A questão ambiental tornou-se central a partir do momento em que os efeitos da poluição sobre o clima, a flora e a fauna do planeta se tornaram claros aos olhos de todos nós – a despeito de uma minoria de irredutíveis – e, simultânea e cumulativamente, a maioria das pessoas passou a admitir que estamos num processo irreversível de alterações naturais com implicações de todos os tipos sobre as gerações actuais e as futuras. É por isso normal que o programa da nova presidente da Comissão Europeia tenha uma fortíssima componente ambiental, com medidas importantes que afectarão os países da União e, também de uma forma directa, os que com a União Europeia se relacionam economicamente por via comercial.
A Europa lidera há muito a luta pela conservação de condições de sustentabilidade da vida na Terra. Seja pelos controlos à poluição das suas empresas, standards ambientais, objectivos de reciclagem e tratamento de resíduos ou, simplesmente, pela promoção de hábitos amigos do ambiente pelos seus cidadãos e pelas organizações do mais variado tipo. A responsabilidade ambiental das empresas, por exemplo, é hoje muito mais a regra do que a excepção.
A preocupação dos europeus com o ambiente é uma das razões que explicam porque hoje a Europa contribui para a emissão global de CO2, por exemplo, com um rácio muito inferior ao do seu contributo para a criação anual de riqueza no mundo. Hoje em dia, a União Europeia (incluindo o Reino Unido) contribui com apenas 10% das emissões globais de CO2, sendo objectivo de Von der Leyen que o contributo da Europa para estas emissões caia em apenas 10 anos para cerca de 5%. Para tal propõe que se reduzam as emissões europeias num adicional de 1,5 mil milhões de toneladas de CO2 por ano. Este valor implica a tomada de medidas adicionais pela União, muito duras e com grande impacto negativo na capacidade de criação de riqueza, no emprego e no bem-estar imediato dos cidadãos.
Acontece que estes custos ocorrerão num período em que o resto do mundo aumentará as emissões de CO2 em aproximadamente 8,5 mil milhões por ano, o que coloca um problema político à Europa. As associações empresariais, sindicatos e muitos cidadãos perguntarão certamente qual o sentido do sacrifício, quando a generalidade dos demais não segue caminho idêntico, pelo contrário, tornando o esforço espúrio. A Comissão e o Conselho só conseguirão passar estas medidas se convencerem a generalidade dos decisores a nível nacional de que vale a pena o esforço. Ora, para que tal aconteça, o exemplo europeu tem de ser seguido.
Não se espera que a administração norte-americana embarque em medidas semelhantes, pelo menos enquanto se mantiver o actual presidente ou alguém ideologicamente próximo. Muitos dos países menos desenvolvidos argumentam que não estão em condições de parar os esforços de crescimento pelo que, sem um acordo global ou medidas adicionais com impacto sobre terceiros, o exemplo europeu não surtirá os efeitos desejados, o que pode, inclusivamente, levar a dificuldades de concretização internas à União Europeia. É por isso que a senhora Von der Leyen avançou com a segunda parte do seu “pacote ambiental”: uma espécie de sobretaxa alfandegária sobre os produtos originários dos países que não cumpram as suas obrigações de redução de emissões (sejam as que decorrem dos tratados internacionais sejam, admito, novas restrições).
Esta segunda parte da proposta de Von der Leyen resolve parcialmente o problema, mas pode exacerbar outro, já em desenvolvimento. Na verdade, dada a posição norte-americana sobre o ambiente, será expectável que os produtos norte-americanos venham a ser objecto dessa putativa tarifa ambiental. Tal não deixará de ser entendido pelos Estados Unidos da América como uma medida proteccionista – que acaba por também ser, inevitavelmente, dado representar um acréscimo de tarifa alfandegária –, o que poderá fazer com que as suas consequências extravasem muito o que inicialmente se supunha e os impactos possam ir muito para além do pretendido.
Ou seja: os objectivos ambientais da nova Comissão são louváveis e até necessários. Só que o exemplo europeu de pouco servirá se não for seguido. A Europa vai ter de se preparar para os custos de impor a sua vontade a outros nesta matéria e, por isso mesmo, reflectir bem sobre como os atingir. O desenho concreto da política pública e os apoios externos que ela possa recolher vão, em última análise, determinar a sua eficácia e até o seu sentido.
Artigo publicado na edição de setembro de 2019 da revista EXAME