Quando o telefone tocou, às 6 da manhã do dia 25 de agosto de 1988, eu não tinha dormido mais de três horas. Julguei ouvi-lo a meio de um sonho qualquer. Deixei tocar. Foi a insistência que me acordou. Era o chefe de redação do Diário de Lisboa e o apelo foi rápido: «Vai para o Chiado que Lisboa está a arder!» Devo ter murmurado qualquer coisa, desligando logo a seguir. Eu tinha isenção de horário, mas havia limites.
Deixara a redação depois das duas da manhã, após a última impressão de um texto de página inteira para o jornal do dia seguinte. O comboio do Porto chegara pouco antes da meia-noite e, sem ir a casa, lançara-me à escrita sobre o leilão do espólio do escritor Alberto de Serpa. O Diário de Lisboa era o primeiro jornal a dispor de computadores e impressoras e, recém-chegada do vizinho Diário Popular, eu ainda não me dava muito bem com a novidade de uma coisa chamada Windows. Por isso, parecera-me mais sensato ir escrever de uma assentada, antes de «arrefecer». Após duas horas à secretária, sozinha no silêncio da redação vazia, deixara uma cópia impressa, com as fotografias ao lado, na mesa da chefia. Enviara o texto, pela rede interna, para o paginador que, de manhã, retomaria o trabalho.
Resolvida a deitar-me assim que chegasse a casa, rumei Chiado abaixo pela Rua Garrett. Passara também pela Rua do Carmo, tendo estranhado que as janelas do Grandella estivessem abertas. Era mais um sinal da decadência total. Quem vira aqueles armazéns e quem agora os via, entregues à venda de roupa barata e quase vazios. Quando finalmente cheguei a casa, deitei-me em cima da colcha. Sem tirar a roupa, pensei: «Vou tomar banho daqui a bocado.» E adormeci.
Estava mais ou menos na mesma posição quando o telefone tocou pela segunda vez, insistentemente. Era o Rodrigues da Silva, com a voz a que chamávamos «número 35». Ou seja, a voz de serviço. «Telefonaram-te da chefia? Não ligaste a televisão?» A televisão? Perguntava-me pela televisão às seis da matina alguém que nem queria televisão em casa? «Não há televisão a esta hora! Além disso, saí do jornal há bocado», respondi para que parasse de me moer o juízo. E foi então que reparei nas horas, porque ainda tinha o relógio no pulso. «E já sei que Lisboa está em chamas, blábláblá.» Nem tinha acabado o protesto e já havia um grito do outro lado, acompanhado de um chorrilho de palavrões: eu era olisipógrafa, precisavam de mim na rua, imediatamente. Fiquei sentada, com o vestido tão amarrotado como as ideias. Alonguei-me para os pés da cama, onde a minúscula televisão repousava num banquinho, e ouvi uma voz estilo breaking news, completamente fora de horas: o Chiado estava a arder.
Fogo posto?
Não demorei mais de um quarto de hora a tomar banho, vestir-me de lavado, apanhar um táxi e rumar ao Rossio onde, em época anterior aos telemóveis, tentei ligar de uma cabina para o jornal: não podemos subir pela Rua do Carmo, mas deixam os jornalistas ir pelo lado da Rua do Ouro. O Grandella está totalmente queimado e talvez ameace ruir.
Paro e tiro uma fotografia aos bombeiros que continuam a encher de água a lava cor de laranja e fervente. «Venha por aqui, menina.» O bombeiro conduz-me até ao passeio fronteiro ao gaveto da Rua do Crucifixo: «Se quer subir, é melhor ir dar a volta pela Rua Nova do Almada. Os Armazéns do Chiado já têm o fogo deste lado.» Os Armazéns do Chiado? Apercebo-me, então, daquilo que está em jogo. Que o Grandella, todo de ferro e vidro, construção de 1907, inovadora mas frágil, com pisos pela encosta do Carmo acima logo na dobra do século, apresente ameaça de destruição total, não me parece paradoxal.
Mas os Armazéns do Chiado, instalados num palácio com a estrutura sólida dos antigos conventos de Lisboa? Sopra um vento ligeiro que suponho nefasto em tais circunstâncias. O dia amanhece límpido, e o vulto do fumo negro sobre a Baixa quase inteira denuncia, imediatamente, uma tragédia de grandes proporções. Há gente que chora, agarrada às grades que delimitam a passagem, do lado da Rua do Ouro. «Vamos ter de deslocar isto mais lá para baixo.» O porteiro do elevador de Santa Justa olha para o polícia que dá esta ordem com um encolher de ombros que me intriga. «O senhor estava aqui quando chamaram os bombeiros?» Que estava, e esteve toda a noite. E que deu o alerta pouco depois das três da manhã. «Mas eu passei aqui às duas, e não havia nada», adiantei.
«Há quem diga que só os chamaram às cinco, mas garanto-lhe que às três já eu via fumo. Ali em cima, do lado de cá.» Eram as janelas do primeiro andar do Grandella, do lado da Rua do Ouro. Faço um esforço para recordar a distribuição temática dos pisos. Havia um resto da escada original, de madeira, ao canto do andar térreo e com acesso à papelaria. O Grandella, na sua versão definitiva, era de 1907. Galerias à parisiense, de ferro forjado, que abriam sobre a entrada pelo lado da Baixa. No entanto, nunca o conheci assim.
Nos anos 50, muito antes de eu nascer, já estava alugado por pisos. Demolidas as antigas galerias, foi possível assoalhar todos os andares, ligados entre si pelas primeiras escadas rolantes do comércio lisboeta. No início dos anos 70, faziam as delícias de várias crianças, que as desciam e subiam ao contrário, vezes sem conta, enquanto as mamãs se afadigavam na escolha de um tailleur de caracul.
Restavam, até àquela manhã, três bocados das escadas antigas, de madeira com corrimão de ferro forjado. E um elevador lindíssimo, que destoava daquilo que tinham feito ao resto. Ora, se alguém resolvesse incendiar o Grandella, teria de ser ali, ao canto das escadas que davam para a papelaria. Encravadas na encosta, fariam o fogo subir ao longo de vários pisos, antes de poder ser visto cá de fora. Penso assim e, com igual rapidez, desfaço o pensamento. Para arder tão depressa, o prédio teve várias frentes de fogo. Quem fez o serviço, fê-lo muito bem feito. Mas talvez não imaginasse que ia largar fogo a quarteirões inteiros. Ou talvez não se importasse.
O gaveto fronteiro ao Grandella, tornejando para a Rua do Crucifixo, foi evacuado. Ali por perto, ainda em pijama, alguns dos habitantes dos últimos andares choram convulsivamente.
Alguém me fala do gatinho que ficou para trás. «Não há direito! Toda a gente sabia que o dono disto saiu ontem da prisão!» Como se fosse por de mais óbvio que o Grandella acabara por sofrer o mesmo destino de um baratucho armazém de roupas em Tavira, pertencente aos mesmos donos. Indícios de fogo posto, no Algarve, motivaram a recusa da seguradora de pagar os danos, e a polícia abriu um inquérito.
«À segunda, cai quem quer», diz o povo. Havendo segunda vez, alguém trabalharia para que os tais indícios nunca pudessem ser descobertos. Olhei para o Grandella como se nunca o tivesse visto, como se nunca o tivesse frequentado, como se não fosse aquele o lugar que me servia de atalho, quase todos os dias, entre a Rua do Carmo e a Rua do Ouro. Olhei para ele como se não fosse o local das escadinhas rolantes da minha infância. Olhei para ele como o vi no início daquele mês de agosto de 1988: pisos de secções esvaziadas ou com um stock de meter medo ao menos exigente dos clientes.
Janelas abertas em plena noite. O destino de encerramento praticamente traçado. Nada dos esplendores dos tempos de Francisco de Almeida Grandella, o lendário fundador. Nada do chique dos tempos em que acompanhava as minhas tias para ver as novidades da estação. Olhei para ele e, vendo a escada dos bombeiros, vi o que lá dentro se perdera. Estava vazio. Já estava vazio, muito antes de ter ardido.
Os pensamentos sucedem-se, tão velozes como o próprio propagar do fogo. Do lado da Rua do Ouro, ainda não me apercebo do que pode ter ardido nos contíguos Grandes Armazéns do Chiado. Ao contrário do Grandella, cujas belas fachadas abrigavam interiores modernos, os Grandes Armazéns estão como sempre foram, ostentando ainda, intacto, o interior do antigo palácio do conde de Barcelinhos: enormes guerreiros de bronze à entrada, atalantes de estuque em cada coluna de mármore, a escadaria nobre em dois lanços, os salões temáticos do primeiro andar.
Largo a correr pela Rua Nova do Almada, antes de me travarem, em frente da Casa Batalha e das Escadinhas de S. Francisco. Apresso-me a procurar uma credencial qualquer. «Está bem, mas suba só até à Ferrari. O fogo já vai no Eduardo Martins.» Comunica-se assim. Toda a gente, polícia incluída, sabe o nome das lojas centenárias que dão importância àqueles quarteirões. Quando ergo o olhar, já não distingo o gaveto para a Rua Garrett. O fumo negro e as chamas ainda acesas não deixam perceber onde termina o incêndio. «Posso só ir ver os Armazéns do Chiado?» A resposta é breve, enquanto passa entre nós mais uma mangueira: «Não há nada para ver, menina. Já ardeu tudo!» Lembro-me de que estou de serviço. Não sou dona do prédio, não sou bombeira, não sou Deus. Estou de serviço para um jornal diário da tarde, fechamos às 10 da manhã, tenho de recolher todos os dados e despachar-me depressa. Limpo uma lágrima grossa que me escorre para dentro da boca. Pleno agosto, manga curta, braço molhado. Subo mais um bocado.
A água desce em catadupas. Vinte e dois mil litros de água já estão dentro dos escombros, lançados por muitos carros e do alto de seis escadas Magirus. Mobilizadas todas as corporações de bombeiros de Lisboa e dos arrabaldes, leio nos carros o nome das terras: Barcarena, Cacilhas, Alhandra. Estou nisto quando olho para os sapatos e dou um grito. A sola despegou-se, a água entrou pela abertura e está a ferver. Felizmente detesto sandálias. Desvio o outro pé da corrente mais próxima e acastelo-me no primeiro degrau das escadinhas, com o prédio da Casa Batalha como proteção. É dali que, à espreita, vejo a mancha cor de laranja descer, e a silhueta do fogo propagar-se na minha direção, pelo prédio da Valentim de Carvalho. Do último andar ao rés do chão, não me parece que leve mais de dez minutos a arder por completo.
Penso, vagamente, nos arquivos históricos, nas vozes da Júlia Florista, da Maria Vitória, da Júlia Mendes, do António Menano. São muitas coisas ao mesmo tempo. Lá em cima, numa das janelas que dão para as escadas, um homem brada a plenos pulmões pela ajuda dos bombeiros. A voz mantém-se em tom desesperado, impossível de ignorar. Como que movida a corda, subo as escadas do segundo edifício e, lanço após lanço, vou sentindo mais calor. No terceiro andar, a porta da rua está escancarada. Não ouso transpô-la. A realidade desenrola-se depressa de mais para adaptar hábitos.
Um olhar em linha reta mostra, ao fundo do corredor, meia dúzia de homens agarrados à janela. Mal dão por mim, pedem ajuda. Estão a tentar arrancar, pelo lado de dentro, uma grade pregada, pelo lado de fora, há pelo menos um século. Têm de desimpedir a janela para as mangueiras. O dono do prédio alugou o último andar, todo remodelado, há poucos meses. «Morro aqui, mas não há de arder!» Abeiro-me da grade. O interior do quarteirão parece um cachimbo aceso. Dou pelas chamas no anexo da Pastelaria Ferrari e desvio-me logo. A Ferrari, os lanches ancestrais, o serviço Christofle, os pratos monogramados, a arcaria de madeira, o retrato do fundador sobre a primeira arcada centenária: Mathias, o homem que ensinou o Chiado a saborear doces de colher. Tudo a desaparecer ali em baixo, como se não existisse uma capitular na palavra História.
Papéis ao vento
Pergunto aos bombeiros se pensam que o fogo vai chegar pelas traseiras. Parecem convictos de que o travarão antes que isso aconteça. Talvez tenham razão. Articulo uma desculpa qualquer, falo do jornal, do serviço, da hora de fecho. Regresso às escadinhas e rumo ao topo do Chiado. Na Brasileira, os quadros a óleo foram arrancados sem grande jeito. Há um buraco aberto em cada canto de parede onde assentavam desde que, em 1971, substituíram os originais de 1925. Também à pressa vão saindo os arquivos de um banco qualquer. Pilhas de dossiês de todas as cores juntam-se, em fila, às pessoas que rezam, penduradas na grade de segurança.
Para cá dessa grade, gente de joelhos. Os comerciantes da Rua Garrett temem que, travado a norte pelo edifício do Montepio Geral, o fogo suba agora a encosta, não poupando uma única loja. Encontro Carlos Pinto Lima, dono da Perfumaria da Moda, na Rua do Carmo (cujos interiores «estilo caixinha de bombons» fizeram de cenário no filme O Pai Tirano, de António Lopes Ribeiro, em 1941). Diz-me apenas, apoiado no ombro do filho: «Desapareceu. A perfumaria desapareceu completamente.» Continuam sem saber o que acontecerá à sua outra loja, A Pompadour, no segundo quarteirão da Rua Garrett.
A ampulheta do tempo muda de velocidade.Estão todos à espera. À espera de notícias, à espera de conclusões, à espera de que os deixem passar. Lá em baixo, os bombeiros dobram a esquina em chamas da Casa José Alexandre, onde toda a minha família teve lista de casamento. Vão tentar criar uma barreira, no topo da colina do Carmo, usando as traseiras do antigo liceu. Nota-se a afluência à Calçada do Sacramento.
Dentro da Brasileira, de olhos postos nos buracos onde estiveram os quadros, tento ligar para o jornal, usando o pequeno telefone encarnado, mesmo à porta. Em vão.
As linhas não funcionam entre o Terreiro do Paço e o Bairro Alto. Repetidas vezes, o aparelho cospe todas as moedas de vinte e cinco tostões. No torvelinho de mil conversas, alguém indaga porque não aparecem os helicópteros de combate às chamas. Logo a seguir, ouço o protesto óbvio contra os novos canteiros que o presidente da Câmara mandou colocar na Rua do Carmo: «Nenhum carro de bombeiros conseguiu passar por aquele lado!» Pergunto pela pessoa com quem costumo tomar a bica da manhã. Parece que foi para o tabuleiro do elevador de Santa Justa.
Há gente que jurou mandar dali abaixo «uns certos senhores». Ao fundo da sala, o relógio não foi apeado. Nem a tela de Noronha da Costa que o acolhe, ao centro. Decerto porque não conseguiram arrancá-los à pressa. Se o fogo chegar aqui, à velocidade a que se move, arderão como tudo o resto. São nove da manhã. O incêndio chega ao telhado do edifício do Jerónimo Martins, a mercearia mais célebre de Lisboa, à qual Alexandre Herculano vendia o seu azeite de Vale de Lobos. Do outro lado da rua, é difícil vislumbrar se ainda existe alguma coisa, depois da Calçada do Sacramento. Tenho de voltar para o jornal. Ainda desço o quarteirão até à esquina da Livraria Sá da Costa. O vento sopra papelotes em todas as direções. Etiquetas de preços do Grandella, faturas do Eduardo Martins, autocolantes do Martins e Costa. Dir-me-ão, mais tarde, que alguns papéis foram apanhados em Almada.
Uma segunda edição… e a cores
Estou sentada ao computador. O chefe entra e pergunta se sei exatamente o que ardeu. Se posso fazer a história daquelas casas centenárias. Preciso de ajuda dos jornais antigos? Sei quando foram inauguradas? Quem estava lá agora? Respondo com monossílabos.
«Sabes que há gente de rojo à porta da Igreja dos Mártires? Gente muito rica, gente que nunca vi sorrir aos clientes, gente prostrada a rezar.» Não sei, não sabemos ainda se o Chiado não vai arder todo. Lanço-me na prosa cheia de datas e de nomes próprios: Francisco de Almeida Grandella, Nunes dos Santos, Matheus Ferrari, Augusto Neuparth, Jerónimo Martins e filho. As lágrimas, agora livres, vão correndo. Falta fechar aquelas duas páginas. Quando estiverem prontas, a rotativa começa a andar. Alguém me levou a máquina fotográfica para o laboratório, para ver se precisam de mais alguma fotografia.Apoio-me no teclado enquanto puxo do lenço.
Depois de meia hora de escrita, num gesto apenas, faço desaparecer o texto. Em vão chamam o supervisor da informática, os gráficos, o chefe da secção de montagem. Faltam duas páginas e o jornal tem de ser impresso. Repescam o meu texto sobre o leilão de Alberto de Serpa. «Não te preocupes. Fizeste o que podias. Assim que tivermos a primeira edição na rua, imprimimos a segunda, desta vez a cores e com o teu texto. Achas que consegues escrever tudo outra vez?»
E foi assim que, nesse dia, o meu relato só saiu às três da tarde, num vespertino que estava à venda às duas. O Chiado não ardeu todo. O fogo estancou no prédio do Jerónimo Martins, sem ter chegado ao rés do chão.
Durante dias, semanas, meses, um ano, fiquei «de serviço» ao que ia acontecendo nas lojas sobreviventes. Escrevi referências para prosa alheia, linhas e linhas de protestos dos comerciantes, descrições completas dos trabalhos de rescaldo, listas daquilo que não podia perder-se. Acompanhei concursos de montras e passagens de modelos. Passei a vestir e calçar só daquelas lojas. Calças da Tatá, casacos do Ramiro Leão, lingerie da Pompadour, sapatos da Orion.
Visitei todas as manhãs as mesmas ruas. Durante quatro dias, não me aventurava na área ardida sem um par de sapatos suplente. Uma semana mais tarde, a água ainda corria, quente, pela Rua Nova do Almada abaixo.
Falei com todos os comerciantes, revolvi a coleção do Diário de Lisboa, em busca de publicidades antigas das lojas, pedi ajuda a António Lopes Ribeiro para publicarmos uma versão aos quadradinhos do seu filme O Pai Tirano. Lancei com António Valdemar e Appio Sottomayor um abaixo-assinado para levar ao Presidente da República. Devia fazer-se o que estivesse ao nosso alcance para manter o Chiado como parte do património histórico da cidade. Assisti à reconstrução que, durante mais de uma década, moeu o juízo e a carteira aos donos das lojas em redor do que desaparecera. Houve surpresas boas e surpresas más.
O quarteirão do Eduardo Martins deixou de ter as traseiras ocupadas por anexos, transformando-se num pátio interior com entrada para vários restaurantes. O Grandella, cuja pedra calcinada ficara demasiado frágil, teve a fachada antiga reconstituída ao pormenor dos medalhões com a divisa «Sempre por bom caminho, e segue». Mas as lojas centenárias nunca voltaram. Eduardo Martins, Martins e Costa, Perfumaria da Moda, Pastelaria Ferrari, Custódio Cardoso Pereira, Casa Aguiar, Papelaria Artis, Loja 92: tudo isto se me resume, em 2013, a um monte de souvenirs que, ao longo dos anos, fui acumulando em arquivo.
Toca o telemóvel. Insistentemente. Estou de férias, longe de Lisboa e já escolhi a VISÃO para contar aos leitores o que passei naquele dia. Desta vez, atendo à primeira porque já sei que é por causa do Chiado. Mais um colega da rádio, muito cerimonioso, a pedir informações sobre as lojas que arderam.
«Trata-me por tu, pá. Eu estava de serviço, naquele dia.»