Um novo estudo, realizado por investigadores da University College London (UCL), no Reino Unido, concluiu que os pais que gritam com os filhos e os insultam deixam marcas profundas nas crianças, que podem ter um impacto muito grande no seu futuro a vários níveis.
De acordo com a equipa, este comportamento dos cuidadores faz com que os mais novos fiquem mais propensos ao consumo de drogas e até a automutilação, mais tarde na vida. “Este tipo de ações dos adultos podem ser tão prejudiciais para o desenvolvimento de uma criança como outros subtipos de maus-tratos atualmente reconhecidos e estabelecidos, como o abuso físico e sexual na infância”, referem os autores do estudo.
“Sabemos, através de literalmente centenas de estudos, que a exposição ao abuso verbal afeta profundamente as crianças e está associada a sofrimento psicológico persistente, dificuldades emocionais e relacionais complexas, perturbações físicas e mentais, aumento da probabilidade de recriar situações de abuso nas suas vidas, como por exemplo encontrar um parceiro que seja abusivo, bem como repetir o abuso com outras pessoas”, explica, por seu lado, Peter Fonagy, um dos autores do artigo e Diretor do departamento de psicologia e ciências da linguagem da UCL, citado pelo The Guardian
A investigação teve em conta a análise de vários estudos, com o objetivo de encontrar evidências claras do impacto do abuso verbal na infância.
Um estudo recente realizado por investigadores do Reino Unido e publicado no BMJ Open incluiu mais de 20 mil voluntários, concluindo que aqueles que tinham sofrido abusos verbais durante a infância tinham quase duas vezes mais probabilidade de consumir canábis do que aqueles que não tinham sofrido este tipo de abusos – percentagens de 19,9% e 10,8%, respetivamente.
Além disso, tinham quase o dobro da probabilidade de serem detidos por qualquer motivo relativamente aos outros participantes.
Também um inquérito recente realizado a mil jovens entre os 11 e os 17 anos revelou que 41% dos participantes sofreu algum tipo de abuso verbal durante a infância, principalmente cometido por pais, cuidadores, professores e pais de amigos, que utilizavam frequentemente palavras ofensivas e perturbadoras para insultar ou criticar.
As frases apontadas mais frequentemente pelos participantes foram “és um inútil”, “és estúpido” e “não fazes nada de jeito”. O mesmo iquérito concluiu que mais de metade desses voluntários experienciou esse tipo de abuso todas as semanas; um em cada 10 referiu que o mesmo acontecia todos os dias.
Relativamente às frases positivas de que os jovens participantes se lembravam com mais frequência, algumas delas foram “estou orgulhoso de ti” ou “eu acredito em ti”, por exemplo.
Os investigadores deste novo estudo, publicado na revista Child Abuse & Neglect, afirmam também que a percentagem de crianças que sofre de agressões verbais durante a infância é superior ao número relativo aos abusos físicos ou sexuais.
Neste sentido, este novo estudo cita uma investigação realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que concluiu que 36,1% das crianças em todo o mundo sofreram algum tipo abuso emocional, incluindo abuso verbal, percentagem superior à relativa aos abusos sexuais (25%).
“Usar palavras para intimidar, envergonhar e controlar pode parecer menos obviamente prejudicial do que as agressões físicas, mas os mesmos riscos acompanham este mau uso da linguagem: baixa auto-estima, aumento do uso de nicotina, álcool e outras substâncias, aumento do risco de ansiedade, depressão [e] até mesmo transtornos psicóticos”, reforça Fonagy, acrescentando que “as crianças estão geneticamente preparadas para confiar no que os adultos dizem” e que “se trairmos essa confiança, utilizando palavras para abusar em vez de ensinar, isso pode deixar as crianças não apenas envergonhadas, isoladas e excluídas, mas também incapazes de se envolverem com a sua comunidade e de tirarem todos os benefícios da aprendizagem social”.
A equipa refere que as agressões verbais devem ser reconhecidas efetivamente como uma forma de abuso precisamente devido aos danos que podem provocar nos mais novos.