”O encontro foi marcado em três minutos, quase como se estivéssemos a trocar SMS ao invés de emails. Só pelas mensagens era possível perceber que Ana Miranda tinha um ritmo acelerado, mas nada nos preparou para aquilo que acabámos por encontrar: um furacão em forma de gente, de sorriso estampado no rosto e com olhar vivo e certeiro. Numa conversa descontraída, num sofá da Fundação Calouste Gulbenkian, a fundadora e responsável pelo Arte Institute de Nova Iorque revelou à EXAME como em apenas 8 anos já conseguiu colocar a cultura portuguesa em 34 países e 85 cidades do mundo, através de teatro, poesia, música, artes plásticas ou literatura.
Atualmente conta com um orçamento anual de 120 mil dólares – cerca de 107 mil euros –, com os quais organiza 125 iniciativas pelo mundo e consegue que todos os artistas sejam pagos. Já seria uma história curiosa, mas, se tivermos em conta que foram precisos quatro anos para que conseguisse ter acesso a qualquer tipo de financiamento, torna-se ainda mais.
É que, afinal, o Arte Institute aconteceu quase por acaso, e durante os primeiros tempos viveu apenas do salário que Ana ganhava e que tinha de chegar também para se sustentar na cidade que nunca dorme.
Mas comecemos pelo princípio: quando em 2006 a então atriz e produtora começou a ser criticada pelos seus pares, porque “tinha de escolher uma das carreiras ao invés de tentar ser as duas coisas”, achou que era hora de sair de Portugal. Fez as malas e decidiu ir para ao Brasil, onde já tinha na mira trabalhos de produção. No entanto, fez uma escala de três meses em Nova Iorque, antes de ir instalar-se em terras de Vera Cruz, para estudar mais um pouco.
“Odiei a cidade no primeiro mês que lá vivi. Depois apaixonei-me irremediavelmente e já lá vivo há 13 anos”, conta no seu registo acelerado, sorridente e quase sem pausas para respirar. Desdobrou-se, como qualquer estudante recém-chegado aos EUA, em trabalhos para se sustentar: vendeu em lojas, foi jornalista, trabalhou para a missão portuguesa nas Nações Unidas e para uma galeria. Ao fim de um tempo, começou a ficar aborrecida com o facto de ninguém saber onde era Portugal – ou de lhe dizerem que gostavam muito do Carnaval da sua terra – e de haver pouquíssima expressão da cultura nacional em Nova Iorque.
“Entretanto fiz um curso de edição de imagem, no qual tive de produzir uma curta. Essa curta ganhou o New Film Makers desse ano e, quando fui receber o prémio, estava lá sentada a pensar que realmente a curta não era espetacular: as outras é que eram todas muito terríveis. Há cinco anos já fazíamos em Portugal coisas muito melhores do que aquilo. E comecei a pensar porque não havia em Nova Iorque uma mostra de cinema português.”

Ana Miranda falou com a EXAME na Fundação Calouste Gulbenkian, durante uma passagem por Lisboa
José Carlos Carvalho
Estávamos em 2011 e Ana é rápida a passar dos pensamentos à ação. “Meti na cabeça que ia perder um mês de ordenado e que ia fazer um festival de curtas portuguesas. As pessoas diziam que eu era maluca, que aquela era uma ideia megalómana, que não havia espaço para a cultura portuguesa…” Mas assim que ganhou o prémio, saiu da sala começou a contactar pessoas em Portugal e a pedir os filmes. Solicitou ajuda à ZON, selecionou as curtas e decidiu que ia apresentá-las em simultâneo em Nova Iorque e em Lisboa. Pediu auxílio a um primo e começou, literalmente, a bater às portas. “Fui ao Parks and Recreation perguntar se podíamos ter um rooftop para passar os filmes. O que nem fazia sentido, porque não se ia ver nada, mas eu só tinha 200 dólares para gastar, e portanto… Passados três dias responderam-me a dizer que iam dar-me um espaço em frente à [livraria] Barnes&Nobles, na Rua 14, que era um pavilhão que iam estrear e onde nunca tinha havido nada de Portugal. “Estes senhores não estão a falar do Union Square Park!”, pensei na altura. Não era possível! Tinha de ser algo Brooklyn ou no Harlem!”
A verdade é que o espaço era mesmo em Manhattan, e eles estavam dispostos a cedê-lo gratuitamente, além de disponibilizarem o projetor. Em Lisboa, as curtas passaram no Auditório Carlos Paredes. Depois daquela mostra, os responsáveis pelo espaço pediram-lhe que continuasse com uma programação dedicada a Portugal que eles teriam todo o gosto em apoiá-la. Ana teve 30 segundos de pânico – “os filmes bons já eu tenho aqui, o que tenho eu mais para mostrar?” – mas voltou a pôr mãos à obra.
Oito anos passados, continua a apresentar uma programação diversa e a ganhar adeptos na cidade que já confunde menos Portugal com Espanha ou com o Brasil. Ana é, na verdade, toda a estrutura do Arte Institute, apesar de parecer que há uma grande equipa por detrás do trabalho feito. Ela e dois designers freelancers, uma vez que o primo Rui abandonou, entretanto, a empresa. Depois de quatro anos a financiar o projeto com o próprio salário, já consegue viver da instituição, apesar de “não ter um seguro de saúde”, atira com uma gargalhada. “Ainda me sai mais barato ir para o aeroporto, quando estou doente, e vir a Portugal.”
Da lista dos seus associados fazem parte a EDP, a Fundação Luso-Americana, a Caixa Geral de Depósitos ou o grupo Pestana (através de um plafond mundial que permite a utilização dos seus hotéis). “Também tínhamos a TAP, que era muito importante porque contribuía com os voos, mas este ano, até ao momento, não obtivemos resposta. Espero que dê certo, porque nos permitia ter uma agilidade muito grande e levar equipas maiores para os projetos.”
Salienta e repete que as empresas não fazem donativos ao Instituto.
“As empresas pagam um membership. Isso significa que lhes damos contrapartidas, que é mais do que colocar um logótipo. Por exemplo, se algum dos nossos membros nos pedir para irmos fazer uma iniciativa, como já aconteceu com a CGD, a Berlim ou a África, temos de ir e produzimos tudo. Nós é que programamos, contactamos os artistas, fazemos os vídeos, os materiais promocionais… é um produto chave na mão.” Tal como se um destes membros quiser ir a Nova Iorque, o Arte Institute pode ajudar no aluguer de espaços, por exemplo, onde tem vantagens fiscais por ser uma entidade sem fins lucrativos.
Ana pede ainda que fique bem claro que aos artistas é sempre pago um caché, e que o instituto não cobra nenhuma taxa por esse serviço. O grande objetivo é ajudar os artistas portugueses a internacionalizarem-se e conseguir levar o nome do País mais longe, pelo que cobrar uma taxa é algo que nunca lhe fez sentido. No entanto, não deixa de lamentar que alguns artistas se “esqueçam” de referir o instituto quando conseguem alguns espetáculos importantes.

Beatriz Nunes é cantorade jazz e a atual vocalista dos Madredeus
D.R.
Não é o caso de Beatriz Nunes, que estava a dar um concerto em Nova Iorque à exata hora em que este texto estava a ser escrito. A atual vocalista dos Madredeus lançou, em 2018, um disco a solo – Canto Primeiro – e apresentou-se em nome próprio no DROM, uma sala de espetáculos em East Village, no início de maio.
“Conheci a Ana Miranda no ano passado. Aproveitei a oportunidade de estar em Nova Iorque para agendar um café e apresentar-lhe o meu projeto. Houve uma empatia mútua verbalizada pela Ana, de duas mulheres empreendedoras e com iniciativa, a implementarem os seus projetos”, explica à EXAME, em vésperas do concerto. A responsável da instituição convidou-a, menos de um ano depois desta primeira conversa, para voltar à Grande Maçã e apresentar o seu repertório original em português.
Beatriz realça que “a relação foi sempre muito informal” e dotada de grande disponibilidade. Revela ainda que, “após o primeiro café, houve um segundo encontro já na casa da Ana Miranda onde pude conhecer um pianista português a residir em Nova Iorque, o Renato Diz. Na hora seguinte já estávamos a ajudar a transportar um projetor e uma tela para um parque no Soho, onde o Arte Institute estava a organizar uma exibição de cinema ao ar livre. Como se pode ver, a relação tornou-se logo próxima e fácil. Percebe-se que Ana quer fazer as coisas acontecer, nem que para isso tenha de carregar sozinha cadeiras e tela e projetor, como muitas vezes faz”.
Além do espetáculo no DROM, Beatriz Nunes apresentou-se também em Fall River, num espetáculo organizado igualmente pelo Arte Institute. Em ambos os dias, foi acompanhada pelo guitarrista português André Silva, que vive em Nova Iorque. E é precisamente este tipo de sinergias que Ana quer continuar a promover, mesmo que o seu orçamento não aumente.
Aliás, quando há pouco dinheiro, Ana não baixa os braços: “Peço. Faço trocas. Ponho a funcionar parcerias. O truque é sempre pedir e tentar dar algo em troca!”, atira como se fosse óbvio. Suportado, desde o início, por uma página na internet, Ana percebeu que o Arte Institute ganhava mais em ser um espaço virtual do que em apostar num lugar físico. “Foi através de galerias, de vídeos que conseguimos levar a arte portuguesa a tantos países.”
Hoje, o organismo trabalha também a cultura dos Países de Língua Oficial Portuguesa e consegue, através da rede de contactos que desenvolveu, garantir que um espetáculo é apresentado sempre em mais do que uma localização. “Isso faz com que, por exemplo, um artista possa ganhar um caché mais baixo num espetáculo em África, mas depois um muito mais alto na Ásia. No final, bate tudo certo”, sorri.
Ainda não sabe onde poderá estar o Arte Institute daqui a oito anos, mas tem a certeza de que conseguirá fazer chegar ainda mais longe a língua de Camões. Afinal, e como diria Ana, inspirada pela canção, “if i can make it there, i’ll make it anywhere”.