Por estes dias, os chás de Sebastian Filgueiras já estão à venda em duas das três lojas do Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova Iorque. Os produtos da Companhia Portugueza do Chá foram os últimos a deixar a alfândega e a chegar à exposição d’A Vida Portuguesa, em Manhattan, até dia 10 de março (incluindo online em store.moma.org).
Entretanto, alguns dos outros objetos já tiveram de ser repostos, tal foi o sucesso da estreia. É o caso dos pequenos bancos de cortiça alentejana, que também funcionam como mesa de apoio, com mais de 30 vendidos no primeiro fim de semana. “A cortiça intriga-os bastante, por ser um produto bastante sustentável, que não implica a morte da árvore”, justifica Catarina Portas, fundadora d’A Vida Portuguesa, que na última semana viu imensa gente em Nova Iorque com o Lenço Tabaqueiro de Alcobaça (desde 1774) ao pescoço.

Com Portugal cheio de turistas dos EUA – 1,16 milhões de dormidas nos primeiros quatro meses de 2024 –, Nova Iorque recebe 25 marcas portuguesas de produtos artesanais e industriais (Pasta Dentífrica Couto, Creme de Mãos Alantoíne da Benamôr, Água de Colónia Lavanda da Ach.Brito) que comprovam como as artes manuais continuam a elevar as tradições e os costumes.
A mala da Jane Birkin
Na inauguração, no passado dia 8, Catarina Portas falou no MoMA Design Store para uma plateia heterogénea e curiosa, de várias gerações, desde pessoas ligadas à comunidade lusa a outras ligadas ao design, bem como artistas e alunos de escolas de arte. Todos notaram o facto de Portugal ser um produtor diversificado. “É um país onde ainda há o saber-fazer das mãos, que se perdeu em geral em quase toda a Europa e que está a ser redescoberto por outra geração. E para mim esse é o caminho. Aquele saber-fazer que antes considerávamos um sinal do nosso atraso e da nossa pobreza hoje em dia é um ativo extremamente valioso. O nosso problema é não termos marcas, muitas vezes”, explica a fundadora d’A Vida Portuguesa. “É urgente que as técnicas passem para as gerações seguintes. Os designers nos anos 1980 ou 1990 não eram sensíveis ao artesanato. Agora já há designers muito investidos nessas áreas.”
O ofício da cestaria representado pelo atelier Toino Abel, com as suas malas de junco modernizadas, serve de exemplo do trabalho de designers emergentes dedicados ao artesanato, recuperando a moda lançada por Jane Birkin que, antes de dar nome a uma mala da Hermès, usava sempre um cesto de palha. Também a reedição dos bonecos de madeira pintados à mão do TOM (Thomaz de Mello, em 1939), figuras representativas do folclore de diferentes regiões do País, suscitaram interesse.
“A Vida Portuguesa sempre funcionou como uma espécie de showroom das marcas. Nós, ao contrário dos supermercados, não escondemos os produtores, revelamos e enaltecemos os fabricantes. E, por isso, muitas das marcas que vendo encontraram revendedores e distribuidores no estrangeiro”, destaca Catarina Portas.
Lentes modernas
Recuemos dois anos, quando uma amiga de Emmanuel Plat, diretor de merchandising das lojas do MoMA – que trabalha diretamente com os curadores do museu para garantir o alinhamento com a missão geral da instituição –, lhe deu a dica turística de visitar as lojas d’A Vida Portuguesa. “Comparando-nos com a Maison Empereur, em Marselha, disse-me que somos diferentes de tudo o que tinha visto no mundo, porque não são só os produtos, é também o ambiente”, descreve Catarina Portas.
“Há muito que nos impressiona a capacidade d’A Vida Portuguesa celebrar a história da manufatura portuguesa através de uma lente moderna”, disse Emmanuel Plat à Marketeer.
Enviar um contentor de 40 pés cheio de material para Nova Iorque só foi possível com o apoio do Turismo de Portugal, do Ministério da Cultura (Programa Saber Fazer) e da TAP. Catarina, mais quatro pessoas da equipa, trataram de pintar paredes, colocar vinis, arrumar os produtos e adornar as montras (onde se veem as andorinhas negras de cerâmica da Bordallo Pinheiro e passam os filmes do desenho digital do ilustrador Jorge Colombo). Dar formação aos funcionários das lojas foi essencial, até porque os perfis dos clientes são diferentes: no Soho, em Spring Street, com 30 metros quadrados, a clientela é mais nova e mais local; em Midtown, na 53rd Street, em frente ao museu, tem mais turistas e pessoas mais velhas.
Esta não é a primeira internacionalização d’A Vida Portuguesa. Em 2017, ao comemorarem uma década, marcaram presença na La Trésorerie, em Paris, com uma espécie de residência temática e temporária, de um mês, dentro da loja de artigos de casa, perto da Praça da República. Mas celebrar a maioridade com duas pop-up stores no MoMA é “incrível”. “É um sítio simbólico, é um dos museus mais conhecidos do mundo, sem dúvida. E tem várias lojas que são uma das partes importantes do financiamento do museu. De vez em quando, fazem pop-ups com marcas, mas convidar uma loja nunca o tinham feito”, orgulha-se Catarina Portas.
Picos sem limites
O uNi ouriço em Nova Iorque é o primeiro passo da internacionalização da peça nascida na Ericeira

Paulo Reis conhece a Ericeira como a palma da sua mão. Na verdade, como as plantas dos seus pés, familiarizados com as praias, sobretudo com a Baía dos Coxos, onde costuma surfar e já foi picado pelos espinhos dos ouriços-do-mar, na base do nome desta vila piscatória.
Designer gráfico e antigo editor adjunto da revista VISÃO, onde trabalhou 25 anos, Paulo Reis demorou cerca de um ano até encontrar a melhor forma de construir o uNi ouriço. No primeiro teste, usou 100 picos de madeira; no segundo teste, 200; no terceiro, espetou 300 espinhos e percebeu que estava próximo da peça que imaginara. “E onde cabem 300 espinhos, cabem 365, um por cada dia do ano.”
Em 2016, no primeiro ano de atividade, fez uma centena de ouriços de madeira e daí em diante foi sempre a crescer. “Fui afinando a peça, desde os materiais e de ir buscar os cortes de madeira mais perfeitos aos fornecedores que conseguissem cumprir os prazos de entrega. Agora o processo está mais agilizado”, garante o artesão. “Demoro cerca de duas horas a concluir um ouriço, entre furação, pintura, colagem, secagem. Gosto de os fazer, vender não é a minha parte preferida do processo. Fazer um ouriço é o meu psicólogo, é um momento de prazer, não pode nunca transformar-se numa obrigação”, acrescenta.
Com o uNi ouriço à venda em cinco lojas em Lisboa, Ericeira e Comporta, Paulo Reis percebeu que para vingar no mercado online tinha de investir muito dinheiro em divulgação. Por isso, exposições como a d’A Vida Portuguesa na loja do MoMA, em Nova Iorque, são valiosos empurrões. “O que mais valorizo nesta oportunidade é a minha peça ter sido aprovada pelos curadores do MoMA, os mesmos especialistas que dão o aval para o que está em exposição no museu. Compraram 50 peças através d’A Vida Portuguesa. É só o mais importante museu de arte moderna do mundo… Nunca pensei que podia acontecer, só mostra que não há limites.”