Gratidão vs. ódio: O que diz a Ciência e como ambos afetam a nossa saúde

Gratidão vs. ódio: O que diz a Ciência e como ambos afetam a nossa saúde

Há mais de 150 anos, Charles Darwin sugeria que os humanos “e os animais superiores, especialmente os primatas” partilhavam emoções complexas, como a gratidão. Largada a bomba, o naturalista britânico seguia por ali fora, a enumerar os comportamentos que acreditava serem paralelos: “Praticam o engano e são vingativos; são, por vezes, suscetíveis de serem ridicularizados e até têm sentido de humor; sentem admiração e curiosidade; possuem as mesmas faculdades de imitação, atenção, deliberação, escolha, memória, imaginação, associação de ideias e razão, embora em graus muito diferentes.”

Nesse ano de 1871, em que publicou A Origem do Homem e a Seleção Sexual (The Descent of Man and Selection in Relation to Sex, no original), Darwin estava careca de saber que as suas teorias eram habitualmente recebidas com narizes torcidos. O que não adivinhava é que seria preciso esperar pelo século XXI para os investigadores admitirem que poderia estar certo, pelo menos quanto à gratidão, e cada vez mais convencidos do papel dela na evolução e na sobrevivência do Homem.

Mesmo sem conseguirmos “falar chimpanzês” o suficiente, “o comportamento dos nossos parentes mais próximos sugere que nós, humanos, não estamos sozinhos na importância que damos à gratidão”, veio dizer a bióloga Malini Suchak, em 2017, numa análise de vários estudos. “A investigação demonstra que, muito provavelmente, a nossa propensão para a gratidão tem raízes evolutivas profundas.”

Combate cerebral

Graças à ressonância magnética funcional, sabe-se que os discursos de ódio entorpecem as reações de empatia no cérebro e que o hábito de expressar gratidão pode reprogramá-lo, com efeitos duradouros

Ver imagens de pessoas de uma etnia ou cultura diferente ativa a amígdala, uma área do cérebro ligada à criação de medo

Ver ou pensar num grupo estranho pode atenuar a atividade do córtex pré-frontal medial, uma área associada à cognição social e à empatia

Ver rostos de pessoas que odiamos ativa áreas do córtex frontal relacionadas com a forma como vamos reagir, preparando-nos para a ação

O estriado mental, área associada à recompensa, é ativado durante o fracasso dos membros do outro grupo. Ou seja, o ódio pode levar à sensação de recompensa

Os discursos de ódio entorpecem as reações de empatia do cérebro, porque levam à diminuição da atividade em regiões essenciais para o processamento de informações sobre as experiências de outras pessoas, nomeadamente no córtex cingulado anterior e na ínsula anterior

A gratidão ativa o hipotálamo, que regula as hormonas responsáveis pela temperatura corporal, as respostas emocionais e algumas funções de sobrevivência, como o apetite e o sono

A gratidão faz aumentar a atividade do córtex cingulado anterior e do córtex pré-frontal medial, duas áreas associadas à cognição moral e social, à recompensa, à empatia e ao juízo de valor

Um dos neurotransmissores libertados pela gratidão é a hormona do prazer, a dopamina, que pode ser reexperimentada quando a pessoa revive a emoção

As áreas do cérebro ativadas pela gratidão são as mesmas que controlam a capacidade de pensar sobre o resultado das nossas ações, ou seja, o nosso pensamento futuro

A gratidão desencadeia uma maior ativação no córtex pré-frontal, a área do cérebro associada à tomada de decisões e à recompensa social

Em experiências com macacos-capuchinho e chimpanzés, Suchak, que estuda comportamento animal na Universidade Canisius, em Buffalo, nos EUA, descobriu que os primatas estavam mais dispostos a ajudar um parceiro se ele os tivesse ajudado no passado. E que isso acontecia de uma maneira que mostrava a formação de laços emocionais.

Não era uma simples transação do estilo “eu coço as tuas costas, tu coças as minhas”, sublinhou então a mesma cientista. Se a reciprocidade fosse apenas motivada pela dívida, os primatas teriam de manter um registo dos custos e dos benefícios ao longo do tempo, o que, segundo a investigação existente, não seria realista. “O mais provável é as trocas serem motivadas por reações emocionais, mais fáceis de controlar.”

A explicação apresenta-se tão simples como na equação um mais um é igual a dois: as emoções reforçam a relação entre dois indivíduos, eles ficam suscetíveis de prestar favores um ao outro no futuro e, assim, aumentam as suas hipóteses de sobrevivência.

Foi isso que aconteceu na nossa história evolutiva: porque trabalhámos em conjunto, sobrevivemos, o que nos leva ao outro lado deste artigo – o ódio, que, como se vai ler, está igualmente relacionado com a sobrevivência do Homem.

Uma fonte de saúde

Ambas as emoções fazem parte de nós, com uma diferença substancial: enquanto a gratidão traz benefícios para a nossa saúde e o nosso bem-estar, sempre redobrados, num círculo virtuoso, o ódio transformou-se no fenómeno afetivo mais destrutivo da história da natureza humana. A nossa sorte, como também se vai ler, é uma das emoções ser passível de ser fomentada e a outra de ser combatida.

A gratidão pode ser definida como um sentimento forte de reconhecimento. “Uma resposta emocional individual, que tem como objetivo a pessoa ser capaz de se focar no que há de melhor em si e na sua vida, de ter uma leitura de abundância e não de défice, para estar bem”, acrescenta Helena Águeda Araújo, professora da Universidade de Lisboa, coordenadora da formação pós-graduada em Psicologia Positiva Aplicada – Estudos da Felicidade.

Cícero já dizia que a gratidão era não só a melhor das virtudes mas a mãe de todas as outras. Depois dele, e ao longo dos séculos, seria sempre considerada das virtudes mais relevantes, juntamente com a humanidade da compaixão.

Pouco original como filósofo, Cícero interessou-se sobretudo pela moral social e prática na Roma Antiga. Olhava as virtudes como deveres e estava longe de poder imaginar que a mãe de todas elas ia ser considerada pela Ciência como uma fonte de saúde e da força humana, atraindo cada vez mais investigadores.

O grande salto foi dado em 2003, com um estudo realizado por Robert Emmons, da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos da América, e Michael McCullough, da Universidade de Miami, que analisaram o efeito da gratidão no bem-estar psicológico e físico. Os dois psicólogos quiseram perceber quais são os benefícios sentidos pelas pessoas que se sentem gratas (uma questão que os cientistas tinham explorado pouco até então) e encontraram muito mais do que esperavam.

O estudo incluiu pedir aos participantes que mantivessem um diário de gratidão, no qual registavam, pelo menos, três coisas por dia pelas quais se sentiam gratos. Os investigadores descobriram que as pessoas que praticam essa atividade pontuam 25% mais em pesquisas que medem a felicidade, dormem mais meia hora na maioria das noites e fazem mais 33% de exercício ao longo da semana, em comparação com as que não fazem da gratidão uma prática diária.

O que impressiona são os resultados objetivos e biologicamente verificáveis da gratidão

Robert Emmons Psicólogo, Universidade da Califórnia em Davis, EUA

“O que me impressiona são os resultados objetivos e biologicamente verificáveis que vão além das medidas de autorrelato”, disse, na altura, Emmons.

Os resultados foram tão claros e surpreendentes que a chamada Ciência da Gratidão ganhou um ímpeto nunca visto. Desde então, multiplicaram-se os estudos, oriundos de diferentes áreas, e pesquisá-los é como entrar num poço sem fundo. Os benefícios verificados são também muitos, tanto ao nível da saúde como ao nível do fortalecimento das relações sociais e amorosas.

Em 2009, e na senda do estudo de Emmons e McCullough, o psicólogo britânico Alex M. Wood, especialista em saúde mental e bem-estar, conduziu uma investigação que confirmou que as pessoas com propensão para a gratidão no seu dia a dia dormem não só mais como melhor. Mais surpreendente foi naturalmente a investigação liderada por Paul J. Mills, professor de Medicina Familiar e Saúde Pública na Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA, que demonstrou como expressar, por escrito, a gratidão com regularidade é bom para o coração.

Um coração mais saudável

Uma vez que estudos anteriores tinham revelado que as pessoas que se consideravam mais espirituais tinham um maior bem-estar geral, incluindo a sua saúde física, Mills e os seus colegas quiseram compreender o papel da espiritualidade e da gratidão em marcadores de saúde.

O estudo envolveu 186 homens e mulheres a quem fora diagnosticada insuficiência cardíaca assintomática, durante pelo menos três meses. Tinham todos uma doença cardíaca estrutural (por exemplo, sofreram um ataque cardíaco que lhes danificara o coração), mas não apresentavam nenhum sintoma de insuficiência cardíaca (por exemplo, falta de ar ou fadiga).

Essa fase constitui uma janela terapêutica importante para travar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida, lembra-se no estudo, uma vez que os doentes correm um risco elevado de evoluir para uma insuficiência cardíaca sintomática, em que o risco de morte é cinco vezes superior.Utilizando testes psicológicos padrão, os investigadores obtiveram pontuações para a gratidão e o bem-estar espiritual. De seguida, compararam-nas com as pontuações dos doentes, relativamente à gravidade dos sintomas depressivos, à qualidade do sono, à fadiga, à autoeficácia (a crença na capacidade de cada um para lidar com uma situação) e aos biomarcadores inflamatórios. E concluíram que pontuações mais elevadas de gratidão estavam associadas a uma menor inflamação.

Para testar essas conclusões, os investigadores pediram a alguns dos doentes que escrevessem três coisas pelas quais se sentiam gratos na maior parte dos dias da semana, durante oito semanas. Descobriram então que os pacientes que mantiveram diários de gratidão durante esse período de tempo mostraram reduções nos níveis de vários biomarcadores inflamatórios importantes, bem como um aumento na variabilidade da frequência cardíaca enquanto escreviam.

O bem que nos faz à saúde

São muitos os estudos a demonstrar que expressar gratidão traz vários benefícios

REDUZ O RISCO CARDÍACO
Expressar por escrito a gratidão com regularidade é bom para o coração. Doentes com insuficiência cardíaca que mantiveram diários de gratidão durante oito semanas registaram reduções nos níveis circulantes de vários biomarcadores inflamatórios importantes, concluíram investigadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA, em 2015. Mais: enquanto escreviam, aumentou a variabilidade da sua frequência cardíaca, “considerada uma medida de redução do risco cardíaco”, sublinhou o principal autor do estudo, Paul J. Mills.

MELHORA O SONO
Pessoas com propensão para a gratidão no seu dia a dia dormem melhor. Num estudo realizado no Reino Unido, em 2009, que envolveu 401 homens e mulheres, entre os 18 e os 68 anos (40% deles com um sono clinicamente insuficiente), uma equipa liderada por Alex M. Wood, da Universidade de Trinity, em Leeds, verificou que essas pessoas demoram menos tempo a adormecer, têm um sono com mais qualidade e uma sonolência diurna menor.

REFORÇA O SISTEMA IMUNITÁRIO
A gratidão desempenha um papel indireto na melhoria da função imunitária. Em 2021, Naomi Eisenberger e os seus colegas do Laboratório de Neurociência Social e Afetiva da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, nos EUA, encontraram níveis mais baixos de citocinas inflamatórias (que estão associadas a doenças crónicas do envelhecimento, como a diabetes, a aterosclerose ou o cancro) em mulheres que, sentindo-se gratas, se envolveram em mais cuidados de apoio a outras pessoas.

BENEFICIA A SAÚDE MENTAL
A gratidão pode reduzir particularmente os níveis de depressão e ansiedade. Em 2016, uma equipa liderada por Y. Joel Wong, da Universidade de Indiana, nos EUA, pediu a pacientes de consultas de psicoterapia que escrevessem cartas de gratidão, e os resultados sugerem que a realização deste tipo de atividades faz aumentar a autoestima e a satisfação com a vida quotidiana, reduzindo os sintomas de depressão e ansiedade.

AUMENTA O BEM-ESTAR
A gratidão pode fomentar os comportamentos saudáveis. Dormir bem, comer melhor, reduzir a cafeína, controlar o stresse, fazer exercício regular… A lista é potencialmente longa, já sabiam Robert Emmons e Michael McCullough quando decidiram estudar a relação entre a gratidão e o bem-estar subjetivo no dia a dia. Nessa investigação, pioneira em 2003 e ainda hoje considerada uma referência na comunidade científica, os dois psicólogos norte-americanos verificaram que as pessoas que registaram, pelo menos, três coisas por dia num diário de gratidão exercitaram-se 33% mais.

CIMENTA AS RELAÇÕES
A gratidão é importante para a manutenção bem-sucedida de laços íntimos. Em 2012, uma análise de vários estudos, liderada por Amie M. Gordon, da Universidade da Califórnia, nos EUA, concluiu que as pessoas que se sentem mais apreciadas pelos seus parceiros relatam ter mais apreço por eles, são mais sensíveis às suas necessidades e também mais empenhadas e mais suscetíveis de permanecer nas suas relações ao longo do tempo.

“A melhoria da variabilidade da frequência cardíaca é considerada uma medida de redução do risco cardíaco”, lembrou, na altura, Paul J. Mills. “Parece que um coração mais grato é, de facto, um coração mais saudável e que o diário de gratidão é uma maneira fácil de ajudar a saúde cardíaca.”

A relação entre a gratidão e a inflamação é muitas vezes apontada como uma explicação para o seu papel na saúde, no geral. Em 2021, investigadores do Laboratório de Neurociência Social e Afetiva da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos EUA, quiseram saber se é por essa via que as pessoas mais gratas veem o seu sistema imunitário mais protegido.

O estudo envolveu 61 mulheres, todas saudáveis, com idades compreendidas entre os 35 e os 50 anos, que foram divididas aleatoriamente em dois grupos. Uma vez por semana, às mulheres do grupo da gratidão foi pedido que escrevesse sobre uma pessoa a quem estivessem gratas (“Pense em alguém na sua vida a quem sinta que nunca agradeceu adequadamente algo que fez por si”). Ao grupo de controlo pediu-se que escrevesse sobre temas neutros (“Pense na distância mais longa que percorreu hoje”).

Quando chegaram os resultados do estudo, Naomi Eisenberger, coordenadora desse laboratório, confessou-se surpreendida por não encontrar níveis mais baixos de citocinas inflamatórias (que estão associadas a doenças crónicas do envelhecimento, como a diabetes, a aterosclerose ou o cancro) nas participantes que tinham expressado a sua gratidão.

Quando nos sentimos melhor, queremos cuidarmo-nos mais e dos outros, o que inicia um círculo virtuoso

Helena Águeda Araújo Professora da Universidade de Lisboa, especialista em Estudos da Felicidade

“Lê-se todas as notícias sobre gratidão e parte-se do princípio de que se vai assistir a estes efeitos benéficos mágicos. Nós não vimos isso”, disse, na altura, Eisenberger. “Os efeitos eram realmente mais difíceis de ver do que pensávamos; eram mais subtis.”

A psicóloga decidiu, por isso, avançar com um segundo estudo, para analisar a capacidade de apoio das mulheres, tivessem ou não participado na atividade de gratidão. Neste caso, observaram finalmente um efeito claro: as mulheres que se envolveram em mais cuidados a outras pessoas tinham níveis mais baixos de interleucina 6 (que atua como uma citocina pró-inflamatória), o que sugere que os cuidados de apoio – e não a gratidão, por si só – podem melhorar a função imunitária. Ou seja, a gratidão pode afetar a inflamação se conduzir a um maior apoio aos outros.

A “cola” das relações

Já se sabia que a gratidão tem um efeito virtuoso. Em 2009, o psicólogo David DeSteno, coordenador do Grupo de Emoções Sociais da Northeastern University, nos EUA, realizou um estudo em que orientava cada participante a concluir uma difícil tarefa de entrada de dados, logo “perdidos” supostamente por mau funcionamento do computador. O objetivo era verificar o que aconteceria se alguém ajudasse a resolver o problema. Aqueles que foram ajudados por um assistente do laboratório (que fingia nada ter que ver com o estudo em causa) e ficaram gratos com essa ajuda tiveram maior propensão para retribuir o favor.

“A gratidão leva as pessoas a agir de forma virtuosa ou mais altruísta”, afirmou então DeSteno. “E constrói o apoio social, que sabemos estar ligado ao bem-estar físico e psicológico.”

O papel da gratidão nos vínculos sociais é tão importante que a psicóloga Helena Marujo a compara com uma “cola”. Uma cola “fundamental”, sublinha. “E, quando sabemos que a qualidade das relações com os outros é a dimensão mais importante para o bem-estar, a longevidade e a saúde no geral, trabalhar isso tem uma função dupla – para a pessoa e para a coesão entre as pessoas. Traz-nos um sentido de que vale a pena ter esperança no mundo. Pensamos: ‘Há pessoas boas’.”

Aqui chegados, tudo aponta no sentido de que a gratidão deve fazer parte da nossa relação com os outros. Em 2012, para desfazer as dúvidas, a psicóloga Amie M. Gordon, da Universidade da Califórnia, nos EUA, analisou quatro estudos que associavam a expressão da gratidão entre parceiros amorosos à manutenção da relação. E chegou ao final com a certeza de que as pessoas ficam mais empenhadas e têm mais vontade de continuar nas relações quando se sentem apreciadas pelo parceiro. “Cultivar a apreciação pode ser exatamente aquilo de que precisamos para manter relações saudáveis e felizes, que prosperam”, disse, na ocasião.

Se expressar a gratidão em voz alta é bom, por escrito parece ser ainda melhor – talvez porque ponderamos melhor as palavras, escrevemo-las para nós, sem receio de alguém nos achar ridículos (daí o diário), e podemos relê-las mais tarde. É nesse sentido que aponta a investigação existente.

Como travar o ódio

Trabalhe as outras emoções, conheça melhor “o outro” e pense antes de agir

Ganhe consciência
O ódio é a sua emoção de eleição? Costuma deixar-se levar por ele? Sente que isso é contraproducente na sua vida e gostaria de substituí-lo por outra emoção?

Escolha a gratidão
No dia a dia, pensar nas coisas que nos deixam gratos ajuda a reenquadrar o valor daquelas que odiamos. Um exemplo: quase perde a cabeça quando apanha um engarrafamento de trânsito? Concentre-se no prazer que está a ter ao ouvir uma música ou um podcast.

Reduza o preconceito
Interaja com pessoas diferentes, para encontrar as semelhanças que podem ter consigo. Vários estudos mostram que o contacto entre grupos pode reduzir o preconceito, que é frequentemente um precursor do ódio.

Não tenha medo de identificar discursos de ódio
Se alguém partilhar uma piada ou uma expressão que promova a discriminação, diga, de maneira cordial, que isso não é correto e explique porquê.

Não propague o ódio nas redes sociais
Antes de partilhar alguma coisa, pense: “Ela vem de uma pessoa, meio ou fonte confiável?”; “Baseia-se em factos verificados, evidências e informações comprovadas?”; “Qual é o propósito e que benefícios traz para mim ou para as outras pessoas?”

Neutralize o discurso de ódio
“Desafie calmamente a lógica das afirmações”, ensina o criminologista britânico Matthew Williams, autor do livro A Ciência do Ódio. “Se eles disserem ‘Todos os muçulmanos são terroristas’, dizemos: ‘Esperem um segundo. Não acham que, se todos os muçulmanos fossem terroristas, teríamos muito mais ataques terroristas neste momento? Porque há X muçulmanos a viver neste sítio’.”

Denuncie
Quando encontrar uma mensagem que promova o ódio ou a discriminação, utilize as ferramentas oferecidas pela rede social para denunciar.

Fonte: Campanha para combater o discurso de ódio nas redes sociais, do Gabinete da Assessora Especial para Prevenção do Genocídio, Nações Unidas

Além dos benefícios que já vimos, em 2016 um estudo pioneiro veio demonstrar que escrever cartas de gratidão ajuda a reduzir a depressão e a ansiedade. Uma equipa liderada por Y. Joel Wong, professor de Psicologia de Aconselhamento na Escola de Educação da Universidade de Indiana, nos EUA, pediu a pacientes de consultas de psicoterapia que escrevessem cartas de gratidão. Os resultados sugerem que este tipo de atividades faz aumentar a autoestima e a satisfação com a vida quotidiana, reduzindo os sintomas de depressão e ansiedade.

Wong acredita que os benefícios de escrever sobre aquilo que nos torna gratos revelam-se verdadeiramente através de hábitos a longo prazo. Nessa medida, está atualmente a estudar se a expressão de gratidão num programa de seis semanas pode ajudar pessoas com depressão.

E quem diz cartas diz um pensamento curto, de preferência uma vez por dia, defende o mesmo especialista, que aconselha associar esse hábito diário a uma rotina já estabelecida. No seu caso, pensa nas coisas pelas quais está grato logo de manhã, mal chega ao trabalho e liga o computador pela primeira vez.

Esse é o gatilho de que precisa para desatar a sua gratidão, sempre de caneta e papel. “O ato de escrever [à mão] abranda o nosso processo de pensamento, permite-nos ponderar mais deliberadamente”, contou ao The New York Times. E fá-lo sempre de maneira específica. “A especificidade é importante porque intensifica as nossas emoções e aprofunda a nossa experiência de gratidão.”

Antídoto para o ódio

Nas suas aulas, Helena Marujo pede com frequência aos alunos para experimentarem a gratidão por escrito, por exemplo, escrevendo cartas. A nossa maior especialista em felicidade – e, por extensão, em gratidão – sabe de cor e na pele as vantagens, do ponto de vista emocional, do exercício. Uma pessoa sentir-se grata é tão importante que, não podendo ser por escrito, reflita-se, aconselha.

Três anos depois de ter perdido o seu querido marido-colega, Luís Miguel Neto, também ele um importante especialista na área da felicidade, a psicóloga começou a treinar o pensamento para conseguir gerir melhor o luto.

“Ainda ontem, ao almoço com os nossos dois filhos, pensei ‘Que pena o Luís Miguel não estar aqui’, mas obriguei-me logo a sentir-me grata por termos podido estar os quatro tantas vezes à roda de uma mesa, a rir”, conta. “Pensei, então, numa perspetiva de abundância, no que tive e não no que perdi. Olhei as nossas memórias com uma luz positiva, para me ajudar a ser capaz de continuar.”

Sabemos que a gratidão tende a fazer conexões neurais e a ativar zonas cerebrais relacionadas com o bem-estar. E que leva ao aumento da dopamina, que é a hormona do prazer. “Quando nos sentimos melhor, queremos cuidar-nos mais e dos outros, o que inicia um círculo virtuoso”, lembra Helena Marujo.

A gratidão é, por isso, incompatível com as emoções negativas. E é um antídoto para o ódio, essa emoção que se espalha facilmente e não traz quaisquer benefícios nem para a saúde nem para o mundo.

Comece-se por explicar que o ódio não é exatamente como as outras emoções. No nosso dia a dia, somos capazes de usar o verbo “odiar” de uma maneira ligeira, para nos queixarmos de um dia chuvoso ou do trânsito caótico, mas o ódio é tudo menos ligeiro. Se o medo, por exemplo, é uma resposta imediata a determinada situação, o ódio traz uma avaliação moral do alvo.

Não foi por acaso que, em 2005, há quase 20 anos, os psicólogos Edward B. Royzman, Clark McCauley e Paul Rozin descreveram o ódio como “o fenómeno afetivo mais destrutivo da história da natureza humana”. O ódio é implacável.

“O objetivo emocional do ódio não é meramente magoar, mas sim eliminar ou destruir o alvo, seja mentalmente (humilhando, valorizando sentimentos de vingança), socialmente (excluindo, ignorando) ou fisicamente (matando, torturando), o que pode ser acompanhado pelo objetivo de fazer sofrer o malfeitor”, lê-se no estudo monográfico “Why We Hate” (porque odiamos, à letra), liderado pela psicóloga Agneta Fischer, professora de Emoções e Processos Afetivos na Universidade de Amesterdão, nos Países Baixos.

Publicado em 2018, o estudo lembra que se odeiam pessoas e grupos mais por causa de quem são do que por causa do que fazem. “O ódio é especialmente significativo ao nível intergrupal, onde transforma grupos já desvalorizados em vítimas de ódio. E, quando partilhado entre os membros de um grupo, pode espalhar-se rapidamente em zonas de conflito, onde as pessoas são expostas a violência baseada no ódio, o que alimenta ainda mais o seu ódio”, continua. “Por outro lado, ele pode ser tranquilizador e autoprotetor, porque a sua mensagem é simples e ajuda a confirmar a crença das pessoas num mundo justo.”

O ódio aprende-se

Estranho pot-pourri? Nem por isso, quando se sabe que, de um ponto de vista evolutivo, a pertença a um grupo foi necessária à sobrevivência humana e que o ódio é uma distorção da tendência do Homem para distinguir “nós” de “eles”.

“Qualquer espécie sabe que precisa de espaço e de meios de subsistência para sobreviver, e o ódio tem que ver com a luta pelos meios escassos, tão escassos que não é possível dividir com os outros”, lembra a antropóloga Clara Saraiva, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Hoje, também se sabe que a amígdala, que é a parte do cérebro que processa os sentimentos de ameaça e de medo, evoluiu há centenas de milhares de anos e serve para nos manter seguros. Mas “ninguém nasce com o cérebro carregado de ódio e preconceitos”, escreve o criminologista britânico Matthew Williams no seu best-seller A Ciência do Ódio. “Nascemos é com um cérebro que revela a predisposição para distinguir entre ‘nós’ e ‘eles’, mas quem somos ‘nós’ e quem são ‘eles’ é algo que se aprende, não vem de origem.”

Como ser mais grato

As dicas de Robert Emmons, o maior especialista científico do mundo em gratidão

Mantenha um diário da gratidão
Reserve tempo para recordar momentos de gratidão associados a coisas de que desfruta, aos seus atributos pessoais ou a pessoas valiosas na sua vida.

Recorde o mau
Quando se lembra de como a vida costumava ser difícil e de como chegou longe, cria um contraste explícito na sua mente, e esse contraste é um terreno fértil para a gratidão.

Faça três perguntas a si mesmo
Utilize a técnica de meditação conhecida como naikan e reflita sobre: “O que recebi de…?”; “O que dei a…?”; e “Que problemas e dificuldades causei?”

Aprenda orações de gratidão
São consideradas a forma mais poderosa de oração, porque, através delas, as pessoas reconhecem a fonte de tudo o que são e de tudo o que alguma vez serão.

Jure praticar a gratidão
Os estudos mostram que fazer um juramento para adotar um comportamento faz aumentar a probabilidade de que a ação seja executada.

Cuidado com a linguagem
Na gratidão, não deve concentrar-se em como é inerentemente bom, mas sim nas coisas inerentemente boas que os outros fizeram por si.

Use os seus sentidos
Através dos nossos sentidos (tocar, ver, cheirar, saborear e ouvir), ganhamos uma apreciação do que significa ser humano e do incrível milagre que é estar vivo.

Use lembretes
Uma vez que os dois principais obstáculos à gratidão são o esquecimento e a falta de consciência, eles podem servir como pistas para desencadear pensamentos de gratidão.

Faça os movimentos
Se fizer os gestos de gratidão, a emoção deve ser desencadeada. Eles incluem sorrir, dizer “obrigado” e escrever cartas de gratidão.

Pense fora da caixa
Se quiser aproveitar ao máximo as oportunidades para exercitar os seus músculos da gratidão, deve procurar novas situações e circunstâncias para se sentir grato.

Fonte: Revista Greater Good, do Centro de Ciências do Bem Maior, Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA

Matthew Williams fala também por experiência própria. Cresceu num ambiente homofóbico e teve atitudes homofóbicas, numa altura em que ainda não sabia que era homossexual. Depois de fazer o coming out para si próprio e para os outros, pediu desculpa a quem magoou pelo caminho. Era um jovem aspirante a jornalista quando foi vítima de um crime de ódio, o que o levou a dedicar-se a estudar o tema, e, agora, usa o seu caso como exemplo do preconceito aprendido e de como ele pode ser combatido.

“Durante muito tempo, pensava-se só no foro biológico, mas as emoções são também culturais – são reações corpóreas, mas são também aprendidas”, sublinha Clara Saraiva. “O ódio e a gratidão são aprendidos culturalmente e têm que ver com o contexto sociocultural em que a pessoa está. Uma criança inuit que nasceu em Nunavut [antigo território do Noroeste canadiano] e seja endoculturada vai reagir emocionalmente às coisas conforme o que aprendeu. Mas se, aos 2 meses, alguém pegar nessa criança e a puser em Lisboa, ela vai aprender as reações emocionais do ponto de vista da sociedade cultural portuguesa. Não é só dizer ‘bom dia’ e ‘obrigada’; tem que ver com as reações emocionais.”

O exemplo é de melhor apreensão quando se sabe que os padrões emocionais dos inuit são muito diferentes dos portugueses. Culturalmente, os inuit adultos não mostram a raiva. E mesmo nas restantes emoções são pouco exuberantes – apenas as crianças, e só até aos 6 anos, podem “descontrolar-se”.

Na década de 1960, a antropóloga americana Jean Briggs passou 17 meses a viver como “filha adotiva” de uma família Utku, na foz do rio Back, a noroeste da baía de Hudson, na atual Nunavut. O ponto principal do seu livro Never in Anger: Portrait of an Eskimo Family (à letra, nunca com raiva: retrato de uma família esquimó), que publicou sobre essa experiência, é o contraste entre o controlo emocional dos inuit, em particular na sua não-demonstração de raiva, e a volatilidade ocidental.

“A raiva e o ódio são emoções diferentes, mas estão intimamente ligadas”, lembra Clara Saraiva. “As linhas entre ambas são ténues. Uma pode desencadear a outra ou vêm em conjunto.”

Os efeitos do discurso do ódio

Escreva-se, a propósito, que o ódio não é bem-visto nas sociedades ocidentais modernas. A mesma pessoa que o usa numa hipérbole, para se referir ao tal dia chuvoso, pode afirmar nunca ter odiado nada nem ninguém na sua vida.

Um estudo realizado em 2008, pelo psicólogo Eran Halperin, atualmente professor na Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, mostra isso mesmo.

Com o objetivo de analisar a natureza do ódio de grupo nos conflitos, Halperin pediu a 40 israelitas que pensassem num acontecimento das suas vidas em que tivessem sentido ódio. Todos disseram imediatamente que nunca tinham sentido ódio, embora tivessem sentido uma raiva extrema, e que conheciam outras pessoas que tinham sentido ódio, além de estarem cientes da prevalência do ódio em zonas de conflito.

O ódio tem que ver com a luta pelos meios escassos, tão escassos que não é possível dividir com os outros

Clara Saraiva Antropóloga, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Mas sentir ódio contra outras pessoas? Eles não. “Ironicamente”, comenta Agneta Fischer, “alguns dos participantes que disseram nunca ter odiado alguém durante toda a sua vida descreveram depois situações específicas na história do conflito israelo-palestiniano em que quiseram atirar uma bomba para uma grande cidade palestiniana, ou situações em que quiseram fazer tudo para aniquilar ou destruir os palestinianos.”

O tema não podia ser mais atual. E o mesmo podemos dizer de um estudo de neuroimagiologia, realizado na Polónia, e publicado na revista Scientific Reports, em março do ano passado, que revelou que a exposição a discursos de ódio entorpece as reações de empatia do cérebro. Assistimos a isso a toda a hora nas redes sociais, de forma ainda mais facilitada por não ser preciso um confronto cara a cara. A desumanização trazida pelos ecrãs favorece a distinção entre o “nós” e o “eles” – para mais sabendo-se que  “eles” estão mais longe de serem vistos como pessoas como “nós”.

A psicóloga Agnieszka Pluta e os seus colegas da Universidade de Varsóvia, na Polónia, quiseram saber se a exposição a discursos de ódio diminuía a atividade em regiões do cérebro consideradas essenciais para o processamento de informações sobre as experiências de outras pessoas, nomeadamente o córtex cingulado anterior e a ínsula anterior. Esse efeito verificou-se independentemente do grupo a que pertencia a pessoa que sofria na história – se era polaca, como os participantes, ou árabe.

Graças à ressonância magnética funcional, passou a ser possível detetar que parte do cérebro está ativa em determinado momento, revelando de que maneira emoções complexas e intensas como o ódio emergem. Antes do estudo de Agnieszka Pluta já a comunidade científica teve alguns momentos “aha”.

Aconteceu, por exemplo, em 2008, quando o neurobiólogo Semir Zeki, da Universidade College London, no Reino Unido, realizou um estudo em que efetuou ressonâncias magnéticas funcionais em 17 jovens adultos, enquanto estes olhavam para imagens de pessoas que odiavam. O que se viu? Que determinadas áreas do putâmen direito, do giro frontal medial, da ínsula medial e do córtex pré-motor foram ativadas.

Zeki e os seus colegas de equipa sublinharam, então, que os componentes deste “circuito do ódio” também estão envolvidos no início do comportamento agressivo. Os investigadores sugeriram que a atividade nestas áreas indica que o cérebro está preparado para a violência.

O nosso cérebro é, portanto, capaz do melhor e do pior. No caso da gratidão, aproveite-se todo o bem que ela traz. No caso do ódio, recuse-se a ideia do karma, a que não se pode fugir. E recorde-se Darwin, para quem os animais também estão sujeitos à loucura, “embora muito menos frequentemente do que no caso do Homem”.

Para saber mais

Quatro livros que ajudam a explicar os mecanismos da gratidão e do ódio

A ORIGEM DO HOMEM
Charles Darwin publicou este The Descent of Man and Selection in Relation to Sex, no original, em 1871, uma dúzia de anos depois de ter espantado a comunidade científica com a sua origem das espécies.
Relógio d’Água, 2009

OBRIGADO!
“Como a gratidão pode torná-lo mais feliz”, anuncia-se neste livro que condensa o grande estudo que Robert Emmons realizou em 2003.
Estrela Polar, 2009

A CIÊNCIA DO ÓDIO
Matthew Williams combina biologia, neurociência, psicologia, sociologia, informática e economia para analisar a linha ténue entre preconceito e ódio.
Contraponto, 2022

NEVER IN ANGER
Dezassete meses a viver em Nunavut, nos anos 1960, deixaram a antropóloga Jean Briggs impressionada com o controlo emocional dos inuítes, lê-se em Never in Anger: Portrait of an Eskimo Family (à letra, Nunca com raiva: retrato de uma família esquimó).
Harvard University, 1970

(Artigo originalmente publicado na VISÃO nº 1615)

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