Peço desculpa aos leitores não familiarizados com a geografia de Lisboa. Digamos que os locais que vou descrever são considerados, na capital, “betinhos”, relativamente seguros e bem frequentados. Os leitores de outras geografias poderão, por obséquio, adaptar esta toponímia ao seu próprio território. Assim, imaginemos que o leitor era caucasiano, morador na Avenida de Roma e se deslocava no seu bom carro, do tipo SUV, tentando escapar a uma ordem de paragem da polícia, efetuada na Praça de Londres (um dos extremos da avenida), sendo imobilizado já próximo do Forum Lisboa (mais ou menos a meio). Suponhamos que, de forma atabalhoada, talvez alcoolizado, vestido com o seu fato Boss e já com a gravata à banda, tentava, desarmado – DESARMADO! – resistir à polícia: acha que levava um tiro? Pois. Eu também acho que não. Mas o caso muda de figura se o leitor tiver uma tez mais escura e viver no Bairro do Zambujal.
Esta é a verdade inconveniente. Por mais voltas que se dê, vamos sempre parar ao mesmo. Podemos, rasgando as vestes, recusar tomar a nuvem por Juno e descartar quaisquer motivações racistas no padrão policial. Podemos mesmo afirmar, com segurança, que ainda que o leitor da Avenida de Roma tivesse levado um tiro, nunca passaria pela cabeça dos jovens residentes das Avenidas Novas desatar a incendiar autocarros.