De acordo com o relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), as remunerações pagas aos gestores da TAP – durante o período em que a empresa esteve parcialmente privatizada – foram realizadas através de um contrato de prestação de serviços “simulado”, permitindo, assim, que fossem dispensadas responsabilidades fiscais. O documento, que apresenta as conclusões da auditoria da Inspeção-Geral às contas da TAP, sugere que as remunerações (fixa e variável) dos membros do Conselho de Administração da transportadora aérea terão sido revistas e ajustadas pela Comissão de Vencimentos (CV). No entanto não terão sido encontradas provas do “pagamento àqueles administradores das remunerações estabelecidas pela CV, nem sequer registos contabilísticos ou recibos de vencimento”, pode ler-se no documento a que a agência Lusa teve acesso.
O relatório dá conta de que, a 18 de janeiro de 2016, foi celebrado um “contrato de prestação de serviços de planeamento, estratégia e apoio à reestruturação da dívida financeira, incluindo a negociação com as entidades bancárias” entre a TAP, SGPS e a Atlantic Gateway – sociedade que comprou maioria do capital da companhia aérea – que “terá tido por objetivo suportar o pagamento das remunerações aos referidos gestores”. Ao que a Inspeção-Geral apurou, este “contrato de prestação de serviços suportou o pagamento das remunerações de tais administradores, conforme informação e cálculos fornecidos pela entidade auditada”.
O relatório apurou também que “entre os valores remuneratórios deliberados pela CV (3.524.922 euros) e os efetivamente cobrados pela Atlantic Gateway (4.264.260 euros) existe a diferença global de cerca de 739.338 euros a mais (21%), a qual foi justificada pela TAP como o resultado da aplicação da Taxa Social Única (TSU) aos valores deliberados em CV”, apesar de não ter “sido apresentada qualquer evidência que ateste tal justificação”.
A auditoria às contas da TAP ajuda ainda a perceber detalhes sobre as remunerações de três administradores da companhia: David Pedrosa, Humberto Pedrosa e David Neeleman. David Pedrosa terá recebido, entre 2015 e 2020, mais de 2,6 milhões de euros, entre remunerações fixas, prémios e outros. Já o valor recebido por Humberto Pedrosa e por David Neeleman situa-se nos 436,8 mil euros, cada um. “Deste modo, os dados disponíveis levam-nos a concluir que o pagamento das remunerações aos administradores em causa foi efetuado através de um contrato de prestação de serviços simulado (pois aparentemente o fim não era o mesmo para o qual fora celebrado), apresentando-se apenas como instrumental para o efeito pretendido”, refere o documento.
Segundo a entidade, este “procedimento afigura irregular-se no pagamento/recebimento das remunerações aos membros do CA [Conselho de Administração], que, assim, eximiram-se às responsabilidades quanto à tributação em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social”.
O caso de Fernando Pinto
Nas conclusões do relatório da Inspeção-Geral de Finanças surge ainda o nome de Fernando Pinto, presidente da companhia aérea entre 2000 e 2018. Segundo o documento, o antigo gestor da TAP recebeu, entre 2007 e 2020, mais de 8, 5 milhões de euros provenientes de remunerações, prémios e prestação de serviços – no que se encontram incluídos 175 dias de férias não gozadas.
Entre os mais de 8,5 milhões de euros recebidos por Pinto, 6 ,4 milhões surgem a “título de remunerações e prémios”. Já os restantes 326,7 mil euros correspondem a férias que não foram gozadas pelo administrador e que correspondem a “a 175 dias, a que acrescem mais 70 dias, de acordo com uma regra instituída” – no entanto, a entidade realça que não conseguiu “evidência do respetivo documento que a suporta”.
No Código do Trabalho português está explícito que “o direito a férias mantém-se irrenunciável e não pode ser substituído, ainda que de acordo com o trabalhador, por qualquer compensação económica ou outra”. As férias devem, por isso, ser “gozadas no ano civil em que se vencem ou, excecionalmente, no ano civil seguinte”. Já segundo a IGF, “não pode haver acumulação de férias por um período superior a um ano, quanto mais de 13 anos, como parece ter sido o caso”. Um fator que leva a entidade a questionar se, ao abrigo do Estatuto de Gestor Público, o antigo presidente da companhia aérea teria direito a uma “compensação monetária devida a título de férias não gozadas”. A entidade relembra que, em 2018, depois de ter cessado as funções de administração da empresa, “foi firmado um contrato entre a TAP, SA e a Free Flight, Unip., Lda, da qual Fernando Pinto é o único sócio e gerente, para prestação de serviços de assessoria e apoio da Comissão Executiva da TAP”, embora, na auditoria, não se tenha conseguido depreender qual o trabalho do gestor neste âmbito.
Fernando Pinto e a TAP terão ainda celebrado um “acordo complementar ao contrato de prestação de serviços”, com benefícios que incluíam “um seguro de vida e saúde, uma viatura de serviço e telefone, facilidade nas passagens aéreas, apoio logístico e jurídico para efeitos da prestação de serviços, suporte das despesas da mudança para o Brasil até 15.000 euros e o direito de participar no plano de subscrição de ações da TAP, SGPS”, lê-se do documento. Benefícios sobre os quais não foi “disponibilizada informação quanto ao valor dos mesmos, adicionalmente despendido pela TAP”, lê-se no relatório.
O relatório da Inspeção-Geral das Finanças já foi enviado pelo Governo ao Ministério Público (MP), referiu, esta terça-feira, Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e Habitação.