Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos, Paris acolhe o mesmo número de atletas do sexo feminino e masculino – do total de 10.500 atletas que integram esta edição das olimpíadas, 5.250 são homens e 5.250 são mulheres. Uma conquista importante que só foi possível graças a diversas iniciativas implementadas pelo Comité Olímpico Internacional, em parceria com as Federações Internacionais, Comités Olímpicos Nacionais e veículos oficiais de transmissão.
No entanto, continuam a persistir algumas diferenças na competição entre os géneros, especialmente na forma como determinadas modalidades são observadas, vistas como mais “femininas” ou “masculinas” em certos países. Por exemplo, as artes marciais, como o boxe, são uma área desportiva considerada menos aconselhada para as mulheres em algumas sociedades, ou a natação artística, na qual não existem homens a participar na edição de Paris. Apesar de ter sido anunciado, ainda em 2022, que a competição de natação artística passaria a incluir a modalidade no masculino, não existem homens a competir pelo pódio em Paris.
Separados entre competições femininas e masculinas, os desportos nos Jogos Olímpicos – excluindo o hipismo – não incluem provas que coloquem os sexos em competição direta, pelas diferenças biológicas que colocam as mulheres em desvantagem. As provas de hipismo são as únicas nas olimpíadas onde os atletas de ambos os sexos competem em condições de igualdade, seja a título individual ou através de provas em equipa. “Em 1964, as mulheres puderam participar em todas as provas de hipismo, o que fez deste o único desporto totalmente misto dos Jogos Olímpicos”, lê-se no site oficial dos jogos. Ao contrário de outras competições desportivas, no hipismo, os cavaleiros são avaliados pelos comandos, técnica e harmonia que estabelecem entre si e o seu cavalo, o que coloca todos os participantes em igualdade perante a competição.
No decorrer das últimas edições, têm também existido mais esforços na criação de provas que acabem com a divisão entre homens e mulheres no desporto e incentivem a cooperação entre atletas de ambos os géneros. Essas provas, designadas de mistas, envolvem a colaboração entre homens e mulheres numa só equipa. Ao todo, Paris acolhe nove desportos que contam com provas de equipas mistas como na natação – 4×100 metros estilos em estafetas -, tiro com arco, tiro desportivo com carabina de ar (10m) e pistola de ar (10m), tiro a pratos, atletismo – estafetas 4x400m -, maratona de marcha atlética em estafeta -, judo (em equipa) e triatlo em estafeta. Também na vela, para além das competições tradicionais, existem provas de equipas mistas – com barcos onde seguem mulheres e homens.
Ao longo dos anos, vários estudos têm-se dedicado à análise entre as diferenças que existem no desempenho entre os homens e as mulheres nos desportos de alta competição. Alguns desses estudos têm revelado que as mulheres demonstram um desempenho equiparável, e muitas vezes até superior, ao dos homens em diversas modalidades desportivas, sobretudo no tiro, natação e no atletismo, nas provas de maratona.
Realizado por uma equipa de investigadores de ciências do desporto na Universidade da Noruega, um estudo de 2017 mostrou que as diferenças de desempenho entre atletas de alta competição do sexo feminino e masculino tendem a estabilizar a favor dos homens. “Embora os fatores culturais tenham desempenhado um papel importante na rápida melhoria do desempenho das mulheres em relação aos homens até à década de 1990, as diferenças entre os sexos dos melhores atletas do mundo na maioria das provas mantiveram-se relativamente estáveis, em cerca de 8-12%”, lê-se. No entanto, em provas de longa distância, que envolvam uma maior gestão de tempo, energia e velocidade, as mulheres podem estar em vantagem. “As mulheres parecem ser geralmente melhores pacers [um corredor experiente a quem é atribuída a função de estabelecer um determinado ritmo de corrida], por exemplo, nos corredores de maratona”, explicou Øyvind Sandbakk, à BBC.
O estudo nota ainda que a competitividade não é apenas uma questão fisiológica, mas também mental e psicológica. Em provas de resistência, a capacidade de gerir um maior número de fatores – desde o clima à dor – torna-se particularmente importante. “Embora a eficiência do exercício de homens e mulheres seja normalmente semelhante, as mulheres têm uma melhor capacidade de metabolizar a gordura e demonstram uma melhor hidrodinâmica e um ritmo mais regular, o que pode ser vantajoso, em especial durante competições de natação de longa duração”, lê-se. Para a investigação, o grupo de cientistas analisou os tempos realizados por homens e mulheres numa prova de maratona, e concluiu que quanto maior a distância, menor é a diferença entre os tempos atletas.
Uma outra investigação realizada sobre esta modalidade após os Jogos Olímpicos de Tóquio, de 2020, concluiu que os homens tinham um melhor desempenho em provas que envolviam alvos móveis, mas que o desempenho era equilibrado entre os sexos nas restantes provas. Para o estudo, os investigadores da Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, analisaram o desempenho nas diversas provas desportivas, incluindo as mistas, da modalidade de tiro. “Os homens tiveram um melhor desempenho do que as mulheres em provas que exigiam qualidades “dinâmicas” (seguir alvos em movimento), mas quando se tratava de tiro com espingarda com alvos fixos em recintos fechados e independentemente da distância ou da postura, as mulheres tiveram um desempenho igual ao dos homens. Num sentido mais lato, verificamos que, quando as condições de jogo são equitativas, os géneros, pelo menos entre os competidores seletivos altamente treinados, competem em pé de igualdade”.
O organização mundial da modalidade – Federação Internacional de Tiro Desportivo – referiu também recentemente que há pouca diferença no desempenho entre os géneros. “Embora a FITD deseje manter duas categorias separadas de Masculino e Feminino, as evidências do campo de jogo confirmam que homens e mulheres têm tipicamente pontuações semelhantes. Assim, a categoria Feminina não precisa ser ‘protegida’ em nome da justiça. O componente de proteção da categoria de gênero não é, portanto, uma preocupação… a ser considerada no tiro em nível de elite”, pode ler-se na sua política transgénero.
Apesar das conclusões recentes, os investigadores referem a necessidade de mais pesquisa sobre o desempenho feminino em alta competição, uma vez que a maior parte dos dados hoje conhecidos se baseiam no desempenho masculino. “Se quisermos reduzir ainda mais o fosso entre homens e mulheres, penso que mais investigação sobre as mulheres em geral… seria muito benéfica”, referiu Sandbakk.
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