de Coimbra. Em dez anos, a Lanifícios Império – construída em 1947 – passou a Burel Factory e os seus produtos são hoje uma referência no têxtil e na decoração, e um pouco por todo o mundo.
João e Isabel – das áreas de Direito e Gestão – trocaram Lisboa pela serra da Estrela e não se arrependeram. Têm atualmente três hotéis e a fábrica de lanifícios, o que já representou um investimento global na ordem dos €4 milhões. Salvaram a técnica do burel, reposicionaram o produto e o País, garantiram os empregos da fábrica e criaram outros – hoje são responsáveis por 130 postos de trabalho, um número importante para uma região que tem sofrido com a desertificação populacional. Entretanto, estão também a recuperar outra fábrica, que adquiriram no verão passado, onde se fazia a ultimação de processos e tinturaria. “Achámos que tínhamos de o fazer. Tinha uma equipa e tinha as máquinas… Agora é garantir que se passa o conhecimento”, dizem-nos quase com um encolher de ombros. Para João e Isabel, esta recuperação e preservação de património é óbvia. Garantem que têm conseguido levar o projeto avante “com muito juízo” no que respeita aos investimentos e às estruturas operacionais, e que qualquer empreendimento só cresce à medida da capacidade que têm de investir no seu futuro.
E foi também graças à visão do casal e às colaborações com especialistas que têm transformado o burel num material que agora forra paredes – tem propriedades isolantes seja de som, seja de temperatura – decora casas, dá corpo a sacos de viagem ou veste quem precisa de enfrentar o tempo frio. A Burel pôs o burel a conquistar o mundo. E deu nova vida à região de Manteigas, o que já não é pouco!
Este texto integrou o trabalho “As Fénix Renascem”, publicado originalmente na edição da EXAME de maio de 2022