Em dias chuvosos como este, algures no início do inverno, é difícil imaginar, do alto deste prédio de escritórios no Restelo, uma vista mais cinzenta sobre Lisboa. Mas no conforto da sala de reuniões na sede da Sotheby’s International Realty Portugal, para cá das janelas largas que se abrem sobre um dos destinos imobiliários mais caros do País, o panorama parece soalheiro e sem nuvens. Os anos da recuperação e valorização do setor estão a fazer brilhar a faturação desta rede especializada em imóveis de luxo.
No ano passado, segundo o diretor-geral Miguel Poisson, a atividade da marca acompanhou os recordes nacionais com a venda de mais de 300 imóveis, enquanto o volume de transações, realizado através dos oito escritórios da marca, superou pela primeira vez os €300 milhões. Quase uma casa ou terreno vendidos por dia e uma média de €900 mil envolvidos em cada operação. “As moradias tendem a ir para vários milhões. Na zona de Lisboa, as compras institucionais para embaixadas ou universidades podem superar os €10 milhões”, elenca Miguel Poisson em entrevista à EXAME. Os escritórios do grupo Sotheby’s em Portugal estão espalhados pela Lisboa metropolitana, Porto, Madeira e Algarve, mas é a capital que tem um peso preponderante nas contas do grupo. Em 2017 (data dos últimos relatórios disponibilizados pela Informa D&B), aquelas oito empresas faturaram um conjunto de €12,4 milhões. Desse valor, 75% teve origem na atividade combinada dos quatro escritórios localizados na Área Metropolitana de Lisboa.
Nos últimos anos, o imobiliário de luxo assistiu ao regresso em força da classe alta portuguesa, de olhos postos sobretudo na compra de segundas e terceiras habitações em regiões como o Algarve e o Douro. Mas o maior impulso no caso da Sotheby’s veio de além-fronteiras, a origem da maioria (70%) dos seus clientes em Portugal. Atraídos por fatores como a segurança, o clima, a tolerância religiosa e em busca de aplicar e rentabilizar as suas poupanças na forma de cimento, telha e tijolo, procuram a localização ideal e a melhor vista, de preferência com bons acessos.
Os franceses são os que mais compram, os brasileiros os que mais crescem, ao passo que os britânicos – a braços com um Brexit que não se decide – recuaram para terceiro na lista das principais nacionalidades clientes da rede. A maior parte procura casa para uso próprio e cerca de 20% tem em vista a sua colocação no mercado de arrendamento, um negócio que, de acordo com o responsável, pode oferecer rentabilidades de 3% a 5%, e ainda maiores no caso do alojamento local. Entre os 4 mil imóveis que a Sotheby’s tem em carteira a nível nacional, as moradias são as mais procuradas em Cascais e no Estoril, enquanto no Porto e no Algarve disputam a preferência com os apartamentos. A sul, privilegiam-se os T3 e as localizações de primeira linha.
Os números oficiais confirmam o crescimento da apetência estrangeira por Portugal, maioritariamente concentrada no Algarve e na capital. Em cinco anos, enquanto se fazia a saída da crise, estes compradores mais do que triplicaram o valor gasto em imóveis, e o preço que pagaram por cada um foi superior, em 50%, à média praticada a nível nacional. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), dos bolsos de estrangeiros (franceses e britânicos à cabeça) saiu, em 2017, mais de 10% do valor total aplicado na compra de imóveis (urbanos, rústicos e mistos) no País, quase €2 800 milhões. Nesse mesmo ano, mais de um terço do valor total gasto por cidadãos não residentes em imobiliário foi aplicado em imóveis com preço igual ou superior a €500 mil.
Muitos vêm convencidos pelas condições fiscais associadas ao Estatuto de Residente Não Habitual ou pelo acesso privilegiado ao espaço Schengen, garantido, nos últimos anos, pela emissão de sete mil Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI, ou Vistos Gold). Dos €4,3 mil milhões em investimento, angariado por esta via de outubro de 2012 a janeiro deste ano, 90% resultaram da compra de imóveis que valiam, cada um, meio milhão de euros ou mais.
Esta autoestrada de investimento fez desaguar no País, sobretudo, cidadãos da China, Brasil e Turquia. Mas, no caso da Sotheby’s, os negócios envolvendo Vistos Gold têm sido residuais, não chegando aos dois dígitos percentuais. “Muitos dos nossos clientes investem em Portugal por uma questão de estilo de vida e não fiscal,” garante Miguel Poisson. O que não quer dizer – complementa – que esta via de captação de investimento não possa trazer ainda mais cidadãos brasileiros com elevado poder de compra, bem como norte-americanos, que “vão ser a próxima onda de grande investimento em Portugal.”
Entre os estrangeiros, a regra é pagar a pronto, mas os baixos custos de capital associados a taxas Euribor negativas e a spreads reduzidos pode vir a colocar o crédito cada vez mais no seu mix de financiamento, como já acontece hoje com os residentes. Estes, que representam a maioria das transações globais de imobiliário para habitação em Portugal, mais do que duplicaram, desde 2012, o valor total que gastaram com a compra de casas. Em paralelo, a avaliação bancária disparou para máximos de mais de uma década e o número de contratos de compra e venda recuperou dos mínimos da crise e acima dos valores de 2008.
A concessão de crédito para compra de habitação tocou, ao longo do ano passado, máximos de uma década e levou o Banco de Portugal a recomendar medidas para garantir que os bancos “não assumem riscos excessivos na concessão de novo crédito”, nomeadamente limitando as taxas de esforço. Mais recentemente, na sua avaliação pós-programa, a Comissão Europeia alertou para o impacto negativo que atividades como o turismo estão a ter nos preços da habitação em Lisboa e no Porto, sobretudo junto de “grupos socialmente vulneráveis”. Mas o diretor-geral da Sotheby’s rejeita que atrás deste aquecimento dos preços estejam sinais de uma bolha imobiliária.
“Não há. O que houve foi um ajustamento estrutural do País para o local onde merece estar. Portugal cresceu e ocupou o seu lugar”, sustenta. Houve, defende, uma “grande quantidade de imóveis” comprada a partir de 2012, coincidindo com o fecho da torneira de crédito dos bancos, que obrigou a um maior recurso a património próprio. Esta circunstância, acrescenta, faz com que, em caso de necessidade de revenda rápida desses imóveis, o impacto social seja agora menor. “Antes, quem não podia pagar a prestação ficava sem a casa. Mas Portugal não cresceu com pés de barro, foi-se musculando ao longo do tempo”, argumenta.
Preços crescem menos
Ainda assim, o crescimento dos preços no mercado do luxo desacelerou no final do ano, quando, segundo a Sotheby’s, as zonas nobres de Lisboa evoluíram de forma residual face ao desempenho dos últimos três anos. A suspensão de novos registos de alojamento local em algumas zonas da Baixa e os valores praticados no triângulo dourado Chiado-Avenida da Liberdade-Príncipe Real, que já rivalizam com outras capitais na Europa com custo de vida mais elevado, leva a procura a fluir para lá do centro da capital.
“Muitos dos investidores, que no início procuravam só estas zonas, estão a começar a procurar outras, o que faz com que haja um ajustamento da procura face à oferta. E em algumas zonas e nichos, onde há falta de oferta – como nos imóveis novos em Lisboa –, a entrada de algum produto no mercado pode ajudar a esta desaceleração”, especifica. Lumiar, Telheiras, Campolide e parte de Alcântara são consideradas agora zonas com rentabilidades apetecíveis. A norte, no Porto, onde a dinâmica está dois anos desfasada de Lisboa, o potencial de crescimento ainda é “interessante”, detalha.Uma incógnita do outro lado da Mancha.
Entre julho e setembro de 2018, o índice de preços da habitação, ainda que no valor mais elevado de sempre, voltou a crescer menos, pelo segundo trimestre consecutivo, em termos homólogos. Já a Comissão Europeia, nas suas previsões intercalares de inverno, anteviu uma moderação ainda maior do preço das casas neste ano e no próximo, à boleia da recuperação gradual da oferta (mais casas no mercado) e do abrandamento da procura externa, perante as incertezas internacionais do Brexit e dos conflitos comerciais.
A indefinição no processo de saída do Reino Unido da União Europeia e as suas potenciais consequências no valor da libra já estão, segundo a Bloomberg, a atrasar a decisão de compra de casa de britânicos em empreendimentos como a Quinta do Lago, no Algarve. Mas o que parece um risco pode também tornar-se oportunidade para destinos como Portugal, caso os ingleses optem por transferir as suas poupanças para a Zona Euro, investindo-as em imobiliário. “Se a libra continuar a depreciar, um dia que queiram vender os seus ativos e repatriá-los, valerá mais do lado de cá”, acredita Miguel Poisson.
Do alto do edifício no Restelo, o diretor-geral vê um horizonte com espaço para crescimento – mas com os pés no chão. Perspetiva um mercado dinâmico, em que os bancos continuarão a emprestar, e vê Lisboa e outras zonas do País a crescer a várias velocidades, embora a ritmos mais moderados do que no passado. “É o ano da consolidação no imobiliário. Não vejo o que aconteceu em Portugal como uma questão conjuntural, há questões estruturais”, afirma o diretor-geral da Sotheby’s, que aposta mais numa estabilização dos preços do que no decréscimo da valorização dos imóveis.
“A partir daqui, Portugal dificilmente voltará ao lugar que ocupava antes – e que era um bocadinho desadequado. Podemos ter pequenos crescimentos ou decréscimos, mas sempre num patamar mais elevado”, defende, sublinhando o efeito positivo da manutenção dos regimes fiscais que atraíram investidores e do lançamento de novas medidas para dinamizar o arrendamento de longa duração, que também vai colocar mais oferta no mercado.
A filial portuguesa da imobiliária de luxo da Sotheby’s é hoje a mais rentável de toda a zona Europa, Médio Oriente, Índia, Rússia e África (EMEIRA). Este ano prevê que as vendas cresçam 50% para superar os €400 milhões em transações de imóveis, através da presença crescente em obra nova, como acontece com a aproximação à Vanguard Properties, do francês Claude Berda – que está a desenvolver o projeto White Shell no Algarve e que comprou a Herdade da Comporta com a Amorim Luxury. O número de colaboradores passará dos atuais 200 para os 250 e, nos próximos três anos, abrirão pelo menos mais três escritórios, cobrindo novas regiões do País.
Mas nem tudo são rosas num dos setores mais dinâmicos da economia. Segundo Miguel Poisson, existem demasiados operadores no mercado, que não estão suficientemente preparados para prestar um bom serviço aos clientes. Por isso, é preciso disciplinar o setor, em particular alguns intermediários freelancers que, diz, prestam um mau serviço ao cliente e ao setor. A solução passa por criar “mínimos olímpicos” para poder atuar no setor da mediação imobiliária, depois da liberalização imposta por diretiva europeia. “É uma questão de vontade política. Há pessoas a fazer mediação imobiliária sem saber do que estão a falar. (…) Deviam ser afastadas deste setor”.