Odair Moniz não era anjo nem demónio. O purgatório em que viveu, durante 43 anos, não é diferente do habitado pelas gerações antes dele, nem daquele em que, hoje, resistem as quase seis mil almas que moram no bairro do Zambujal, concelho da Amadora. A vida e morte de Odair pôs Portugal a falar deste “país invisível”, mais pobre, mais vulnerável, mas também mais jovem, que continua a crescer, silenciosamente, às portas da capital – nos bairros a norte e a sul do Tejo vivem perto de meio milhão de pessoas.
Ao subirmos a rua até à casa que era de Odair, não é possível ignorar o estado de degradação dos edifícios, os buracos nas estradas e passeios, o lixo acumulado nas bermas. Pelo caminho, rostos tristes e desconfiados lamentam terem sido “abandonados pelo Estado”, denunciam o “racismo” e a “violência policial” constantes, confessam “ter medo”, mas demonstram “esperança” que a morte de “um filho do bairro”, “que gostava de dar gomas às crianças”, “conversar com os mais velhos”, “amigo de africanos” e “respeitado por ciganos [um terço dos habitantes do bairro]”, não tenha sido em vão. “Os tiros da polícia levaram o Odair, mas, naquela noite, podia ter sido qualquer um de nós. Desta vez, não nos vamos calar”, garante o bairro do Zambujal.