António Brandão de Vasconcelos fundou a companhia que viria a ser a everis Portugal e liderou-a durante uma década e meia, antes de assumir, nos últimos anos, as funções de chairman. Agora, passa simbolicamente a pasta a Tiago Santos Barroso, um colaborador que, em 18 anos, subiu todos os degraus dentro de casa até se tornar, em 2020, o CEO da consultora de tecnologia. Em plena pandemia que desafia rotinas de negócios e organizações, a EXAME analisou com ambos as marcas que a gestão de gerações distintas, separadas por duas décadas, deixa na forma de liderar pessoas e conduzir projetos. Uma conversa em que se pressente que a palavra de ordem nos próximos anos da empresa será continuidade. Mesmo num setor em evolução constante como o da tecnologia.
O Tiago fez toda a sua carreira na everis. Como é que foi o percurso até chegar a CEO?
António Brandão de Vasconcelos (ABV) – Eu fiz as entrevistas de entrada de todos os colaboradores, incluindo o Tiago. Seríamos uns 50…
Tiago Santos Barroso (TSB) – Eu era o 47, devíamos ser…
ABV – … tínhamos reuniões gerais quase todos os dias, sabíamos o nome de todos, da mulher, dos filhos. Mesmo com o crescimento, continua a haver uma política de portas abertas e um grande princípio: se a gente for boa, tem de ter muita liberdade e permitir-se-lhe cometer muitos erros.
Isso também aconteceu neste caso?
ABV – Este foi o primeiro trabalho dele em termos empresariais e teve uma carreira fantástica, com promoções mais rápidas do que pessoas que entraram no mesmo ano.
Mas queria fazer uma carreira dentro da empresa ou aconteceu?
TSB – Sempre tive muita vontade de aprender, de crescer e, em cima disso, fui construindo a de fazer carreira. Sempre foi muito transparente a forma como se tomavam decisões – em alguns casos, até a partilha de decisões. E houve uma proximidade muito grande dessa forma de gerir a partir de, mais ou menos, metade do meu percurso.
O Tiago já estava no seu radar há alguns anos como “protégé”? Como é que se deteta esse potencial?
ABV – Não gosto do termo “protegido” porque nunca o protegemos, deixámo-lo executar como achava que devia. Se fosse muito mimado, a coisa não correria bem. O Tiago passou a manager dando um salto que não era normal, notou-se logo. A nata vem sempre ao de cima.
O que é que era mais importante, em 1999, quanto recrutava um quadro? Agora é muito diferente?
ABV – O que fazemos nas entrevistas não tem que ver com conhecimentos: se a pessoa não sabe, vai saber. O que é importante é perceber se tem características que possam inserir-se na everis, se são honestas, se partilham um conjunto de valores connosco.
Mas havia mais tempo para pensar num curriculum, por exemplo?
TSB – A vida é hoje um bocadinho mais acelerada, mas os fatores fundamentais continuam. Se lhe disser que tomei em mãos o recrutamento, isso traduz alguma coisa. O ponto é encontrar os que se encaixem no que é a nossa filosofia, que tenham vontade de aprender e crescer. Quando isso se encontra, a coisa flui.
Como é liderar durante 15 anos uma empresa num setor tão acelerado como o das tecnologias e conseguir estar sempre a par das evoluções?
ABV – Comparado com colegas meus da mesma idade, conseguia ter conversas muito mais interessantes porque estava com jovens. Nunca falava de remédios – com eles não se fala de remédios nem de netos [Risos]. Ter a possibilidade de trabalhar com gente muito jovem é uma sorte, vamos aprendendo as modificações que o mundo está a sofrer. Nunca me senti desenquadrado.
Já o Tiago leva 18 anos na mesma empresa, uma longevidade difícil de encontrar. Isso limitou-o?
TSB – Tive altos e baixos na minha relação com a empresa, como é óbvio. Mas tive a sorte de ter sempre desafios em crescendo e que me foram aliciando o suficiente para continuar. Fui exposto a muitas pessoas, realidades, culturas e contextos empresariais, e isso acaba por contrabalançar alguma falta de experiência de trabalhar noutro local. Nunca saí daqui, é um facto, mas não me sinto menos experimentado por essa via.

Deve ter tido convites ao longo destes anos, tal como o António…
ABV – Além de ser feliz no que fazia, não estava muito motivado para ouvir propostas, nunca chegava à fase de ouvir valores. A everis para mim era uma espécie de um filho. Quando se é o empregado número um, há uma ligação emotiva. Nunca equacionei sair.
Para quem toma as rédeas ao fim destes anos, não há a tentação de “matar o pai”, fazer tudo diferente daquilo que foi herdado?
TSB – A filosofia, a forma de pensar a equipa, as coisas muito simples que fizeram este sucesso são as mesmas, 99% comuns. Mas não devemos ter a tentação de ser iguais, é um erro.
Os líderes executivos ficam cada vez menos tempo nestas funções. Depois dos 15 anos do António como CEO, o Miguel Teixeira esteve seis e o Tiago está a fazer um ano. Também aqui podem esperar-se ciclos mais curtos?
ABV – Há uma boa probabilidade de os lugares de direção serem por mais tempo do que em empresas mais baseadas em fazer os números deste trimestre ou coisas desse tipo. Com a devida falta de modéstia, acho que a everis é diferente.
O Tiago vê-se, por exemplo, 15 anos neste cargo?
ABV – Quinze anos talvez não, mas deverá estar muitos. Se quiser.
TSB – Nunca perspetivei a minha vida profissional num horizonte temporal muito alargado e não consigo dizer se me vejo nesta posição em 15 anos. Não é uma preocupação.
Que idade tem o funcionário mais novo da everis? E que perspetivas de carreira terá na empresa?
TSB – Deve rondar os 21, 22 anos. Há 15 anos, quem entrava em consultoria tinha um objetivo muito mais marcado de carreira. Hoje não é assim e temos de ter espaço para quem tem esses objetivos mais e menos acentuados.
Obriga também a um esforço de motivação…
ABV – Um sociólogo polaco, o [Zygmunt] Bauman, diz que a sociedade agora é líquida, feita de experiências. Em 1999 queriam estar na everis porque dava uma perspetiva de carreira, de ser partner em dez anos. Os nossos primeiros anúncios de recrutamento em Portugal tinham uma chita a correr numa savana e diziam: “Para a chita ser mais rápida não basta saber correr muito, também tem de ter uma savana onde se possa desenvolver.”
Agora tem de dar várias “savanas” onde a mesma chita possa correr…
ABV – No outro dia uma pessoa amiga, presidente de uma grande organização que está a mudar os processos todos, contava-me que numa entrevista para responsável pela informática disse ao candidato que aquele era um processo para cinco anos. No final, o entrevistado levantou-se e foi-se embora: “Estão a pensar que vou cá ficar cinco anos?”
Que diferenças há nos desafios que cada um teve quando chegou a líder?
TSB – Este ano tem sido uma sucessão de desafios. A minha principal preocupação é ter a capacidade de estar atento, focado em ouvir os sentimentos dos colaboradores e clientes, tentar antecipar ao máximo circunstâncias e tomar decisões face à mutação brutalmente acelerada das nossas condições sociais, empresariais, de trabalho e de estados anímicos.

Houve prioridades que tenham ficado para trás?
TSB – Procurámos manter a nossa estratégia de diferenciação no mercado, reorganizar áreas, criar ofertas de valor. Mas sempre como um segundo patamar face àquela preocupação inicial.
Como é que era o dia a dia normal no trabalho em 1999?
ABV – Normalmente chegava às oito, oito e pouco, havia aquela hora fantástica da manhã em que ninguém dizia nem perguntava nada, a despachar emails, tentar marcar entrevistas e preparar reuniões. A minha rotina era fazer o máximo possível de entrevistas e conseguir ser recebido nos grandes clientes. Sem grandes clientes não haveria projetos complexos e sem estes eu não conseguiria atrair recursos interessantes. Hoje o Tiago não tem de explicar quem é.
TSB – Hoje há o tema da pandemia, mas já existia uma preocupação de falar com as pessoas, comunicar e estar atento ao que é a estrutura no dia a dia. Isso ocupa muito tempo, requer esforço de proximidade, estar por dentro dos temas. Temos um ritmo de trabalho muito acentuado, mas procuramos, há muito, ter cuidado para que as pessoas possam equilibrar a vida pessoal com a profissional.
O António acaba de se aposentar da everis. Como – e quando – é que se sente que é altura de dizer adeus?
ABV – O grande objetivo é sair antes – nem que seja cinco minutos – que alguém nos diga para sairmos. Sair é uma situação e uma decisão difícil. Tenho um enorme carinho pela everis, gostava muito do que fazia. Há uma altura em que a pessoa tem de dizer: já está, já fiz. Sinto-me fantasticamente bem por saber que a companhia tem uma pessoa excelente à frente e que a coisa vai correr muito bem. Se não fosse o Tiago e fosse alguém de quem eu não gostasse nada, não me vinha embora [Risos].
E que herança recebe o Tiago?
TSB – É uma responsabilidade, sobretudo. O papel que o António teve na construção de uma empresa com esta filosofia e este sucesso é brutal. Isso pesa todos os dias nas decisões que se tomam, nas atitudes que se têm. A seguir às reuniões com a comissão executiva, eu tinha sempre um telefonema do António a dizer-me: “Epá, estiveste bem, mas…” [Risos.] Não me esqueço do telefonema nem da responsabilidade. Muito do sucesso da minha carreira se deve ao António – portanto, esse agradecimento.
Duas décadas de consultoria
Detida pela japonesa NTT DATA, a everis Portugal tem quase 1 300 trabalhadores e espera crescer a dois dígitos este ano.
As origens da everis em Portugal remontam a 1996, quando a DMR Consulting, consultora de tecnologias de informação detida pela Fujitsu Consulting, entrou em Espanha. Três anos depois, em 1999, foi inaugurado o escritório português, liderado por António Brandão de Vasconcelos, com forte atividade na banca e em seguros. Em 2004, o negócio da DMR Consulting Espanha, que assegurava a presença em nove países, Portugal incluído, foi vendido à equipa de gestão e a fundos de private equity. Dois anos depois, a empresa foi rebatizada como everis e, em 2014, foi comprada pela japonesa NTT DATA Corporation. A nível global, a everis tem mais de 28 mil trabalhadores em 17 países e, nos últimos três anos, o negócio cresceu 50% em termos orgânicos.
Por cá, a everis Portugal faturou 49 milhões de euros em 2019, ano em que os resultados líquidos alcançaram os dois milhões de euros (dados Informa D&B, correspondentes ao ano civil). No presente ano fiscal (período de 12 meses que termina em finais de março) a empresa espera um crescimento “da ordem dos dois dígitos” em relação ao período homólogo anterior. Atualmente tem cerca de 1 300 colaboradores e presença em áreas como banca, saúde, seguros, utilities e indústria. Em 2019, inaugurou em Lisboa um novo centro de competências, o High Performance Center, com 150 consultores. Em abril do ano seguinte, passou a ser liderada por Tiago Santos Barroso, executivo que sucedeu a Miguel Teixeira, o CEO nos seis anos anteriores.
“Olhando hoje para o mercado [das empresas que nasceram na mesma altura] somos a única sobrevivente que está a trabalhar na primeira divisão e no top das consultoras em Portugal. Isto deve-se a coisas muito simples, nomeadamente ao recrutamento”, explica António Brandão de Vasconcelos, fundador e CEO durante 15 anos.
Artigo publicado na edição 443 da EXAME, de março de 2021