João Gonçalves torce a nariz sempre que ouve alguém falar em Estratégia Nacional para o Mar. “Devemos ter para aí uma meia dúzia delas. Sempre muito bem-feitas, muito bem elaboradas e com todas as possibilidades bem elencadas…”, ironiza o diretor do Okeanos, Instituto de Investigação para as Ciências do Mar, da Universidade dos Açores. “No papel funcionam às mil maravilhas, o problema está na sua transposição para a prática.” E dá as pescas como exemplo: “Sabemos mais sobre um pequeno monte submarino do que sobre a pescaria tradicional com armadilhas, que nunca ninguém estudou”, e é precisamente porque não existem financiamentos para fazê-lo que o professor questiona, em jeito de desafio, “como podemos fazer evoluir essas pescarias clássicas para outras formas mais sustentáveis?”.
É essa a missão do Okeanos: ser um braço para a investigação, produzir e difundir conhecimento científico, mas também providenciar o aconselhamento e o apoio técnico às entidades governamentais, especialmente ao governo regional, e fornecer informações que possam ser exploradas como oportunidades de crescimento na chamada “economia azul”.
Estão envolvidos em projetos que vão desde a conservação das tartarugas marítimas à avaliação dos stocks de pescado regionais, da participação no EMBRC, o centro europeu para a avaliação dos recursos marinhos, ao MEESO, outro projeto europeu que procura encontrar formas sustentáveis de explorar as espécies mesopelágicas (que vivem entre os 200 e os 1 000 metros de profundidade), o último recurso ainda inexplorado.
“A economia do mar”, diz, “precisa de ser diversificada e sustentável a longo prazo, pois só assim poderemos retirar todo o seu potencial. Não existem, e não vão surgir recursos milagrosos”, e o problema para conseguir cumprir estas missões está precisamente na lógica de curto prazo subjacente a todo o planeamento científico nacional – baseado na atribuição de bolsas a três anos –, o que impossibilita o estudo de temas que exijam um acompanhamento mais longo. Neste tipo de investigação, “o que fazemos é como procurar ouro: precisamos de peneirar muito até aparecer algo de interessante, o que geralmente não acontece em apenas três anos”.
É este paradigma que o Okeanos se propõe alterar, procurando manter um corpo de investigadores com vínculos mais longos. Fundado em 2015, o instituto, cujo nome é inspirado no deus grego das águas, é herdeiro do Departamento de Oceanografia e Pescas, da Universidade dos Açores, criado na Horta em 1976. Conta atualmente com uma equipa de perto de 100 pessoas, entre investigadores (o grupo principal), doutorandos, técnicos, pessoal administrativo e operacional.
Finalmente, 2021 trouxe a autonomia administrativa e também o financiamento direto por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia, dois passos essenciais no caminho “para criar um centro relevante, capaz de liderar projetos de investigação ao nível nacional, bem como internacional”. É essa a ambição de uma região, personificada num diretor que não é açoriano de nascimento, mas por convicção.
João Gonçalves nasceu em Moçambique, perto de Maputo, e foi estudar para Lisboa com apenas 11 anos. O apelo do mar só surgiu mais tarde, ao tirar um curso de mergulho no Centro Português de Atividades Subaquáticas: “A sensação de estar dentro de água, de ver o mundo dessa perspetiva, mudou a minha vida”, recorda, e a primeira vítima foi o curso de Medicina trocado pelo de Biologia, “já com o objetivo de dedicar-me ao mar”.
Os Açores entram em cena mais tarde, após a licenciatura concluída em 1989, e com muitas dúvidas a princípio: “Não conhecia nada e estava com muita relutância em vir”, mas foi amor à primeira vista: “Os Açores são espetaculares, sobretudo para quem adora fazer mergulho. Em Lisboa, para chegar a alto-mar temos de navegar várias horas, mas aqui, a 10 milhas da costa, já estamos com dois mil metros de profundidade. O mar profundo está mesmo aqui à porta, e é por isso que faz todo o sentido sediar esta investigação aqui na região. Os Açores são o nosso laboratório de investigação natural.”
Oceano de Esperança é um projeto da VISÃO em parceria com a Rolex, no âmbito da sua iniciativa Perpetual Planet, para dar voz a pessoas e a organizações extraordinárias que trabalham para construir um planeta e um futuro mais sustentáveis. Saiba mais sobre esta missão comum.