O Governo anunciou esta quarta-feira que vai disponibilizar um pacote de apoio no valor de €9.200 milhões destinado a injetar liquidez junto das empresas perante o impacto negativo da pandemia do novo coronavírus na economia nacional. As medidas incluem a criação de linhas de crédito e a flexibilização de obrigações fiscais e contributivas de empresas e trabalhadores independentes para ajudar a tirar a economia dos “tempos de guerra” em que foi colocada pelas medidas de contenção adotadas.
O pacote de apoio, divulgado em conferência de imprensa conjunta dos ministros das Finanças e da Economia, estabelece uma flexibilização nos pagamentos ao fisco e à Segurança Social, medidas que representam €5.200 milhões no caso da área fiscal e €1.000 milhões na área contributiva. Além disso, serão disponibilizadas garantias a linhas de crédito no valor de €3.000 milhões disponibilizadas pela banca para os setores mais atingidos: turismo, restauração e indústria.
Do lado das linhas de crédito de €3.000 milhões, a grande parte do bolo – €1.300 milhões – será destinado às empresas do setor industrial, como têxtil, vestuário, calçado, indústrias extrativas e do setor da madeira. Desde valor, €400 milhões estão direcionados para micro e PME. Os empreendimentos e o alojamento turístico veem destinada a segunda maior fatia, de €900 milhões, €300 milhões dos quais para empresas de menor dimensão. Ainda no setor turístico, há €200 milhões reservados a agências de viagens, animação e eventos (€75 milhões para micro e PME).
O setor da restauração e similares, um dos mais afetados e que já registou o fecho de milhares de estabelecimentos, terá disponível uma linha de crédito de €600 milhões, dos quais €270 milhões para micro e pequenas e médias empresas.
Pedro Siza Vieira frisou que as linhas poderão ser usadas a partir dos próximos dias, e que terão associado um período de carência até ao final do ano, podendo ser amortizadas em quatro anos. Os apoios agora anunciados já foram notificados à Comissão Europeia para que possam ser autorizados enquanto auxílios de Estado.
O ministro da Economia acrescentou que a linha de crédito de €200 milhões que tinha sido anunciada recentemente como primeira resposta aos impactos económicos da pandemia vai ser revista e flexibilizada e que também serão criadas medidas de flexibilização do cumprimento de obrigações das empresas perante a administração pública.
Impostos e prestações sociais flexibilizados
O Governo anunciou ainda que vai flexibilizar o pagamento de impostos e de prestações sociais no segundo trimestre. O pagamento de IVA mensal e trimestral e entrega ao Estado de retenções da fonte de IRS e IRC, no caso de trabalhadores independentes e empresas com volume de negócios inferior a €10 milhões (em 2018), pode ser feito no imediato; fracionado em três prestações mensais sem juros; ou em seis prestações mensais com juros de mora aplicáveis apenas às últimas três prestações. E não será necessário prestar garantias por parte de pessoas e empresas.
As contribuições para a Segurança Social serão reduzidas a um terço entre março e maio, uma medida para empresas até 50 postos de trabalho. Os dois terços restantes, relativos aos meses entre abril e junho, são liquidados a partir do terceiro trimestre. As firmas com até 250 postos de trabalho podem aceder a este mecanismo se tiverem tido uma quebra do volume de negócios igual ou superior a 20% nos últimos três meses em relação ao mesmo período do ano anterior. O Executivo decidiu ainda suspender por três meses os processos de execução na área fiscal e contributiva que estejam em curso ou que venham a ser instaurados pelas autoridades.
“Este é um primeiro passo, estamos prontos para tomar medidas adicionais para os desafios que temos pela frente, com determinação e responsabilidade,” garantiu Mário Centeno, que recordou que Portugal era até ao final do ano passado o País que mais crescia na Europa Ocidental, sugerindo que a situação criada pela pandemia interrompeu a trajetória de crescimento para a qual apontavam “todos os indicadores” nos primeiros dois meses do ano.
“A contenção implementada está a levar a economia a tempos de guerra,” advertiu ainda o ministro das Finanças, acrescentando que é preciso preparar o regresso à normalidade e que o aumento de liquidez criado com estas medidas equivale a 17% do PIB trimestral.
“É muito importante que país continue a funcionar, que continuemos a estar nos nossos postos de trabalho,” insistiu Siza Vieira, que avisou os empresários para a necessidade de protegerem o emprego e preservarem a capacidade produtiva. “Quando as pessoas voltarem a frequentar locais de lazer e a consumir, as empresas precisarão de ter a capacidade produtiva intacta e de dispor de trabalhadores que nos últimos anos foram adquirindo competência e contribuíram para o crescimento da economia e rentabilidade das nossas empresas,” afirmou.
Moratória nos empréstimos pronta até ao final do mês
Fora do anúncio de hoje ficaram medidas concretas para facilitar o cumprimento das obrigações das empresas perante a banca, mas o ministro das Finanças disse que a possibilidade de constituir uma moratória de capital e juros está a ser tratada entre o Banco de Portugal e as entidades bancárias, através da Associação Portuguesa de Bancos. “A legislação necessária para essa moratória vai ser aprovada até ao fim do mês,” afirmou Mário Centeno.
Entre as medidas já levadas a cabo pelos bancos nos últimos dias para favorecer o uso de cartões no pagamento (reduzindo transações em dinheiro que podem estar associadas a uma maior transmissão do vírus) o ministro destacou a eliminação das taxas mínimas no uso dos terminais de pagamento nas lojas, a eliminação dos limites mínimos normalmente impostos para pagamento com este meio e anunciou o aumento do valor máximo de pagamento em modo contactless (mero contacto com o cartão, sem necessidade de introduzir PIN), que passará dos atuais €20 para €30.
Além disso, também não houve medidas de apoio ao rendimento das famílias, com a conferência a concentrar-se em apoios para a manutenção da capacidade produtiva das empresas e dos trabalhadores independentes. Contudo, Siza Vieira garantiu que também seriam apresentadas em breve iniciativas nessa área.
Centeno abre a porta a OE retificativo
Em resposta aos jornalistas, o ministro das Finanças admitiu que, perante a necessidade de responder à pandemia, poderá ser necessário apresentar um orçamento retificativo na Assembleia da República. Mário Centeno explico que o Governo “tem um conjunto de mecanismos de adaptação ao longo do ano que vão sendo usados”. “Esgotados esses mecanismos ou folgas, não há nenhuma questão que possa impedir que se adapte o OE a estas circunstâncias, nomeadamente através da apresentação de um OE retificativo”, afirmou.
Recorde-se que este Executivo sempre fez ponto de honra em não apresentar retificativos na legislatura anterior, criticando várias vezes o Governo anterior por ter usado frequentemente esse mecanismo. “Não estamos em tempos normais”, sublinhou Centeno. “Os retificativos servem para isso.”
O governante também adiantou que as medidas que foram apresentadas poderão estender-se por mais trimestres, caso a epidemia acabe por se revelar mais grave ou longa. “Seguramente estaremos disponíveis para considerar extensões ou revisões desta estratégia”, assegurou Centeno. Mais tarde, pediria emprestadas as famosas palavras de Mario Draghi: “Faremos tudo o que for necessário.”