Como começou esta pressão sobre o Credit Suisse?
O banco já tinha passado por momentos conturbados nos últimos dois anos devido a perdas que registou em algumas operações, mas a pressão intensificou-se esta semana, na sequência da divulgação do seu relatório anual relativo a 2022. Este confirmou os resultados muito negativos, um prejuízo de 7,3 mil milhões de francos suíços que já haviam sido, preliminarmente, conhecidos em fevereiro. O problema não foi, portanto, o prejuízo, mas sim uma nota de aviso que a instituição foi forçada a inserir no relatório. O regulador norte-americano, a Securities and Exchange Comission, obrigou o Credit Suisse a reconhecer, no documento, que a instituição admitia “algumas fraquezas materiais no nosso controlo interno do reporte financeiro”, relativo aos anos 2021 e 2022. Estas fraquezas estão relacionadas com “um falhanço no desenho e na manutenção de um efetivo processo de avaliação do risco para identificar e analisar o risco de declarações materialmente erradas”. Ainda assim, o banco afirmou que, apesar deste reconhecimento, as suas declarações financeiras ao longo dos anos em causa, e também relativas a 2022, “representam de forma correta, em todos os aspetos materiais, a sua condição financeira consolidada”.
Esta intervenção da SEC obrigou mesmo a um inédito adiamento, por algumas horas, da apresentação do relatório, depois de um telefonema a exigir a alteração no documento.
E foi apenas isto?
Este foi o passo mais recente numa longa lista de problemas que o Credit Suisse tem enfrentado ao longo dos últimos anos, que vão desde perdas avultadas em investimentos de risco a questões acerca do seu modelo de avaliação e reporte dos riscos financeiros tomados. Já depois do relatório, houve uma declaração que incendiou a situação. Ammar Al Khudairy, presidente do Saudi National Bank (que tem 9,98% do Credit Suisse depois do aumento de capital do ano passado), afirmou que a instituição não tinha intenção de investir mais dinheiro no banco suíço. Tal foi interpretado como uma indisponibilidade do maior acionista do Credit Suisse socorrer um banco em apuros, mas não fica claro que as declarações de Al Khudairy tenham sido diretamente acerca dos problemas atuais do banco. O que ele disse, questionado pela Bloomberg sobre um eventual aumento de posição no Credit Suisse, foi: “de forma alguma, por várias razões, uma das quais regulatória. Se ultrapassássemos os 10% de capital isso faria aplicar-se todo um conjunto de novas regras regulatórias, tanto na Arábia Saudita como na Suíça, e não estamos inclinados para isso”. O responsável disse ainda, na mesma intervenção, que o Saudi National Bank está satisfeito com o processo de transformação do banco suíço e que não acredita que ele precisasse de mais dinheiro. No entanto, o que ficou foi a imagem de que o maior acionista do Credit Suisse não estava disponível para o apoiar, num momento de grande sensibilidade para o setor.
Mas existe risco de falência ou não?
O risco existe, sendo muito difícil, para já, avaliar a sua probabilidade. A frase “too big to fail” tem sido referida também em relação ao Credit Suisse, mas nada pode ser afastado de imediato.
A grande questão prende-se com a saída de recursos do banco, uma situação que já se arrasta desde o ano passado. O próprio banco admitiu publicamente que vinha a sofrer uma grande retirada de depósitos e de outros recursos de clientes, a um ritmo anormalmente alto. Estas notícias desta semana só terão vindo piorar esse cenário. Para cumprir com os seus compromissos com os clientes, o Credit Suisse poderia ver-se forçado a vender ativos, eventualmente com perdas face ao valor investido e contabilístico, o que por sua vez poderia originar défice de capital, que teria de ser reposto. E é aqui que entraria a disponibilidade – ou falta dela – dos atuais e novos acionistas em entrar no capital do banco, algo que é para já uma incógnita.
Qual a relação do Credit Suisse com a situação do norte-americano Silicon Valley Bank?
Na verdade, pouca ou nenhuma. O Credit Suisse estava “à hora errada no lugar errado”, ou seja, os seus problemas não estão relacionados com as recentes falências nos Estados Unidos mas a reação pública foi exacerbada porque os investidores estão num momento particularmente sensível e de aversão ao risco no que toca ao setor financeiro. Sendo a origem dos problemas diferente, em comum existe o facto de – para responder a grandes saídas de recursos de clientes – os bancos poderem ser forçados a desfazer investimentos próprios, eventualmente assumindo perdas. Um claro exemplo, no caso do Silicon Valley Bank foi a sua venda de obrigações do Tesouro norte-americano, que têm perdido muito valor devido à subida das taxas de juro por parte da Reserva Federal. Tanto o Credit Suisse como muitos outros bancos europeus poderão estar numa situação de ter ativos desvalorizados, se tiverem de os vender agora, com urgência. No entanto, as regras europeias são mais apertadas do que as aplicáveis aos bancos de menor dimensão nos EUA, com obrigações de repartição de risco (por ativos diferentes, por exemplo) e com almofadas de capital para enfrentar eventuais perdas.
Qual foi a reação das autoridades europeias?
Houve um duplo movimento. Por um lado, declarações de responsáveis políticos (como de António Costa) e do BCE de que a banca europeia está sólida e imune a esta questão. No entanto, esta postura mostrou algumas brechas. A Primeira-Ministra francesa, Elisabeth Borne, salientou que “em relação ao Credit Suisse, cujas dificuldades são conhecidas há muito, gostaria de assinalar que este banco não faz parte da Zona Euro e, como tal, não está sujeito à regulação bancária europeia”. Acrescentou que o tema “é um assunto para as autoridades suíças lidarem”. O BCE acompanha o tema não só para evitar contágios reputacionais, mas também porque há sucursais do Credit Suisse em vários países da Zona Euro e algumas das instituições financeiras europeias fazem negócios e servem como contraparte do banco suído.
Mas houve uma medida tomada pelo BCE que não foi anunciada, mas que ao ser noticiada ainda espalhou mais a desconfiança. O banco central europeu contactou alguns bancos que supervisiona para lhes perguntar sobre a sua exposição financeira ao Credit Suisse, adensando os receios de que se poderá estar a preparar para algo grave.
Quais os efeitos para os bancos portugueses?
Diretamente não há qualquer efeito, mesmo que a situação do Credit Suisse se deteriore. No entanto, os efeitos indiretos podem ser igualmente gravosos. O ambiente à volta da banca está particularmente sensível devido aos recentes episódios nos Estados Unidos e agora na Suíça, o que está a provocar perdas elevadas nas cotações das ações dos bancos e a criar uma aversão ao risco em todo o setor.
A que se deveu a recuperação desta quinta-feira?
À intervenção musculada do banco central suíço. Na madrugada de quarta para quinta-feira, a instituição assegurou que o Credit Suisse cumpria os requisitos regulatórios para poder aceder a uma linha de liquidez de emergência, caso entendesse necessário. Essa linha vai até 50 mil milhões de francos suíços (50,8 mil milhões de euros) e o banco suíço admitiu que irá recorrer conforme as necessidades. Isto afasta, para já, os receios de que o Credit Suisse possa ficar sem liquidez para fazer face aos seus compromissos. Esta é a primeira vez desde a crise de 2008 que um grande banco mundial recebe este tipo de assistência financeira de emergência. As ações do banco e de todo o setor reagiram em forte alta.
O que se segue?
O mais provável é que o banco prossiga com uma restruturação mais agressiva e rápida do que o esperado e do que o planeado até aqui. Entre as hipóteses em cima da mesa estarão a venda de ativos e até uma separação das atividades do gigante suíço. A linha de liquidez do banco central acaba por fazer ganhar tempo para impedir que um pânico desordenado impossibilitasse a reorganização.