Após anos de euforia, o ambiente de subidas de taxas de juro tornou a vida mais difícil para as start-ups e para as empresas de capital de risco que tentam encontrar a próxima Amazon ou Google. Os problemas neste ecossistema levaram o Silicon Valley Bank – um banco especializado na área tecnológica – à insolvência, forçando a atuação do regulador que garante os depósitos e criando uma nuvem de dúvidas sobre o sistema financeiro dos EUA.
Confrontado com as perdas em alguns investimentos feitos em tecnológicas e com a retirada de depósitos de entidades de capital de risco e de start-ups sedentas de liquidez, não resultou grande alternativa ao Silicon Valley Bank (SVB) do que avançar para a venda de ativos que detinha. Uma parte importante dos depósitos que foi recebendo ao longo dos anos foi aplicada em títulos de dívida, como obrigações do tesouro dos EUA e de outras entidades. À partida, seria um investimento seguro e uma forma de obter algum rendimento desse dinheiro e seria fácil de transformar esses ativos em liquidez. Mas a recente subida acentuada das taxas de juro trocou as contas aos responsáveis da instituição financeira.
Para conseguir dinheiro, o Silicon Valley Bank colocou à venda uma carteira de títulos de dívida no valor de 21 mil milhões de dólares, uma parte considerável dos ativos que tinha disponível para alienação. O problema é que sofreu perdas de 1,8 mil milhões com essa operação, já que o valor daqueles títulos de dívida desceu de forma significativa devido à subida dos juros. Numa obrigação que já tenha sido emitida, quanto maior o valor da taxa de rentabilidade menor o valor desse título. Assim, se tiver de ser vendida antes de atingir a maturidade, os investidores podem sofrer perdas. E é isso que tem acontecido, já que esta classe de ativos sofreu desvalorizações acentuadas devido ao ambiente de subida rápida das taxas de referência dos bancos centrais.
Regulador decretou fecho do banco
O buraco aberto nas contas do Silicon Valley Bank forçou esta instituição a avançar para um aumento de capital de emergência para se manter solvente. Mas o banco não conseguiu concretizar essa operação, levando a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) – a agência dos EUA que gere as garantias de depósitos – a decidir, esta sexta-feira, que o SVB teria de encerrar portas. Foi o primeiro banco americano a fechar este ano e a maior insolvência decretada pelo FDIC desde 2008, quando decidiu fechar o Washington Mutual. Este regulador tomará agora conta das operações e garante que os depósitos até 250 mil dólares – limite da garantia concedida a estas aplicações nos EUA – poderão começar a ser movimentados a partir da próxima semana.
As ações do SVB estavam suspensas em bolsa, após terem tombado cerca de 60% na sessão da passada quinta-feira. Segundo a FDIC, o banco tem ativos no valor de 209 mil milhões de dólares e depósitos de 175,4 mil milhões de dólares. O regulador não calculou ainda quanto deste valor está coberto pela garantia de depósitos e irá agora fazer esse levantamento e gerir os ativos da instituição para ressarcir os depositantes e outros credores.
Sinais de desconfiança na banca americana
Apesar de o Silicon Valley Bank ser um banco de nicho e de não estar no topo dos maiores do setor, desde a passada quinta-feira que há ondas de choque a afetar os gigantes financeiros de Wall Street. Segundo contas do Financial Times, só na sessão da passada quinta-feira, os quatro maiores bancos americanos perderam mais de 50 mil milhões de dólares de valor de mercado. Foi a pior sessão dos últimos três anos, com o índice do setor financeiro a perder mais de 4%. A apreensão estendeu-se à Europa, se bem que com um grau de preocupação bem mais moderado. O índice que reúne os maiores bancos cotados do Velho Continente descia 1,2% quase no final da sessão desta sexta-feira.
Nos bancos de menor dimensão, as quedas continuaram após a decisão da FDIC com algumas instituições que integram o índice das 500 maiores cotadas dos EUA a perderem mais de 20%, casos do First Republic Bank e do Signature Bank. Em alguns deles, a negociação também chegou a ser temporariamente suspensa. No entanto, os maiores bancos do país estavam a aguentar o embate. Após as quedas de quinta-feira, o JP Morgan, o Citigroup e o Bank of America conseguiram recuperar durante a sessão de sexta-feira. Já o Goldman Sachs desvalorizava mais de 3%.
As fortes perdas do Silicon Valley Bank estão a levantar questões sobre as perdas não realizadas nos portefólios de obrigações entre os bancos dos EUA
Analistas do banco ing
A preocupação dos investidores está relacionada com as perdas não-realizadas dos ativos detidos pelos bancos. As instituições financeiras investem bastante em títulos de dívida pública que valem hoje bem menos do que quando as taxas de juro eram mais baixas. Se não forem forçados a vendê-los e os detiverem até à maturidade não sofrem perdas, caso não existam defaults de estados e empresas. Mas, se sofrerem uma crise de liquidez ou uma maior pressão na retirada de depósitos podem ser forçadas a vender alguns desses ativos antes de atingirem a maturidade, o que levaria a que essas perdas se realizassem e pressionassem os seu rácios de capital. Foi precisamente isso que aconteceu com o SVB.
“As fortes perdas do SVB estão a levantar questões sobre as perdas não realizadas nos portefólios de obrigações entre os bancos dos EUA”, notaram os analistas do ING, num relatório a que a Exame teve acesso.
Quão grave poderá ser o problema?
No início desta semana, o presidente da FDIC tinha revelado que os bancos americanos têm cerca de 620 mil milhões de perdas não-realizadas nas suas carteiras de títulos de dívida. A dimensão deste número é significativa. Mas os analistas estão confiantes de que os bancos estejam suficientemente capitalizados para o caso de algumas dessas perdas potenciais virem a ser reconhecidas. Segundo o Financial Times, essas mesmas instituições tinham 2,2 triliões de dólares de capital.
Os bancos dos EUA têm cerca de 620 mil milhões de dólares de perdas não realizadas nas suas carteiras de ativos
Os economistas da Capital Economics referiram, num relatório a que a Exame teve acesso, que “os bancos estão, em geral, melhor capitalizados que no passado, o que significa que têm mais capacidade para lidar com perdas no valor dos ativos”. Referem, no entanto, que “a combinação de preços mais baixos dos ativos e da maior fraqueza da economia podem causar problemas adicionais em instituições individuais”. Mas não esperam que isso se torne numa crise de solvência generalizada no sistema financeiro. Ainda assim, afirmam que o maior risco é que as preocupações sobre a saúde de instituições individuais se alastrem e causem problemas de liquidez no setor.
É difícil perceber qual o verdadeiro impacto que os problemas do SVB podem causar no setor financeiro. Já as consequências sobre o setor da tecnologia e do capital de risco são mais simples de perceber: os problemas que se começaram a destapar nos últimos meses poderão tornar ainda mais difícil aceder a rondas de financiamento o que pode ameaçar a sobrevivência de muitas start-ups.