Diariamente, no mundo, são administradas 37,05 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19. Embora a ritmos desiguais, a proteção face ao SARS-CoV-2 avança a bom ritmo, mas nas redes sociais proliferam os defensores da ideia de que somos cobaias de uma experiência à escala global (teoria inspirada no Fórum Económico Mundial, que teve lugar em Davos, no ano passado, em que se referiu que a pandemia era uma rara janela de oportunidade para refletir, reimaginar e redesenhar o mundo: o “Great Reset”).
Agora, que a variante Delta preocupa as autoridades de saúde de todo o mundo, muitos olham com desconfiança para as recomendações para a vacinação dos mais jovens e as decisões institucionais, sejam a do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, que aceitou a recomendação do Comitê Consultivo em Práticas de Imunização para administrar doses extra da vacina (Pfizer-BioNTech, Moderna) a pessoas imunocomprometidas, em grau moderado ou severo, ou da Organização Mundial da Saúde, apelando à partilha de know-how e à doação de doses, sob o lema “A iniquidade das vacinas é má para os negócios”.
É mesmo possível que as vacinas sejam experimentais?
Helder Mota Filipe, ex-presidente do Infarmed e docente na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, começa por esclarecer que “qualquer medicamento que entre no mercado foi aprovado seguindo todos os passos para tal; no caso da Covid-19, criaram-se condições para que esses passos fossem mais rápidos e feitos em paralelo”. Dizer-se que é experimental não passa de um grande equívoco, que pode ter a ver com a designação de “autorização de introdução no mercado condicionada”. Ou seja, “para serem aprovadas, a indústria teve de respeitar a condição de prolongar os estudos por dois anos e fornecer os dados à Agência Europeia do Medicamento”. Este tipo de autorização aplica-se a fármacos desenvolvidos para o cancro e outras doenças, “mas isso não quer dizer que seja experimental”.
Ainda assim, seremos cobaias?
“Não, porque foram feitos todos os ensaios clínicos para a aprovação.” E prossegue, referindo-se à farmacovigilância: “Os medicamentos e vacinas que estão no mercado são sujeitos a supervisão e monitorização para identificar efeitos adversos que não o tenham sido antes, nos ensaios”. Foi o caso dos fenómenos tromboembólicos (da Astrazeneca), numa fase inicial, “raríssimos” e, mais recentemente, das miocardites, “que parecem ser pouco graves e sem problemas a longo prazo”. O docente lembra que “isto faz parte da vida de qualquer medicamento, estas vacinas é que têm um holofote especial e até estão a demonstrar uma melhor performance do que eu esperaria, seguras e eficazes na prevenção da doença grave e da morte”. Aliás, “não fossem estes procedimentos éticos, também nos ensaios clínicos com voluntários, que têm consentimento informado e aí sim, as pessoas seriam cobaias”.
O investigador Miguel Prudêncio, do Instituto de Medicina Molecular, considera que é um erro aplicar a designação aos voluntários que participaram nas várias fases dos ensaios clínicos mas, seguindo essa linha de raciocínio, argumenta com factos: “Somos tão cobaias da vacina como do paracetamol, pois tudo o que está no mercado é alvo de monitorização”. Assim se justifica que “as bulas vão mudando à medida que se vai sabendo mais sobre reações raras, efeitos inesperados ou sinais que suscitam preocupação.” Sobre o fazermos parte de uma experiência”, faz saber que “a sua segurança e eficácia das vacinas foram comprovadas e a sua autorização partiu das agências reguladoras, que têm peritos independentes, sem ligação à indústria farmacêutica”.
Importa lembrar ainda que as vacinas, em geral, não previnem a infeção, minimizam, sim, o risco de doença grave e de morte. No caso das variantes, passa-se o contrário. De novo, a palavra a Helder Mota Filipe: “Quanto mais gente for vacinada, e mais depressa, menor o risco de aparecerem novas variantes.” Sendo a variante Delta “um upgrade da pandemia, 60% mais transmissível, duas vezes mais grave e aumenta o risco de reinfeção (após seis meses) em 46%”, como afirmou o pneumologista Filipe Froes à TVI24, no dia 16 de agosto, mais se justifica a toma. Valendo-se dos números do CDC, o responsável pelo Gabinete de Crise da Covid-19 da Ordem dos Médicos demonstrou que “a eficácia da vacina reduz em oito vezes o risco de infeção, em 25 vezes o dos internamentos e em 25 vezes, também, o dos óbitos”. Sem imunidade de grupo à vista para a variante, “contamos com a proteção individual e de grupo”.
E no caso da terceira toma (autorização de emergência pedida pela Pfizer à FDA)?
“Estamos a assistir à maior campanha de vacinação da História”, observa o imunologista Luís Graça. O coordenador adjunto da Comissão Técnica de Vacinação Covid-19 salienta que “os ensaios clínicos não incidiram sobre a duração da proteção conferida pela vacina, isso está a ser monitorizado para identificar se há grupos que possam beneficiar de reforço”. E deixa uma nota a quem pensa que somos cobaias: “Neste momento, com o que conhecemos da proteção dada pelas vacinas, seria pouco aceitável fazer uma experiência com a vacinação, por sujeitar pessoas não vacinadas a um risco demasiado elevado.”
Conclusão
FALSO: A vacina Covid-19 não é experimental e não somos todos cobaias do seu uso de emergência. Para serem aprovadas, as marcas que estão no mercado foram sujeitas às regras da comunidade científica e aos códigos de ética, passaram por todas as fases dos ensaios clínicos.
Além disso, tal como sucede com outras vacinas e medicamentos, estão abrangidas pela farmacovigilância, para que sejam monitorizadas reações não detetadas nos ensaios e fazer ajustes, se necessário, para garantir eficácia e segurança.
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