São dois cidadãos exemplares menções honrosas do prémio Os Nossos Heróis 2013, atribuído pela VISÃO Solidária em parceria com o Montepio. Joaquim Louro, 61 anos, é um benfeitor à moda antiga: na sua aldeia natal, Amiais de Cima (Santarém), apoiou a construção de uma escola primária, de uma creche e de uma capela, contribuiu para a construção de um lar e ajudou a comprar veículos para os bombeiros, entre muitas outras doações. Duarte Paiva, 32 anos, é um empreendedor social dos tempos modernos: criativo e apaixonado, quer tornar sustentáveis os negócios de entreajuda, foi ele que “vendeu” à Câmara de Lisboa a ideia de instalar cacifos solidários para os sem-abrigo guardarem os seus pertences.
A primeira vez que Duarte Paiva, hoje arquiteto, trocou dois dedos de conversa com alguém que vivia nas ruas foi em Angra do Heroísmo, cidade da ilha Terceira onde viveu até ao fim da adolescência, no seio de uma família de nove irmãos. “Disse à minha mãe que o queria ajudar. Ela deu-me um saco com pão e fui entregar-lho a medo”, conta Duarte Paiva. Este seu primeiro ato solidário acabaria por revelar-se falhado. “O sem-abrigo desvalorizou. Não queria pão. E eu fiquei a pensar no que quereriam aquelas pessoas que vivem na rua e não têm nada.” Passariam mais de dez anos até voltar a aproximar-se de um sem-abrigo. Tornou-se bombeiro voluntário, cresceu, apaixonouse, mudou de terra, perdeu os dois pais, trabalhou, fez dois anos de engenharia civil, mudou para arquitetura e só à beira do final da licenciatura encontrou, de novo, a sua veia solidária. “No Natal de 2005, fui distribuir comida e roupa, em Lisboa, e reparei que as pessoas gostavam muito de conversar. Eu ouvia-as e elas ficavam bem-dispostas.” Estava ali a resposta para as suas dúvidas de menino: os sem-abrigo queriam mais do que um pão, queriam alguém que os ouvisse. Dali nasceu a ideia de criar a Associação Conversa Amiga (ACA), e também uma página de internet (Um sem abrigo, um amigo), onde são divulgados os apelos para que outros dediquem algum do seu tempo levando sempre um chá aos sem-abrigo.
Os cofres amarelos
Nos anos que se seguiram, a reboque da ACA, várias iniciativas foram postas em prática, em Lisboa. Em 2009, com os alunos da Faculdade de Medicina, criou-se a Vertente Saúde na Rua. Em 2010, a ACA passou a dar formação em voluntariado e competências relacionais. Depois, nasceu o projeto Rumos, com crianças de contextos desfavorecidos.
Mais tarde, vieram um ateliê de tempos livres (ATL) e os projetos Conversas de Saúde e Saúde à Porta, que levam médicos e enfermeiros a idosos isolados. Foi também implementado um Banco do Medicamento, que disponibiliza remédios a pessoas sinalizadas pelas instituições parceiras da ACA.
Mas a ideia que fez com que Duarte Paiva desse um salto e fosse distinguido pela VISÃO, só foi implementada a 17 de outubro deste ano: os 12 primeiros cacifos solidários, uma espécie de grandes cofres amarelos que permitem aos sem-abrigo guardar os seus pertences, receber correio e ter autonomia para trabalhar ou procurar emprego.
Os primeiros objetos a entrarem num dos cacifos solidários foram duas fotografias.
Roupas, cobertores, telemóveis, certificados de habilitações, medicação crónica e sapatos são outros bens ali guardados. “Assim, têm o seu espaço, a sua chave, sentemse responsáveis por alguma coisa. Isso pode ser o primeiro incentivo para deixarem as ruas”, diz o inventor dos cacifos e autor do design, inspirado nos elétricos lisboetas.
Este é, por enquanto, um projeto-piloto circunscrito à zona de S. Jorge de Arroios.
Mas os EUA estão prestes a pôr os olhos na obra de Duarte Paiva. Em janeiro, a revista Make a Difference publicará um artigo sobre estes cacifos. O que virá depois? Duarte apenas garante: “É impossível parar aqui.”
FOTO: Marcos Borga
JOAQUIM LOURO O investimento nas suas empresas caminha lado a lado com as preocupações sociais
Herói inesperado
Quando a professora Imelda chamou os pais de Joaquim Louro à escola para lhes dizer que o rapaz tinha capacidades para ir além da 4.ª classe, ficou desolada com a resposta: as condições financeiras da família não o permitiam. Aos 10 anos, Joaquim já ajudava o pai nas obras de carpintaria. Nada fazia prever que, mais de 40 anos depois, seria aquele rapaz a construir uma nova escola primária, em Amiais de Cima. “Nasci para ser carpinteiro, não havia razão nenhuma para chegar onde cheguei. Deve ter havido alguma coisa que me guiou”, diz, enquanto o seu olhar vagueia pela capela que também financiou. De carpinteiro, Quimzé, como é tratado pelos amigos mais próximos, passou a empresário do ramo do mobiliário, mais tarde expandiu-se para os sofás, estrados metálicos, colchões e construção civil, que compõem o império da J.J. Louro, SA.
Ao todo, emprega 1 300 pessoas e tem uma faturação anual de 75 milhões de euros.
“Gostava de fazer móveis, oferecê-los e ganhar dinheiro à mesma. Mas ainda não percebi como isso se faz”, graceja. A mulher, Isabel Brissos, 55 anos, brinca com a relação que o marido tem com o dinheiro: “Nunca traz nada na carteira e não é homem de oferecer presentes, mas está sempre a ter ideias para investimentos na firma e novos projetos sociais.” Habitualmente começa por pensar no bem-estar dos seus colaboradores construiu e vendeu casas a preço de custo para se fixarem na aldeia mas os benefícios estendem-se a toda a população.
À escola e ao jardim-de-infância, inaugurados em 2007, seguiram-se a recuperação da capela e a construção da creche, que ficaram prontas há dois anos. O prior da aldeia, António Pereira, 70 anos, encara o amigo como “um estímulo para acreditar que é possível uma sociedade melhor”.
A creche Mãe Celeste o nome é uma homenagem à mãe, hoje, com 85 anos recebe cerca de cinquenta crianças. Como pratica preços sociais, continua a beneficiar do apoio do empresário: “A minha mãe enfrentou muitas dificuldades para criar os dois filhos. Esta é a minha maneira de contribuir para que as pessoas consigam cuidar da família.” E já tem um novo projeto em marcha: a construção de um ATL, que deverá estar concluído em meados do próximo ano.
“Há pessoas com muito mais dinheiro do que o Sr. Louro, mas com os valores em que ele acredita e que pratica, há poucas”, afirma a diretora da creche, Nancy Martins, 32 anos, que candidatou o benemérito ao prémio Os Nossos Heróis. O reconhecimento público não é encarado de ânimo leve por Joaquim Louro, como explica a mulher, ao recordar a atribuição da Comenda de Mérito Industrial pelo Presidente da República, em 2009: “Ficou muito nervoso. Sentiu o peso da responsabilidade de continuar a honrar a condecoração.” Tímido, explica que faz “as coisas por convicções próprias, não para ser distinguido”, e acrescenta: “Não compreendo as pessoas que quanto mais têm mais querem ter. Eu gosto de partilhar e nem me sinto bem por ter mais dinheiro do que outras pessoas.” Afinal, Quimzé é só um rapaz da aldeia e Duarte Paiva um rebelde com causa. Ambos com um enorme coração.