“Os dias em que tínhamos de fabricar cimento eram terríveis”, confessa Marcos Farias Ferreira, 45 anos, ao recordar a sua estada nas ilhas Fiji, no Pacífico Sul, há cinco anos. Durante quatro semanas, ajudou a construir um depósito de água numa comunidade remota do arquipélago, com a agravante de ser obrigado a suportar o sol sem poder cobrir a cabeça – um privilégio reservado ao chefe da aldeia. “Temos de ser humildes e respeitar as tradições locais”, explica o docente de Relações Internacionais do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa. As condições extremas não o desmotivaram. No ano seguinte, voltou às Fiji.
Há uma década que Marcos Farias Ferreira dedica os seus dias de férias (só falhou dois anos) a contribuir, no terreno, para programas de desenvolvimento social. “Às vezes penso que é a última vez, porque é muito cansativo, mas depois acontece alguma coisa que me estimula a continuar”, revela. O estímulo pode ser testemunhar em primeira mão a importância de as famílias terem água para cozinhar ou constatar que as escolas onde deu aulas eram o único espaço onde as crianças podiam ser crianças. Até à aventura nas Fiji, foi professor do ensino básico em zonas carenciadas da América Latina durante as férias. Passou por Guatemala, Equador, Peru, Nicarágua. “Até a expressão das crianças mudava quando estavam na escola em vez de estarem a trabalhar”, conta, com a mente em Pablo, um jovem peruano de 13 anos que se dividia entre o trabalho noite dentro numa padaria e as aulas durante o dia.
Recuperar a “dignidade do trabalho”, ou seja, “ver o impacto do que se faz na vida das pessoas” é uma das suas principais motivações. Quanto ao descanso… “Nunca me senti tão produtivo como quando estive fora. Se calhar não me interessa descansar, mas ter liberdade para pôr em prática o que sei fazer.” Tem viajado ao serviço da organização Global Vision International, à qual oferece as suas férias, além de pagar as viagens, o alojamento e fazer um donativo para o projeto no qual vai colaborar. Os programas de um mês variam entre os 1500 e os 2000 euros, consoante o destino (com donativo incluído).
Os seus alunos de Relações Internacionais beneficiam dos documentários que costuma fazer. Quando esteve no Ruanda a trabalhar num orfanato, há dois anos, recolheu o testemunho de um sobrevivente do genocídio que traumatizou o país em 1994 (um dos poucos lugares onde se sentiu em perigo, quando algumas pessoas não gostaram de o ver filmar no mercado…). E exibiu o vídeo nas aulas. “Colocarmo-nos nas circunstâncias dos outros é importante para abandonarmos uma certa complacência relativamente ao estado do mundo”, defende. “Isto não é turismo. Quanto mais distante estiver de uma experiência turística, mais forte é a relação que se estabelece com as pessoas.” Às vezes, acrescenta alguns dias de lazer à viagem ou a própria organização não governamental (ONG) organiza visitas culturais ao fim de semana. Na bagagem, traz o principal souvenir que procura transmitir aos seus alunos (e não só): “Respeito pelo pluralismo”.
Licença para ajudar
Ter a humildade de contribuir sem querer transformar tudo à imagem das tradições ocidentais também foi uma das principais lições que Marta Pinto-Leite, 45 anos, diretora jurídica da Siemens, aprendeu em Nampula, Moçambique. Outro ensinamento valioso foi o de que não seria capaz de mudar o mundo sozinha (“às vezes, é preciso chamar à Terra os mais ansiosos por fazer a diferença…”). A sua paixão por África era antiga, assim como a ligação ao voluntariado – supervisionou as primeiras eleições democráticas na Bósnia e deu consultas jurídicas na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Este ano, sentiu que tinha chegado o momento de “parar o turbilhão do quotidiano” e sentir-se útil.
A compreensão da família e da entidade patronal foi fundamental, mas o que realmente a preocupava era encontrar a melhor forma de explicar aos três filhos rapazes, de 10, 13 e 16 anos, os motivos que levavam a mãe a tirar uma licença sem vencimento de um mês, mais duas semanas de férias, para acompanhar a ONG portuguesa Helpo numa das suas missões.
“Passei a primeira semana com o meu marido e os meus filhos em Maputo para eles conhecerem um pouco da realidade que eu ia enfrentar”, conta, ainda a refazer-se da viagem de há dois meses. Descarregar contentores, organizar o material doado, visitar orfanatos e as comunidades onde estão os projetos apoiados pela Helpo foram algumas das tarefas que desempenhou. “O nosso papel era confirmar se as crianças apadrinhadas pela associação continuavam a ir à escola, em vez de os rapazes serem desviados para trabalhar na machamba [terreno agrícola] e as raparigas casarem aos 12 ou 13 anos.” Ao longo da missão, manteve uma espécie de diário a pensar nos filhos, a quem enviava fotografias dos miúdos que ia conhecendo todos os dias. E a curiosidade dos rapazes manifestou-se: “Ficaram muito admirados quando lhes contei que muitas crianças não falavam português e perguntavam-me como eram as casas deles, se iam à escola todos os dias ou se podiam ir ao médico quando estavam doentes”. Atualmente, cabe a Lourenço, Gonçalo e Vasco escrever aos afilhados que a mãe conheceu em Nampula, e a quem patrocina a educação: um rapaz de 7 anos a frequentar o 1º ano e outro de 23 que voltou a estudar e está inscrito no 9º ano.
Marta pagou a viagem e ficou alojada numa casa financiada pela Helpo: “Estava muito bem instalada porque havia casa de banho”, relativiza. “Mas tínhamos de poupar ao máximo na água, eletricidade e comida.” O transporte fazia-se nos tradicionais chapas (carrinhas de transporte público). “Eu só pedia para não irem cheios!”, recorda, divertida.
À semelhança dos outros voluntários, Luís Pedro Duarte, 44 anos, também desvaloriza a falta de comodidades. “Tomar banho de água fria não custa muito porque são países quentes”, revela, referindo-se aos três destinos do programa Aventura Solidária da AMI (Guiné-Bissau, Brasil e Senegal) – especialmente pensado para quem tem pouca disponibilidade, já que se resume a uma semana e meia de viagem, focada em mostrar o impacto da ONG portuguesa no terreno, envolvendo os voluntários em tarefas simples.
A primeira aventura
Depois da imprescindível Consulta do Viajante, e das reuniões de preparação com a AMI, Luís Pedro Duarte partiu para a primeira aventura, na Guiné-Bissau, em 2012. Formado em engenharia eletrónica, o responsável pela área de Património e Compras da SIBS tornou-se especialista em pinturas em pouco tempo. Mas não deixou de reconhecer a sua área de formação no terreno: “Na ilha de Bolama, os poços de água tinham três cadeados e as chaves de cada um estavam distribuídas por três pessoas.” Um princípio básico da criptografia para guardar segredos, o que demonstra a preciosidade da água.
Nas três viagens teve como parceiro no grupo de aventureiros o pai, que se estreou no voluntariado aos 75 anos. Hoje, Albino Couto Duarte só lamenta não ter começado mais cedo: “Agora sabe-se tudo, mas sente-se pouco.” O filho acompanha-o no descontentamento perante o ritmo de vida atual: “Nos sítios onde estivemos as pessoas vivem mais focadas no presente. A escassez é tanta que é difícil fazer projeções no futuro.” Tal como os outros voluntários, sentiu-se sempre muito bem recebido pelas comunidades, que demonstravam uma “gratidão enorme”. Por exemplo, através de celebrações tradicionais. Luís Pedro Duarte também criou a sua própria tradição. “Tenho de arranjar sempre maneira de andar de mota.” A maneira mais eficaz de o conseguir é pedir a desconhecidos que o deixem dar uma volta, como aconteceu este ano no Senegal. Desta vez, além do pai, também o irmão mais velho o acompanhou. Mas o destino mais marcante foi a Guiné-Bissau, onde viveu a dura experiência de visitar um hospital de campanha. E deixou-se encantar pela ilha de Bolama.
A Guiné-Bissau é, precisamente, o destino com o qual Sofia Lopes, 47 anos, já está a sonhar. O desejo de fazer férias solidárias surgiu ainda na faculdade, mas só há dois anos partiu pela primeira vez com a organização Mundo a Sorrir, fundada pelo vencedor da primeira edição do prémio da VISÃO Solidária Os Nossos Heróis, Miguel Pavão. Sofia Lopes esteve em Cabo Verde (2014) e São Tomé e Príncipe (2015). Durante duas semanas (em cada país), a médica dentista visitou escolas, ensinou as crianças a escovar os dentes, explicou quais os alimentos que provocam cáries e quem as pode tratar. Além disso, fez rastreios de saúde oral e encaminhou as crianças que precisavam de tratamento para centros de saúde. Levados pela curiosidade, também os mais velhos eram participantes assíduos das suas aulas. Continuar a aproveitar as férias para ajudar os outros faz parte dos seus planos. “É muito gratificante contribuir para restabelecer a harmonia das pessoas”, afirma. E pouco importa se o faz nas férias. Todo o tempo é pouco para quem quer ajudar a mudar o mundo.