A cidade do Porto volta a receber, esta terça-feira, a maior conferência europeia dedicada à felicidade corporativa, o Hapiness Camp. Promovido pela Associação Happiness Camp, o evento procura promover a discussão sobre as questões de saúde mental – como o burnout, stress e a depressão – no mundo corporativo e contribuir, através da partilha de estratégias e experiências, para um ambiente de trabalho mais saudável e feliz para trabalhadores e empresas. Nesta terceira edição, que terá lugar esta terça-feira, na Alfândega do Porto, são esperados mais 15 mil participantes, de mais de 50 nacionalidades.
Mas afinal o que é isto da “felicidade corporativa” e que estratégias é que podem as empresas adotar de forma a contribuírem para a manutenção da saúde mental dos seus trabalhadores? A VISÃO falou com Liliana Dias, psicóloga especialista na área da saúde e bem-estar no trabalho há 20 anos. “O Happiness Camp tem o objetivo de procurar alterar o paradigma vigente no mundo corporativo onde, muitas vezes, o bem-estar não é a prioridade nem é tratado de uma forma séria”, explicou.
Desde a pandemia que as questões relacionadas com a saúde mental tem adquirido novos contornos, com o aumento do número de casos registados de burnout, stress crónico em contexto de trabalho, ansiedade e depressão. De acordo com dados da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, as doenças mentais e do comportamento representam 11,8% da carga global das doenças no País – uma percentagem superior à das doenças oncológicas. Para além disso, cerca de 16,5% da população portuguesa apresenta perturbações de ansiedade e 7,9% possui perturbações do humor. Problemas que, segundo os especialistas, demonstram a degradação da saúde mental na população portuguesa.
Burnout
Ao contrário da ansiedade e da depressão – que são perturbações de prevalência global – o Burnout não é considerado uma doença mental, sendo definida como uma síndrome que ocorre em resposta à exposição a stress laboral crónico. + Para saber mais sobre o burnout leia aqui
“Este ano, mais do que nunca, queremos abordar a urgência da felicidade corporativa, especialmente num momento em que os dados mostram uma realidade de degradação alarmante da saúde mental em Portugal, mas também uma crise de emigração de talento jovem, onde o burnout e a depressão predominam a realidade corporativa portuguesa”, referiu António Pedro Pinto, Presidente da Associação Happiness Camp, em comunicado.
O que é a felicidade corporativa?
O conceito de felicidade corporativa é bem mais amplo do que se possa pensar inicialmente. Primeiro, e de forma a compreender o que engloba, é necessário fazer a distinção entre dois tipos de felicidade: a felicidade hedónica – um estado de felicidade curto e transitório, ancorada em momentos positivos e de prazer – e a felicidade eudaimónica – associada ao sentido de entidade, a um propósito de vida e aos valores de cada pessoa. “É um termo muito lato, porque no fundo ele engloba muito mais do que aquilo que nós associamos como felicidade”, refere a especialista.
Num contexto profissional é, assim, fundamental perceber as diferenças entre ambos os tipos de felicidade que se proporcionam aos profissionais, uma vez que não basta apenas dar aos trabalhadores momentos – curtos – de felicidade hedónica mas estabelecer condições para estes se sintam realizados e apoiados na sua situação profissional – de felicidade eudaimónica. “Os colaboradores têm de sentir que há propósito no seu trabalho e no seu desenvolvimento e que estão a contribuir seja para um mundo melhor, para o um crescimento, para uma inovação”, defendeu a especialista.
Portanto, a criação de um sentido de propósito dentro das organizações contribui para a felicidade e, acima de tudo, para a produtividade dos trabalhadores. Esta tem-se tornado uma questão imperativa nos últimos anos, uma vez que os trabalhadores – independentemente da sua geração – procuram cada vez mais ambientes de trabalho que se adaptem aos seus objetivos profissionais e pessoais. “Vamos ter de repensar como é que as organizações estão estruturadas, como é que a colaboração acontece e como é que a liderança pode evoluir também, que não seja uma liderança limitadora mas uma liderança potenciadora de melhores ambientes de trabalho e de maior produtividade, de crescimento e florescimento das organizações”, conta.
Deste modo, as estratégias das empresas devem procurar responder a questões como “Qual é a realidade de trabalho que estamos a criar?” ou “Quais são os fatores que prezam os meus colaboradores?” de forma a mitigar os riscos de problemas de saúde mental.
Porque é que criar um ambiente mais feliz é importante para as empresas?
A falta de condições ou recursos de trabalho, a falta de apoio prestado pelas lideranças ou a falta de acompanhamento aos profissionais são fatores que resultam numa maior experiência de stress e ansiedade no local de trabalho e acabam por culminar no desenvolvimento de problemas de saúde mental. Assim, é essencial que as empresas saibam reconhecer – e mitigar – os riscos que levam ao desenvolvimentos de distúrbios mentais e adotar medidas preventivas.
Os problemas de saúde mental – especialmente os casos de burnout – não afetam apenas a dimensão pessoal dos trabalhadores, tendo implicações na gestão e custos das organizações. “Trabalhadores mais felizes são mais produtivos, estão mais vinculados à organização, portanto estão mais comprometidos às mudanças de contexto, inovam mais, são mais resilientes na sua capacidade de adaptação ao mercado e, portanto, tornam as organizações bem mais bem-sucedidas no médio longo prazo”, referiu a psicóloga.
Assim, mitigar os riscos de stress – os principais fatores que anulam a felicidade em contexto de trabalho – contribui para uma maior felicidade no mundo corporativo. “Quanto mais nos aproximarmos deste modelo de gestão de saúde em contexto organizacional, mais felicidade estamos a promover e necessariamente, mais desempenho, e também maior capacidade das organizações de reinventarem, ajustarem, flexibilizarem e inovarem”, acrescentou.
Um dos objetivos do Hapiness Camp é precisamente dar a conhecer as estratégias adotadas por diversas empresas que resultaram na redução dos riscos de desenvolvimento destas patologias e, por conseguinte, levaram à diminuição da queda do número de casos e situações de baixas médicas. “Não é numa ótica de ‘como é que eu vou ser mais feliz no trabalho’ (…) [mas de] aquilo que são temas críticos para a mudança acontecer nas práticas de gestão de pessoas, de gestão do trabalho e até da própria organização”, referiu.
Novidades na organização da conferência
Este ano a agenda do Happiness Camp divide-se em dois formatos – o Happy Stage e o Joyful Stage – com mais de 25 palestras de especialistas de diferentes organizações internacionais e nacionais com o intuito de partilhar medidas e resultados da promoção do bem-estar no local de trabalho.
O Happy Stage, de formato palestra, conta com figuras como Lori George – Ex-Diretora Mundial de Diversidade, Equidade e Inclusão na Coca-Cola – Kerri Warner, Diretora Mundial de Comunicação Interna na Spotify – e Jen Fisher – Diretora de Sustentabilidade Humana da Deloitte. Já no Joyful Stage o foco centra-se em temas como a neurodiversidade e as expectativas da geração Z no mercado de trabalho, através da experiência de convidados como Sonya Barlow – Apresentadora da BBC – Zaheer Ahmad – Membro do Conselho de Diversidade, Equidade & Inclusão da Toyota Motors – e Stefanie Sword-Williams – CEO da Fuck Being Humble.
Para Liliana Dias o foco está sobretudo nos convidados “que arriscam mais na mudança, nas suas práticas e na forma como se desenham estes locais de trabalho, estas relações e colaborações em contexto de trabalho”. Empresas que, com algumas mudanças, trouxeram um repensar da forma como se gere a felicidade, a saúde e o bem-estar em contexto trabalho e criaram locais de trabalho “humanamente sustentáveis”.
A Ordem dos Psicólogos também integra o evento – no Joyful Stage – e procura “trazer um bocadinho de ciência da psicologia a esta área bem como o que é que a psicologia também traz como melhores práticas, intervenções com evidência científica e partilhar o conhecimento”, explica, revelando ainda que vão ser abordadas formas de prevenção do burnout, sobretudo em profissões que envolvem um maior suporte emocional – como as áreas da saúde ou recursos humanos. O objetivo passa por compreender “como é que nós podemos capacitarmos individualmente e também capacitar melhores práticas na organização que são promotoras de melhores condições para a saúde mental das pessoas em contexto de trabalho”, acrescentou.
O evento inclui ainda as sessões práticas Happiness Labs, em formato de masterclass, que pretendem dar aos participantes a oportunidade de aprender e aplicar técnicas para melhorar a experiência do colaborador e que incluem o International WELL Building Institute, IE University Madrid, e Nova Business School.
O Happiness Camp pauta-se por ser também um espaço de criação de conexões. “É também um espaço de criar conexões, de criar comunidade, criar network, ter experiências talk – no formato ted talk – mas também de formatos mais pequenos, como workshops práticas e hands on”, defende Dias.
No final da conferência – de entrada gratuita – os participantes terão ainda acesso a um certificado que contabiliza 8 horas de formação oficial, que é acreditado pela prestigiada Happiness Business School.