Quatro dias após o Banco de Portugal ter anunciado a resolução do então Banco Espírito Santo, a 3 de agosto de 2014, a juíza Margarida Ramos Natário assinou os documentos do divórcio com Miguel Rio Tinto, antigo administrador da seguradora Tranquilidade, que pertenceu ao grupo liderado por Ricardo Salgado. Mais de nove anos após a decisão do casal, o que parecia ter sido um ato normal transformou-se, entretanto, num emaranho de ligações perigosas que levaram a magistrada a questionar o Tribunal da Relação de Lisboa se tem condições para se manter como juíza-adjunta do julgamento por suspeitas de corrupção do (ex) “dono disto tudo” e de Manuel Pinho, antigo ministro da Economia.
O que é que o casamento/divórcio com um antigo administrador da Tranquilidade tem que ver com o julgamento? À partida, nada, não fosse o facto de, como demonstram alguns dos milhares de documentos do processo do Banco Espírito Santo (BES), Miguel Rio Tinto também ter, à semelhança de Manuel Pinho, recebido verbas do chamado “saco azul” do BES, uma conta oculta, a partir da qual vários altos quadros recebiam dinheiro sem a correspondente declaração às Finanças. Foi isto mesmo que os advogados Ricardo Sá Fernandes e Magalhães e Silva deixaram claro num requerimento apresentado em tribunal, no qual colocaram a decisão de afastamento nas mãos de Margarida Ramos Natário, quando poderiam ter suscitado a questão da sua “imparcialidade” através do “incidente de recusa”. Os defensores de Manuel Pinho e da mulher deste, Alexandra Pinho, suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais, referiram que o “mecanismo utilizado para efetuar pagamentos no estrangeiro ao arguido Manuel Pinho e ao engenheiro Rio Tinto é precisamente o mesmo”. Ambos receberam através da ES Enterprises. Posteriormente, Miguel Rio Tinto passou a receber por outra entidade fora da contabilidade oficial, a Alpha Managment. A contabilidade dos pagamentos revela que, durante vários anos, Miguel Rio Tinto recebeu, ao todo, 1,2 milhões de euros, desconhecendo-se se, posteriormente, os declarou às Finanças.
Da Tranquilidade, ex-marido da juíza passou a administrador do Novo Banco. Foi investigado pela Autoridade de Seguros, mas o caso terminou arquivado