Nos últimos anos, enquanto se desenrolavam processos sobre alegada corrupção desportiva no futebol português, andou entre o céu e o inferno. Ao mesmo tempo que era investigado e inquirido a pretexto de diversas suspeitas, Jorge Nuno Pinto da Costa, 70 anos, coleccionou três títulos no FC Porto, estes sem sombra de pecado. Católico, devoto de Fátima, crente na justiça divina e confessadamente dedicado aos pobres, o presidente do campeão português de futebol vive diariamente incensado ou excomungado, qual personagem de Coppola. Para uns, é a versão pátria do Padrinho e dos seus códigos no que da bola e seus meandros se trata. Para outros, o eterno, competente e invejado líder de um clube ganhador que, há pouco mais de trinta anos, ainda tremia das pernas quando galgava as fronteiras da cidade Invicta.
Com 26 anos de presidente do FC Porto e quase 55 de sócio, casado com Filomena Morais e pai de dois filhos, Pinto da Costa quase poderia ser refl exo do poema que gosta de declamar entre amigos: Cântico Negro, de Régio. Pois, não terá ele escorregado já em becos lamacentos ou deixado levar pelos ventos? Não amará ele o longe, a miragem, os abismos, as torrentes e os desertos? Não será ele um vendaval que se soltou? Quem o guia? Deus e o Diabo, mais ninguém? Ele nega: faz por ser levado apenas pela mão dos céus, garante.
Aqui na terra, Pinto da Costa é chamado por estes dias a responder por actos comuns aos mortais. E num dia passado com a VISÃO, não se escondeu das perguntas que todos fazem, em nenhuma faceta se refugiou, outras revelou. No restaurante do Carlton Hotel, no Porto, com o Douro em fundo e acompanhado da mulher, almoçou pato, não resistiu aos chocolates, contou e ouviu histórias, antecipou planos para depois do adeus ao FC Porto, entre desejos e projectos a concretizar na cidade. Foi entrevistado durante três horas. Ininterruptamente e sem «ais».
Segue-se o que fica da conversa. Também neste caso, não transitada em julgado.
Se não fosse presidente do FC Porto, seria o quê?
Quando jovem, queria seguir Direito, ser advogado. Envolvi-me nisto e já não fui para a universidade, com desgosto da família. Mas houve outra razão: quando acabei o 7.º ano, respondi ao anúncio de um banco. Chamaram-me para testes e quinze dias depois era funcionário. Ainda quis sair, mas aumentaram-me. Ao fim de um ano, pensei ir para Coimbra, mas voltaram a aumentar-me. Fui ficando.
Sente-se realizado no FC Porto?
Ao fim de 26 anos, sou o presidente do mundo com mais títulos no futebol e nas outras modalidades. Realizei muito mais do que sonhei. Se fosse por mim, estaria satisfeito. Mas o clube não é meu: é da cidade, do País e uma referência internacional. Pessoas com responsabilidades afastam-se e encostam-se a outros lados, prognosticando que, quando deixar a presidência, o FC Porto se transformará num clube provinciano. Vou sair quando entender e antes dos sócios quererem e provar aos calculistas que o FC Porto continuará organizado, conquistador e orgulho da cidade.
Ser figura nacional envaidece-o ou perturba-o?
Nem envaidece nem perturba, embora às vezes me prejudique. Ser uma figura do Porto e do Norte que sobressai origina problemas, perseguições e incompreensões. Sempre foi assim e há-de ser, resta resignar-me. Por isso, trabalho para a satisfação de uma cidade, de uma região e de muita gente que, exceptuando as vitórias do FC Porto, não tem razões para se sentir feliz. Por mais testemunhas que comprem e pessoas que ensinem a contar histórias na Judiciária e no Ministério Público, chega-me a minha consciência e a certeza de que as pessoas que amo e me amam conhecem o que sou. Por felicidade, não por mérito, nasci numa família de princípios, pude ter uma educação rigorosa e instruir-me, embora haja quem, não tendo a sorte das minhas origens, se tenha cultivado e instruído mais do que eu.
Mas o futebol não o contaminou?
Não. No futebol, existe muita gente boa, culta e instruída. Mas, como em muitas coisas da vida, também temos de lidar com pessoas boçais, incultas e até estúpidas. E há também incultos que, chegando a determinados lugares, metem uma cassete na cabeça, contratam gente para cuidar da imagem e professores para aprenderem a falar. Não me revejo nessa gente, embora tenha de lidar com ela.
A mim, o futebol nunca me privou de fazer o que sempre gostei: ir a concertos, exposições, participar em actos culturais. Num festival de música ainda consigo passar despercebido, mas o futebol expõe-me mais.
No futebol, o que parece é…
É por isso que quando abandonar o futebol já não terei de conhecer determinadas pessoas e ignorarei outras.
Já recusou um busto seu na sede do FC Porto. E não aceitou que dessem o seu nome ao novo estádio. Modéstia a mais ou rejeita o culto de personalidade?
O culto da personalidade é detestável. Se permitisse um busto ou o meu nome no estádio, fazia uma fi gura ridícula. A proposta de darem o nome ao novo estádio foi votada por unanimidade num plenário do FC Porto. Não vetei a decisão, mas disse que, se fosse mantida, me demitia.
Quem manda, afinal, no FC Porto? É o senhor ou as votações são colegiais?
Se convido pessoas para a direcção, tenho de aceitar que as decisões são da maioria do plenário.
Há excepções. Por exemplo: a escolha do treinador da equipa principal é minha, não a levo a reuniões. Ouço toda a gente ligada ao futebol, mas, corra bem ou mal, a responsabilidade é minha. Assim, o treinador também sabe que não deve o lugar a ninguém, nem se preocupa se este votou a favor ou contra.
Sabe apenas que é o meu treinador. Mas já houve questões em que fui derrotado. Prevalece a vontade da maioria.
Passemos aos processos judiciais. Condenado ou absolvido, arrisca ficar para a história, aos olhos de muitos, como o «pai» da corrupção desportiva…
Sabe, no colégio Almeida Garrett tinha um colega que sofria de ataques epilépticos. Foi internado, fez um tratamento, melhorou muito, mas continuavam a chamar-lhe maluco. E ele dizia: «Não sou maluco. Estive internado num manicómio, mas deram-me alta. Não sei se vocês, caso lá entrassem, tinham saído». Isto para dizer o seguinte: podem pôr–me os nomes que quiserem.
E as suas relações com os árbitros?
Tive e tenho, há anos, o telemóvel sob escuta. Verificaram as vias verdes, os restaurantes onde fui, para ver se me apanhavam encontros, telefonemas ou combinações com árbitros. Tudo espremido, encontraram um árbitro que foi tomar café a minha casa, que nunca tinha apitado o FC Porto nesse campeonato e só apitaria um jogo em que já éramos campeões. Nem sequer ganhámos! E incriminaram-me por tentativa de corrupção num caso em que dois árbitros pedem a um amigo meu sem ligação ao FC Porto que arranje umas meninas ou senhoras para terem companhia à noite. Nos processos, arquivados até alguém escrever o livro de uma certa senhora, não há uma chamada para árbitros. Sinto-me perseguido, obviamente que sim! Se certos papagaios que aí andam fossem escutados e fosse vigiada a forma como se fazem algumas contratações…
Acha que o Ministério Público e Maria José Morgado seleccionaram alvos?
Sinto-me seleccionado. A Carolina foi levada à Judiciária, umas vezes pela jornalista Leonor Pinhão, outras pelo Luís Filipe Vieira. Há provas. E a irmã da Carolina disse que ela foi industriada por gente do Ministério Público.
Diz-se que Ana Maria Salgado é sua protegida…
Não, não! Não é nem deixa de ser. Não pedi nada nem ela me contactou. Mas há coisas indiscutíveis: a Carolina escreveu e disse que contratou indivíduos para mandar matar Ricardo Bexiga. Não acredito, é absurdo. Nunca no tempo que convivi com ela, o nome foi falado. Se Carolina fez o que disse, é gravíssimo.
Se não fez, é gravíssimo também. No entanto, não foi constituída arguida.
Acha que ela é uma ponta-de-lança.
É óbvio que é!
…do Ministério Público?
A que propósito e com que fins a Leonor Pinhão acabou o livro e a levava à Judiciária?!
E o original do livro?
Sei quem o tem, está bem guardado. Não confere com a versão final: há coisas que saíram e outras entraram. No momento próprio será divulgado. Mas havendo quem confesse ter sido contratado pela Carolina para matar o doutor Fernando Póvoas e apesar da PJ ter encontrado o indivíduo contratado por ela para incendiar o meu escritório e de Lourenço Pinto, ela continua a ser credível. É esta a pessoa idónea que serve de base às denúncias?!
Viveu com ela seis anos. Se é assim, como é que alguém com a sua experiência de vida manteve a relação, sabendo-se que a ingenuidade não é propriamente uma das suas fraquezas?
Mais do que ingénuo, fui estúpido. Tinha uma vida estável com uma pessoa que amava e nunca deixei de amar. Por isso estou novamente casado com ela. Foi e é a pessoa da minha vida. Mas às vezes somos levados para situações em que, quando damos conta, já não podemos sair.
O mundo do futebol é o responsável?
Não é só no futebol que acontece. Não devia ter acontecido, é verdade. Mas quem denegria a imagem dela agora trata-a como se fosse a Madre Teresa de Calcutá. Quando ela disse no tribunal que era escritora, dei uma gargalhada. Quando as revistas cor-de-rosa lhe mandavam perguntas para entrevistas, ela era incapaz de responder. Pedia a um amigo nosso, advogado, que o fizesse e ele depois mandava-lhe as respostas por e-mail. Quando vejo os artigos dela no Correio da Manhã, rio-me. Sei quem os escreve e para que e-mail são enviados. Ela depois manda-os para o jornal.
Quem os escreve?
Muitos foram escritos pelo Pedro Rita [ jornalista do DN]. O Correio da Manhã paga à senhora dois mil euros pelos artigos que outros escrevem.
Miguel Sousa Tavares e Rui Moreira, sócios do FC Porto, consideram que deveria pedir desculpa por deixar que a sua vida privada interferisse na imagem do clube….
Se a imagem do clube tivesse sido prejudicada, teria efeitos na adesão das pessoas. Mas ainda recentemente, em Setúbal, vi a forma terna e carinhosa como se dirigiram à minha mulher e quiseram que ela fosse a madrinha da Casa do FC Porto. Tenho um convite para ir a Nova Iorque e a Washington inaugurar casas do clube e insistem que a leve. As pessoas dizem-me que estão felizes com a reconstituição da minha família. O resto é passado, momentos maus. Ainda hoje não tenho culpa de que alguma comunicação social ande sempre atrás de mim e se dependure nos muros da casa para tirar fotografias. Não exponho a minha vida privada, mas também há coisas que deixo sair. Não tenho nada de que me envergonhar.
É verdade que afastou Domingos Matos, anterior presidente do Conselho Fiscal do FC Porto por ser administrador da Cofina, proprietária do Correio da Manhã e do Record?
Não foi esse o motivo, ele já pertencia à Cofina quando o escolhi para o Conselho Fiscal. Tive o cuidado de ir a Lisboa, ao Hotel Ritz, dizer-lhe que não contava mais com ele por razões de falta de solidariedade. Quando o Record fez determinada campanha, disse-lhe que não era correcto. E ele respondeu-me: «É por essas e por outras que não leio o Record. Mas isso não é nada comigo». Ou seja, deu-me razão, mas reagiu à Pilatos.
As suas relações com Joaquim Oliveira estão como estavam?
Como estavam?!
São boas?
São normais.
Boas ou normais?
Cordiais, cordiais.
Comenta-se que não gostou do facto dos jornais do grupo Global Notícias, de Joaquim Oliveira, terem dado demasiado crédito a Carolina…
Não, ele não interfere na linha editorial. Mas a verdade é que vejo vender a imagem de can- didatas ao prémio Nobel da Literatura que não são capazes de responder a meia-dúzia de perguntas de uma revista cor-de-rosa.
O que espera do novo livro de Carolina?
Não o vou ler. Também não li o primeiro. Tenho muitos livros ainda para ler e sei quem são os autores (risos).
Viu o filme Corrupção?
Também não vi. Mas li o guião feito pela Leonor Pinhão, também tenho isso. Curioso foi o Correio da Manhã ter feito mais promoção a esse filme do que àqueles que ganham Óscares. Nem o Manoel de Oliveira, com quase 100 anos, conseguiu ser tão falado.
E a acareação com Carolina no próximo dia 14, preferia não a fazer?
Prefiro fazê-la! Essa senhora disse que eu almoçava e jantava com Pinto de Sousa e Valentim Loureiro para escolher os árbitros para os jogos do Gondomar. É falso. Nunca almoçámos os quatro, nunca! Os quilómetros de fita das minhas chamadas gravadas talvez dêem para ir à Luz não ao hospital! e voltar. Mas desafio alguém a encontrar uma palavra minha sobre o Gondomar. Nunca me interessou se o Gondomar subia ou descia, nunca vi um jogo, nunca emprestámos um jogador ao clube e eu ia almoçar, tomar o pequeno-almoço ou encontrar-me numa esquina para combinar os árbitros do Gondomar?! Ridículo.
Está a ser investigado por fraude fiscal e branqueamento de capitais decorrentes de transferências de jogadores. Fala-se de mais de 150 operações bancárias sob suspeita…
Tudo isso é baseado apenas no que a Carolina diz…
E várias contas no estrangeiro.
É o que ela diz, mais nada. Ela diz que uma imobiliária da qual sou o accionista maioritário serviu para se fazerem lá transferências de dinheiro de Jorge Mendes e Joaquim Oliveira. A PJ fez uma busca à contabilidade. Por mim, podem levar tudo. Não existe nada que não sejam movimentos de compra e venda de casas. Mas se ela disser que tenho um poço de petróleo escondido, talvez venham os procuradores e a PJ de Lisboa fazer um levantamento.
Disse em tribunal que ganhava dez mil euros por mês, mas, segundo o Correio da Manhã, baseado supostamente na sua declaração de IRS, ganha mais de 50 mil euros.
Não. Passou-se algo mais grave do que isso. Uns dias depois da doutora Maria José Morgado ter sido nomeada procuradora chefe do processo, o doutor Saldanha Sanches foi à SIC afirmar que era preciso acabar com a corrupção no futebol porque o presidente do FC Porto tinha dito em tribunal que ganhava 4oo euros por mês! E disse-o com a maior impunidade. Que credibilidade é que tem? Se fosse do Ministério Público, obrigava-o a esclarecer.
Mas ganha quanto, afinal?
Disse em tribunal que ganhava mais ou menos dez mil euros por mês. Disponibilizei-me perante a senhora juíza para mostrar os recibos do valor certo, mas não foi preciso.
Processos na Liga. A Comissão Disciplinar pode determinar a perda de pontos do clube e a sua suspensão do cargo por um período de seis meses a dois anos. Como encara estas situações?
Com tranquilidade. A Liga baseia os argumentos no depoimento da dita senhora, tal como o Ministério Público.
Não aceita perder pontos?
Não. No meu caso irei até às últimas instâncias internacionais. Se calhar, terei oportunidade de revelar muitas coisas.
Se for condenado nos processos judiciais, deixa a presidência da SAD do FC Porto?
Não admito ser condenado.
Como cidadão, diz-se preocupado com questões sociais, instituições de solidariedade. Como presidente do FC Porto está a braços com a Justiça. O contraste não o preocupa?
Preocupa-me quando pessoas, apenas por serem minhas amigas, são perseguidas. O Coração da Cidade é uma instituição que dá alimentação e dormida aos «sem-abrigo». O FC Porto não dá nada, mas eu ajudo no que posso: arranjo pessoas e empresas que dão donativos e alimentos, dou muita roupa, etc. Mas por causa disso, a directora, dona La Salete, passou um dia na Judiciária para respon- der se o FC Porto lavava dinheiro no Coração da Cidade. Quando uma instituição destas, que se substituiu ao próprio Estado, tem de passar por isto, incomoda-me.
Reconhece que por vezes baixa o nível para defender o FC Porto?
É difícil não baixar o nível com certas pessoas. Se mantiver o nível, elas não percebem. Não vou citar o José Régio ou o António Nobre com alguém do futebol senão ainda me perguntam se são presidentes da Firestone ou da Goodyear. E eu de pneus não percebo nada (risos).
Lobo Xavier, diz que Pinto da Costa não é propriamente um anjinho de asas brancas…
Asas têm os passarinhos e os milhafres, como aquele do Estádio da Luz. Dizem que é uma águia, mas é um milhafre.
O poder mudou-o?
Não sei o que é ter poder, se o tivesse talvez algumas pessoas não fizessem o que fazem. No essencial, sou a mesma pessoa de sempre.
É na guerra que encontra a paz?
Não me meto com ninguém, a menos que se metam comigo. Cristo levou uma bofetada, deu o outro lado e veja como acabou.
De onde saiu a expressão «o Papa»?
Não faço ideia, nem me reconheço nela.
Indignou-se por insinuarem que era «um mafioso rodeado de seguranças». Não contribuiu para essa imagem?
Nunca tive seguranças. De dia ou de noite vou a qualquer lado e a única segurança que tenho é a minha mulher. Quando se trata de uma deslocação da equipa, é diferente.
Já falou das intromissões na vida privada. Mas houve uma fase em que as permitiu…
Fui arrastado involuntariamente para isso. Quando vi que as coisas ultrapassaram a medida, disse como o outro, há dias: «Basta!». Sendo uma figura pública, aceito que também nos queiram fotografar em concertos ou noutras ocasiões. Mas nunca viu a minha mulher aparecer em reportagens só para se exibir.
Valentim Loureiro disse, numa entrevista, que no campo amoroso não gere tão bem as emoções como no futebol. O amor enfraquece-o?
O amor fortalece-me. Isso diz-me muita gente, até mesmo no clube, desde que voltei a casar. Uma coisa é estar com alguém, mas a hora da verdade é quando decidimos casar ou não. Casando, uma pessoa sente-se mais forte, estável e segura. Ganhei anos de vida, estou mais feliz. Quando se casa, há garantias de amor e interesse comum. Encontrei isso novamente. Por isso, passo por cima das guerras e difamações. Não me passam ao lado, mas não beliscam.
Sendo católico, é capaz de odiar?
As pessoas em que poderá estar a pensar, não odeio. Desprezo. Odiar é um sentimento, ainda que mau. Há pessoas que não merecem qualquer sentimento. Não odeio um verme. Porque hei-de odiar uma cobra? Desprezo-a, apenas. Quero-a longe.
Como é que as suas confessadas preocupações sociais convivem com a obrigação, decorrente das suas funções, de negociar salários milionários de jogadores? Como gere esse contraste?
Ser futebolista é uma arte. Tal como os cantores, dão espectáculos pagos. Por vezes, choca-me. Mas digo aos jogadores que há pessoas a precisar deles. Envolvo-os em acções de solidariedade, em visitas a crianças e doentes. E eles são sensíveis. Outro exemplo: no próximo jogo em casa, faremos um almoço com pessoas do Coração da Cidade e vamos levá-las ao estádio. Isto só é possível porque os artistas são bons, enchem o Dragão e ganham campeonatos.
Não acha que o futebol tem hoje um protagonismo exacerbado na vida das nações?
Tem, mas é dado pela Comunicação Social. Três jornais desportivos diários são um absurdo. E os diários de informação geral também trazem muitas páginas sobre futebol. Além disso, temos programas televisivos semanais onde só se fala de arbitragens, de penaltis com dez anos, e se dizem barbaridades. Devo ser dos presidentes que menos entrevistas dá. Mas há indivíduos que falam todas as semanas, para não dizer todos os dias. Falam porque vão ouvi-los. Só desprestigiam. Para a promoção do futebol, basta ouvir jogadores e treinadores. E mesmo aí, doseado.
Recuperou há semanas, em São João da Madeira, a tese do «Norte esquecido» e do «Norte hostilizado». E disse: «É no poder local que temos de fazer a resistência». Descodifique…
Olhe, há dias, no centenário da Associação Comercial do Porto, o presidente Rui Moreira analisou a situação precária e de esquecimento na cidade e na região. E chocou-me que o Primeiro-Ministro tenha, na ocasião, respondido a isso com um discurso de propaganda política. Toda a gente saiu de lá frustrada, dizendo: «Viemos a um comício!». O engenheiro Sócrates nem sequer teve uma palavra para a associação e os seus dirigentes. E não foi por qualquer atitude ostensiva, foi por desconhecimento. Para os nossos governantes, Portugal é Lisboa. Cada vez mais. Com a regionalização metida na gaveta e a descentralização atirada ao mar, só vejo possibilidade de resistência através do poder local.
Como é que isso se faz?
Faz-se quando as populações elegerem pessoas capazes de bater o pé ao poder central, reivindicativas, com discurso justo e inteligente. Como fez Rui Moreira na sessão.
Que circunstâncias o fariam meter-se na política?
Na política propriamente dita, em circunstância alguma. Não me identifico com os processos partidários. Bastariam, por exemplo, estes últimos seis meses do PSD para dizer: «Com esta gente não quero nada». Um líder eleito pelas bases, com uma confortável margem, no dia seguinte já estava a ser contestado por aqueles que não deram a cara. Mesmo com todos os erros e insufi ciências do líder fizeram tudo para derrubá-lo. Não sei se foi bem ou mal eleito, não tenho nada a ver com isso. E se tivesse, se calhar, não votava nele. Enfim, política partidária, não. Nunca.
Nem com regionalização?
Poderei estar disponível para participar em causas justas, sem querer lugares, e em lutas que sirvam o País e a nossa região. Poderei entrar numa luta em defesa da nossa cidade.
Traduza…
Olhe, envolver-me numa candidatura que não seja fruto de uma escolha partidária imposta à própria cidade.
Apoiaria Elisa Ferreira, cada vez mais falada para candidata pelo PS à Câmara do Porto?
Ela ainda não é candidata. Mas reconheço-lhe qualidades, capacidade, inteligência e determinação. Se houvesse dois candidatos, o actual presidente e a Elisa Ferreira, nem hesitaria: apoiá-la-ia. Mas tenho um sonho para o Porto: um candidato independente.
Seria esse candidato?
A cidade do Porto não é o PSD, em que qualquer um acorda e diz: «Sou candidato».
Mas responda: nunca seria o senhor?
Não digo nunca. A isso, não digo nunca.
Não tem medo de ir a votos fora do FC Porto?
Não, nenhum. Na situação que me coloca, não teria medo de ir a votos. Por uma questão simples: não iria para ser ministro ou primeiro-ministro. Mas prefi ro apoiar alguém que não esteja a fazer curriculum. Não interessa se é para perder ou ganhar. A mim, o não ter partido dá-me liberdade. Em determinada circunstância, já votei no PCP porque escolho pessoas. Não sou comunista, mas se o PCP apresentasse para a Câmara alguém que eu acreditasse lutar pelo interesse da cidade e não pensasse em trampolins para outras coisas, votaria neles. As autarquias têm de estar acima dos partidos.
Dava-lhe um gozo especial enfrentar Rui Rio…
Não. Uma candidatura à Câmara do Porto não pode ser contra alguém. Quem concorrer como independente e farei tudo para encontrar um disponível para lutar pela cidade não pode ir com esse espírito.
Está a ver alguém capaz?
Posso estar, mas não vou revelar senão amanhã tinha logo o Ministério Público em cima dele (risos).
Há uns anos, Berlusconni desafiou-o a entrar na política e a formar um partido, não foi?
Foi, ainda tenho lá uma pasta com a propaganda toda que ele ia lançar. E um relógio. mas não me identifi co politicamente com ele.
Sócrates desiludiu-o ou surpreendeu-o?
Nem uma coisa nem outra. Como Ministro do Desporto, foi excelente, interessado e colaborante.
Mas tem opinião sobre a actual governação?
Um amigo meu, de Angola, diz que Portugal é um estado policial com uma ditadura fiscal. No engenheiro Sócrates, admiro duas qualidades: é determinado e toma decisões. Mas apertou o cinto e esqueceu as pessoas.
Assustou-o a hipótese de Rio chegar a líder do PSD?
Se fosse do PSD, assustava-me. Como não sou.
Como explica que a estratégia de Rio tenha sido bem sucedida eleitoralmente, mesmo depois da «guerra» entre a Câmara e o FC Porto?
O FC Porto é campeão por mérito próprio e tem muitos pontos de avanço por demérito dos outros. Talvez isto se aplique à situação da Câmara do Porto.
O discurso demasiado regionalista e radical não prejudicou muitas vezes o Norte?
Quem divide o País não são as pessoas do Norte. Nós nunca dizemos «vamos ao Sul». Dizemos «vamos a Lisboa, a Beja ou ao Algarve ». Mas lá em baixo dizem «vamos ao Norte». Nunca ouviu ninguém dizer «os sulistas». Mas ouve dizer «os nortenhos». Houve até um antigo ministro que disse que no Sul era do Benfica e no Norte era do Boavista!
Mas houve muitos discursos inflamados...
Discursos inflamados?! Nem com discursos inflamados nos ouvem! No tal jantar da Associação Comercial do Porto ouvi dizer que o avião das quartas-feiras para Lisboa era o avião dos pedintes. Pedintes porque, por causa de um simples despacho, de um assunto do banco, têm de ir a Lisboa. Bancos, companhias de seguros, está tudo lá. Aqui, resiste o FC Porto, uma orquestra de nível internacional e algumas instituições centenárias que vivem atrofiadas pelas dificuldades. Quem quer benesses ou singrar tem de ir para Lisboa. Isto só se resolve com regionalização. Como ela está na gaveta, só uma conjugação de esforços do poder local evitará que seja pior.
A «cultura» do FC Porto é elogiada com frequência. Qual é a receita? Criar um inimigo externo?
Não, é tudo uma questão de regras. Uma das minhas vantagens foi chegar ao FC Porto há quase 50 anos. Percorri as secções, dirigi as actividades amadoras. Vivendo por dentro, compreendi o que estava mal. A dada altura, até os directores do ciclismo e do ténis de mesa decidiam se um jogador de futebol ficava ou não no clube! Não podia ser. Hoje, as regras são as mesmas que segui quando tomei conta do futebol: treinador escolhido por mim, jogadores escolhidos por mim e pelo treinador, balneário blindado só entra o director do futebol e o presidente treinos a mesma coisa. Como correu bem, a tradição mantém-se.
Como é que cada jogador absorve essa cultura rapidamente?
Quem não respeita as regras e a disciplina, não vem, nem fica. Não interessa ser só bom jogador.
No passado, os jogadores estavam sempre bem porque, se corresse mal, o treinador é que ia embora. Por isso, quando digo «este é o meu treinador», os jogadores ficam a saber que tem de ser respeitado e não será posto em causa pelos resultados. Só estará em causa se trabalhar mal. Isso dá-lhe muita força.
O que é um jogador «à Porto?» Que «raça» de jogadores procura?
Uma vez disseram-me que tive sorte em descobrir o Timofte. E eu disse: «Foi, foi uma sorte. Fui ao circo Mariano, ele estava lá a dar uns toques e eu, no intervalo, pensei “este é capaz de ser jogador”». O Timofte, tal como o Lisandro, o Lucho e outros, não foram observados apenas por marcarem golos e serem bons jogadores. A sua personalidade e forma de jogar são analisadas para saber se encaixam aqui como uma luva. Se me oferecerem alguns craques internacionais, não os quero.
Os jogadores têm o seu número de telemóvel, podem ligar a qualquer hora, preocupa-se com os problemas deles extra futebol?
Nenhum tem o meu telefone, nem tenho os deles. Se quiserem falar comigo, seguem os mecanismos: falam com o director, o vice-presidente administrador e só então, se necessário, chegam a mim. Como amigo, é evidente que, se tiverem problemas pessoais, tentarei ajudar. Questões de futebol, situações enquanto jogadores, não falam comigo.
E Jesualdo Ferreira, sendo benfiquista, é um treinador «à Porto»?
O ser ou não ser benfiquista, não me interessa. Já conhecia o Jesualdo como treinador e se fosse só por isso não o contratava. Mas sabia também da sua rectidão, da forma como se entrega aos projectos e vive a camisola que defende. O Jesualdo é treinador «à Porto» há muitos anos. Só não estava cá.
O presidente do Benfica apresentou há dias, na Liga, supostas provas de viciação de resultados. O que espera deste processo?
Não vi as provas, estou à espera que a Liga mostre. Para dizer que se tem provas basta não ser mudo.
O que acha que acontecerá ao Benfica se continuar a não ganhar títulos nos próximos anos?
Não acontecerá nada. O Fernando Seara continuará a falar na SIC de penaltis com vinte anos e a fazer a defesa do presidente e dos jogadores. O senhor António, do Trio da Ataque, continuará a dizer que o Benfica é um clube nacional e o maior. E os sócios continuarão sempre à espera do próximo ano, que será melhor.
Mas qual é o problema do Benfica?
Se dissesse, eles ainda o resolviam! Estão bem como estão.
O que lhe aconteceria se estivesse tantos anos sem ganhar títulos e corresse o risco de acabar em terceiro ou quarto lugar?
Já estariam a fazer a missa de aniversário do meu linchamento (risos).
Sporting e Benfica são iguais para si?
Distingo completamente. Com pessoas do Sporting sou capaz de conversar.
Luís Filipe Vieira ainda é sócio do FC Porto?
É, é.
E paga as quotas?
Paga, se não era eliminado. Tem as quotas em dia.
Está interessado em algum jogador do Benfica?
Não. Nem que estivesse livre. Do Sporting, gostava que viesse o João Moutinho. É um jogador «à Porto».
Não penso contratá-lo. Sei que para o Sporting é um jogador inegociável.
Quaresma, Lisandro, Lucho, Bosingwa, Bruno Alves. Qual deles vai ser mais difícil segurar?
O Quaresma, porque tem cláusula de rescisão. Quando leio que o Real Madrid está disposto a dar 125 milhões pelo Ronaldo, não é exagerado pedir 40 pelo Quaresma.
Vítor Baía será o Rui Costa do FC Porto?
Baía já é um elemento directivo e pode vir a ser muita coisa no FC Porto. Não digo que não seja o mesmo que Rui Costa no Benfi a, mas, no imediato, está a ser inteligente: gere o seu prestígio e está na faculdade a tirar um curso de gestão desportiva para aspirar a outros lugares.
Vai escrever as suas memórias?
Escreverei algo sobre as minhas recordações, talvez ainda durante o meu mandato: o lado positivo os títulos, as vitórias mas também o lado negativo do que me aconteceu. Quando esse livro sair, talvez as pessoas percebam que havia razões para me perseguirem.
Rápidas e directas
LIGA
«A Liga preocupa-se com muita coisa, com a Taça da Liga, a Carlsberg e os patrocínios. Mas a Liga não serve para fazer contratos com as cervejeiras. Sou solidário com o Boavista e clubes com difi culdades, mas é inadmissível que a Liga permita situações destas. É concorrência desleal. Se eu puder contratar jogadores para não pagar, vou já buscar o Cristiano Ronaldo. E quem vier atrás que feche a porta.»
SELECÇÃO
«Preferia um treinador português. Não é uma questão de reconhecer ou não competência a Scolari, porque isso analisa-se através de resultados. Portugal já ganhou não sei quantos jogos, mas também perdeu uma oportunidade única de ser campeão da Europa perdendo uma final em casa com a Grécia. Se um treinador do FC Porto perdesse uma final da Liga dos Campeões, no Dragão, com o campeão grego, já cá não estava de certeza absoluta».
LISBOA
«Gosto da zona das «partidas» no aeroporto (risos). Lisboa tem coisas bonitas e sinto-me bem na cidade, onde tive e tenho muitos e grandes amigos. Um deles era o actor Artur Semedo, fanático benfiquista. Era visita de nossa casa.»
25 DE ABRIL
«Vi a revolução com esperança, mas não vou agora dizer que era um lutador antifascista (risos). Vejo indivíduos a dizerem-se antifascistas e eu, que era colega deles, nunca os vi nessas lutas. Eram tão antifascistas ou fascistas como eu. Uma das coisas que mais ansiava porque me indignava não ser assim era que o Porto pudesse escolher o seu presidente da Câmara. Até essa altura, apenas tinha participado voluntariamente na acção de campanha do general Humberto Delgado, a 15 de Maio de 1958. O Delgado fazia anos nesse dia, tal como a minha mãe. Foi o meu primeiro ídolo fora do futebol»
Íntimo e pessoal
LITERATURA
José Régio e António Nobre são os preferidos. Declama, aliás, alguns poemas dos dois. E não esquece Camilo Castelo Branco: «Ia muito para São Miguel de Ceide e achava piada ao facto dos filhos dele se chamarem Jorge e Nuno». Aprecia António Lobo Antunes e devorou As Intermitências da Morte, de Saramago. «Aquilo de ninguém morrer, dos asilos sobrelotados, as funerárias na falência, as preces para a morte voltar.achei fantástico». É ainda viciado nas refl exões de Almeida Santos publicadas em livro.
PINTURA
Gosta de pintura portuguesa clássica. Influências, talvez, do bisavô Honório de Lima, grande mecenas da pintura e da música. Artur Loureiro é o pintor preferido. Num aniversário, ofereceu à mulher, Filomena, um quadro deste paisagista que retratava a Praia dos Ingleses, na Foz, por ser a praia que ela frequentava na juventude. Aprecia também José Malhoa e o modernista Henrique Medina. Este até conheceu pessoalmente, pois ia pintar para a quinta do tio Armando, irmão da mãe, em Famalicão.
MÚSICA
Na casa de família, em Cedofeita, ouvir música era como respirar. Havia um piano. Cantores, artistas, passaram por lá. Caruso, tenor italiano, cantou em privado para a família. Hoje, Pinto da Costa elege Tchaikovsky como compositor preferido e Madame Butterfl y, de Puccini, na ópera. Uma das suas paixões é a Orquestra Nacional do Porto, a cujo concerto da Páscoa assistiu na Igreja da Lapa, tendo conhecido então o maestro franco-italiano Marc Tardue, grande adepto do FC Porto.
TEATRO
Foi ao Rivoli ver Música no Coração. «Goste-se ou não, La Féria é um craque». Talvez por isso, neste capítulo dá tréguas a Rui Rio: «Quando as coisas não funcionam, devem ser entregues a quem as ponha a funcionar. Pelo menos, o Rivoli tem vida.
CINEMA
As segundas-feiras, reserva-as para o cinema. «Não é por ser mais barato, é por ser o dia mais calmo. Normalmente, não marco reuniões nesse dia». O critério de escolha é da mulher, Filomena. O último foi O Tesouro Encalhado, comédia romântica cheia de acção e aventura. «Divertido»
CURIOSIDADES
O pai falava sete línguas. Ele fala e escreve francês, o inglês é «médio» e desenrasca-se no alemão. Passa habitualmente na livraria Caixotim, nos Clérigos, para ver novidades. Dantes ia muito a alfarrabistas, agora menos. Tem várias edições dos seus livros preferidos de Régio e António Nobre.