Análises a três lingotes de chumbo – que remontam ao século I d.C. – revelaram novas informações sobre a produção, comercialização e importância do metal para o antigo Império Romano. Descobertos na década de 1990, os lingotes encontravam-se expostos no Museu Belmez, em Córdoba, após terem sido desenterrados por uma equipa de trabalhadores da construção civil espanhola durante a realização de obras para o gasoduto Magrebe-Europa, no norte de Espanha. Os objetos, que nunca tinham sido estudados, foram recentemente analisados para um estudo conduzido por um grupo de investigadores da Universidade Córdoba que publicou as suas conclusões na revista académica Journal of Roman Archaeology.
A análise aos lingotes de chumbo, descobertos no local arqueológico de Los Escoriales de Doña Rama, uma região em Córdoba, no sul de Espanha, revelou que a cidade poderá ter desempenhado um papel importante na exploração, produção e exportação de chumbo distribuído para o antigo Império. Com cerca de 45 centímetros de comprimento e pesos entre os 24 e 32 quilos, os lingotes possuem uma forma triangular – útil no seu armazenamento e exportação – bem como as inscrições “SS” – em dois dos lingotes – letras que os investigadores acreditam referir “Societas Sisaponensis“, uma antiga empresa mineira da região de Sisapo – atual cidade de Almodóvar del Campo – na província romana de Baetica – no sul da Península Ibérica – rica em depósitos de minerais. Segundo os investigadores, as letras gravadas nos lingotes serviam para identificar o produto, destinado à exportação em navios para outras zonas do Império Romano. “A jazida de Doña Rama e os lingotes marcados com SS ali encontrados lançam uma nova luz sobre a organização da atividade mineira e metalúrgica na época romana na Serra Morena de Córdoba e permitem compreender melhor o papel desempenhado por estas empresas ditas “anónimas” que se identificavam através de um topónimo”, pode ler-se no estudo.
Desta forma, a sua descoberta revela que a extração mineira no norte de Córdoba não se destinava apenas à produção de chumbo (e prata, outro mineral rico na região) para uso local, mas também para a sua exportação para outras cidades do Mediterrânico, como a sede do antigo Império Romano, onde era muito utilizado e consumido.
O chumbo pode mesmo ter levado à queda do Império Romano?
Geralmente, a queda do Império Romano está associada a fatores como invasões, campanhas militares falhadas ou desafios económicos. Contudo, e segundo vários estudos científicos, o chumbo poderá também ter contribuído para o seu fim, ao ter envenenado algumas das suas figuras mais importantes. Considerado um material mais barato, flexível e resistente à corrosão, o chumbo é altamente tóxico quando entra em contacto com organismo humano, resultando em diversos problemas de saúde, sobretudo neurológicos.
Muito comum no Império Romano, era um metal utilizado para o fabrico de vários objetos de uso diário – como colheres, cachimbos e panelas de cozinha – bem para a construção de canalização e aquedutos, que abasteciam de água as habitações das classes sociais mais ricas. Utilizado também na comida, o acetato de chumbo – conseguido através da dissolução do chumbo – servia enquanto um adoçante para a comida e bebidas – como o vinho – levando ao aumento dos níveis da neurotoxina nas pessoas.
Publicada pela primeira vez pelo investigador Jerome Nriagu, em 1983, a teoria de que o chumbo terá contribuído para a queda do Império defende que a contaminação do vinho e da água – através dos canos e aquedutos – terá resultado em problemas mentais em vários membros da alta sociedade romana importantes, incluindo imperadores como Cláudio, Nero e Calígula, descritos pelos documentos históricos como possuindo alguns dos sintomas mais comuns de intoxicação por chumbo – como alterações de personalidade, fraqueza, raquitismo, comportamentos erráticos ou gota. O imperador Cláudio, por exemplo, é descrito como tendo “membros fracos, um andar desajeitado, tremores, ataques de riso excessivo e inapropriado e uma raiva indecorosa, e muitas vezes babava-se”. Já Nero, conhecido como um imperador cruel e tirano, terá assassinado a própria mãe bem como duas das suas esposas. Uma teoria que viu novos avanços em 2014 quando um grupo de investigadores franceses e britânicos descobriu que a água dos aquedutos na Roma antiga tinha níveis de contaminação até 100 vezes superiores aos encontrados na água de nascente da época.